Entrevista/ “A Konica Minolta é uma start-up que tem mais de 100 anos”

Vasco Falcão, diretor da Konica Minolta Portugal

Vasco Falcão está à frente da sucursal portuguesa da Konica Minolta há dez anos. Nesta entrevista, o diretor português, que também acumula funções de presidente na filial espanhola, fala-nos do novo centro de inovação para start-ups, das diferenças entre os mercados e partilha alguns ensinamentos da forma de atuar japonesa.

Qual é a ideia por trás do novo business innovation center?
Nos últimos anos, a Konica Minolta decidiu retirar a sua inovação de um centro que estava exclusivamente no Japão e decidiu espalhá-la pelo mundo, com o objetivo de estar mais perto dos seus clientes. Somos uma empresa centenária. Esse processo de inovação constante que temos feito, saiu quase sempre do Japão e depois era adaptado aos mercados locais. Está no nosso core essa procura constante de inovação. O que fizemos desta vez foi retirar essa zona de inovação do Japão e colocá-la ao pé dos clientes. Portanto, abriu-se em diversos pontos do mundo uma coisa que se chama um business innovation center. Um em São Francisco, outro em Singapura, um aqui na Europa… O objetivo é cooperar a fazer coinovação com os clientes. Nesse sentido, o centro que temos em Portugal é para fazer essa coinovação perto dos clientes. Só para ter uma ideia, Portugal é um terreno fértil para se fazer inovação e nós, salvo erro há dois anos, tivemos aqui uma primeira grande experiência que foi o desenvolvimento de um produto novo. A ideia surgiu no Japão, surgiu das nossas análises de mercado pelo mundo, havia ali uma necessidade por parte dos clientes que foi identificada e depois o teste, o alpha test e o beta test do produto em cliente real, foi cá em Portugal. Nessa altura, apercebemo-nos que havia aqui terreno fértil para testar outras coisas. Portanto, o que nós vamos ter aqui é um centro de aproximação entre aquilo que é a nossa inovação, a nossa tecnologia, a nossa consultoria, e depois aquilo que são as necessidades dos clientes. Vamos tentar ter aqui esse mundo.

E que resultados é que surgiram destes outros centros pelo mundo?
Há vários. Em Portugal, o produto que foi testado é um aparelho de impressão de etiquetas que foi lançado. Ou seja, não ficou no protótipo, não ficou na ideia, portanto, foi lançado no mercado.

Um exemplo em Portugal: começámos a comercializar o produto mais ou menos em setembro e vendemos quatro equipamentos neste ano fiscal que terminou agora. Estamos a falar de equipamentos na ordem dos 200 mil euros. Portanto, são soluções já com algum valor. Vendemos quatro em Portugal e, aqui ao lado, em Espanha, venderam-se 20 equipamentos, ou seja, um exemplo real de algo que foi cocriado aqui com clientes em Portugal e que, neste momento, está a ter uma expansão mundial.

Como é que uma start-up se pode associar a este novo centro?
Nós temos alguns contactos na comunidade de start-ups. É contactar connosco, é apresentar-se, é procurar – dentro daquilo que é a nossa tecnologia – fazer cocriação connosco. Temos, por exemplo, um programa de desenvolvimento chamado DSP, onde damos acesso àquilo que são as tecnologias core da Konica Minolta. Em Portugal já há três empresas que estão associadas a esse programa de developers. Desenvolvem em cima daquilo que é a plataforma de software dos equipamentos da Konica Minolta. Portanto, isto numa fase mais embrionária. Mas depois estamos abertos a qualquer tipo de ideias, seja de engenharia, de mecânica… Para ter uma ideia, o produto de que estava a falar há pouco, o de impressão de etiquetas, aquilo que é a tecnologia core, o corpo da impressão do equipamento, é Konica Minolta, mas aquilo que alimenta os rolos de bobine é uma obra de engenharia que foi feita por uma outra empresa que sugeriu que integrássemos a tecnologia deles. Portanto, tanto pode ser isto, como pode ser um developer a ter uma ideia. É uma questão de vir às nossas sessões de inovação, ouvir o que a nossa tecnologia faz, ouvir o que os clientes dizem que precisam e depois, com aquilo que é a oferta de uma start-up, tentar integrar a sua oferta nestes dois mundos que são as necessidades dos clientes e aquilo que é a tecnologia e os processos Konica Minolta.

Que áreas é que precisam mais de inovação? Quais são as necessidades dos vossos clientes atualmente?
É um mundo muito aberto. Vou dar-lhe exemplos: na área da impressão, hoje em dia, há muita distribuição e entregas online. Hoje tenho uma pessoa que vem cá almoçar e vamos encomendar comida. Quando chegar cá, a caixa [de comida] vai trazer três ou quatro etiquetas. Este problema, há dois anos, não se colocava porque havia muito poucas entregas online, ou seja, as pessoas encomendavam pouco online. Cada vez vai haver mais entregas online, cada vez se vão produzir mais etiquetas. Portanto, isto é um mercado que dita esta necessidade, onde cada vez vão ser produzidas mais etiquetas. Isto é uma necessidade que surge dos clientes e nós temos de adaptar a tecnologia para isso.

Depois, temos aqui no âmbito da organização porque as empresas todas querem processos – porque todos falam de transformação digital – mais lean, mais organizados, adaptados a isto que é a transformação digital e, portanto, o que fazemos é tentar simplificar as formas de o fazer, utilizando tecnologia e processos. Isso também surge aqui no innovation center. 

Pegando no assunto da transformação digital. Ainda faz sentido falarmos de transformação digital das empresas em 2018? Isto não devia ser já um dado adquirido?
Não, ainda não é um dado adquirido. Para dizer a verdade, acho que ainda mal começámos. O tiro de partida foi agora e quando olhamos para aquilo que são os processos internos das organizações, quando olhamos para a forma como utilizam a tecnologia, ainda estamos muito longe de ter transformação digital como um dado adquirido.

O que é que oferecem a quem desenvolva um produto que seja utilizado pelos vossos clientes?
Depende. Temos situações de participação no capital. Há um fundo da Konica Minolta que foi criado para investir em start-ups. Pode passar pela participação, pela negociação de royalties, ou seja, depende das circunstâncias e do produto. Pode ainda passar pela aquisição total ou parcial do capital ou por fazer uma joint venture. Vai depender muito do tipo de aplicação ou de produto que estejamos a falar. Vai depender muito também do que é o interesse da start-up, em se querer aliar ou de querer apenas ter uma situação de parceria. Isto tudo depende da situação.

Visto que a Konica Minolta é uma multinacional japonesa, o que é que os empresários portugueses podem aprender com a forma nipónica de atuar?
Os japoneses têm uma visão de longo-prazo, não pensam no imediato. Isso é uma das coisas que aqui se aprende e que nós podemos transmitir aos nossos clientes: é que não esperem que a Konica Minolta entre num negócio hoje e daqui a dois anos saia. Normalmente, estamos pelo menos 100 anos num negócio e só depois é que saímos. Porque também pensamos bastante antes de entrar nesse negócio, estudamo-lo bastante. Também falhamos. Costuma-se dizer que aqui dentro há uma empresa com 100 anos, mas que tem o espírito de uma start-up: arriscamos, cometemos erros. Agora, temos uma preparação diferente, ou seja, preparam-se muito bem as coisas, pensam-se muito bem. Por norma, isto, para este espírito latino, que somos mais de improvisar, às vezes é estranho porque não percebemos a velocidade a que as coisas acontecem numa empresa japonesa.

Nas empresas japonesas a dimensão tempo é diferente da nossa dimensão, tanto europeia, como americana. Isso, às vezes, é difícil de perceber porque se está a pensar a longo-prazo. Para além daquilo que é o nosso padrão tradicional. Isso dá uma garantia muito grande a quem trabalha connosco porque nunca temos relações transacionais. Isso é estranho num mercado em que a maior parte dos clientes e dos parceiros está habituado a ser usado. Nós não, nós entramos numa lógica de ficar, de casar. É difícil, até para alguns dos meus colegas que chegam de outro tipo de ambientes, perceberem como é que pensamos para além de nós. Eu tenho de pensar – que é uma coisa muito japonesa e que é muito pouco pensada na Europa – na pessoa que vem a seguir a mim. É uma lógica que tem de ser explicada aos clientes e aos parceiros, mas que tem benefícios para quem está connosco porque dá uma garantia de fiabilidade, porque nós não largamos mesmo que as coisas estejam mal. Isso é, às vezes, até difícil de perceber.

E esta lógica nipónica é passada aos vossos colaboradores?
Esta lógica de que eu estava a falar tanto se aplica na relação com os nossos clientes e parceiros, como também nas nossas pessoas. Se olhar para a Konica Minolta celebramos os colaboradores que têm uma determinada antiguidade na casa e valorizamos o conhecimento que eles têm. Em vez de fazermos uma coisa que está muito na moda, que é as pessoas mais antigas já não são aptas digitalmente – não são nativos digitais, portanto, já não nos servem – , o que nós explicamos às gerações mais novas é que essas pessoas têm um conhecimento brutal e representam aquilo que é o desafio que muitos dos nossos clientes têm. Porque os nossos clientes não têm só pessoas de 20 anos. Têm pessoas que vão desde os 20 aos 65, dependendo da idade em que se reformam. O que temos é de aprender com as dinâmicas internas, com as nossas pessoas e fazer como se faz no Japão, que é respeitar muito as pessoas que têm muita experiência e aprender com elas.

É presidente da sucursal espanhola da Konica Minolta desde maio do ano passado. Quais são as maiores diferenças entre o mercado espanhol e o português?
Há algumas. Além dos concorrentes serem diferentes em termos de dimensão, em Portugal as marcas que são as nossas principais concorrentes são diferentes das marcas que são as principais concorrentes em Espanha. Questões históricas, questões de mercado, a forma como cada uma das empresas se organizou, há quanto tempo chegou… Isso tudo influência. O mercado espanhol é muito maior. Nós, do ponto de vista de mercado, temos uma melhor posição em Portugal do que em Espanha, o que também faz com que o desafio seja diferente. A forma como os clientes estão organizados e o que necessitam incidem na mesma coisa. Os clientes espanhóis querem tecnologia, querem processos bem definidos, querem um parceiro que esteja no país todo. Agora, do ponto de vista da agressividade e da negociação, é um mercado que tem algumas diferenças face a Portugal. É mais agressivo, há mais paixão… Nós somos um pouco mais racionais. Alguém diz que Portugal é o país nórdico do Sul e isso – quando se trabalha em Portugal e Espanha – nota-se. De facto, as coisas aqui em Portugal são menos apaixonadas, somos menos sulistas do que os espanhóis. Mas nos negócios isso também induz uma adrenalina, uma forma de fazer e uma energia diferente.

E esta paixão do lado espanhol não entra em choque com a parte racional nipónica?
É interessante observar e tentar influenciar isso. Eu sou uma pessoa que tento estruturar as coisas e a nossa organização também é assim. Aquilo que eu estou a fazer em Espanha também é isso, colocar um pouco dessa “água na fervura” para fazer as coisas de outra maneira. O nosso objetivo em Espanha é crescer a nossa quota do mercado, em 2021, atingir os 100 milhões de euros e, portanto, é um “reto” [desafio], como se diz em Espanha, difícil porque o mercado é muito desafiante.

E em Portugal, quais é que são os vossos objetivos?
Nós, nos últimos dez anos, temos crescido sempre. Eu sou diretor aqui desde 2008 e vamos fechar este ano – pelo décimo ano consecutivo – a crescer. O objetivo é sempre ter crescimento sustentado. Se não for sustentado prefiro não crescer. O objetivo principal até 2021, que é o nosso mid-term plan [plano a médio-prazo], é um plano que o nosso CEO japonês chamou de “shinka” [evolução] e que tem como lógica a evolução, mas uma evolução de pés assentes na terra. O que não queremos é perder o que já conquistámos, que é ser uma das melhores empresas para trabalhar, líder de mercado na área de produção, em termos de referência e satisfação dos clientes líder de mercado. Estes fundamentos não se podem perder. Depois vamos ter de lançar as ofertas novas da Konica Minolta, vamos ter de fazer este caminho. Obviamente, que se pudermos acrescentar sempre crescimento nas vendas e na contribuição – aquilo que retornamos ao nosso acionista e aquilo que também retornamos à sociedade via impostos – é bom sinal. Agora, conseguir fazer isto e não ter as pessoas que trabalham aqui satisfeitas e os clientes satisfeitos também não me serve de nada porque é uma coisa de curto-prazo, que posso ter nos próximos três anos mas que depois vou acabar por perder. É isso que temos feito aqui em equipa nos últimos dez anos.

Que conselhos pode deixar às start-ups que se queiram juntar a vocês?
Que percebam que têm aqui uma start-up com 100 anos. É o primeiro conselho. Quando vierem cá e falarem connosco têm de perceber que a Konica Minolta é uma start-up que tem mais de 100 anos e que aquilo que eles estão a fazer nós já fizemos bem mais de 100 vezes: com muitos produtos, muitas ideias.
Têm de perceber uma coisa: apesar dos 100 anos e disto parecer uma coisa pesada, é uma empresa que também não tem medo de tomar decisões. Isso é outro ensinamento: a Konica Minolta, a dada altura da sua história, teve de desistir do negócio que deu origem à sua fundação. Em 2007, a Konica Minolta deixou o negócio da fotografia. Isto as start-ups também têm de perceber e nós temos essa capacidade: há momentos em que temos de “matar o pai e a mãe” porque ao fim ao cabo foi daqui que nasceu o negócio e isso é uma decisão que é muito corajosa. E quem venha trabalhar connosco tem de perceber que tem de ser muito corajoso porque nós somos assim. Está no nosso ADN essa capacidade de tomar essas decisões, mesmo que sejam duras.

Depois têm de pensar como nós. O que nós queremos é deixar um registo na sociedade que vá para além de nós. Para que o negócio de uma start-up tenha aderência ao da Konica Minolta tem de pensar que tem de ter um negócio que vai criar alguma diferença na sociedade, não é só para ganhar dinheiro e sair depressa.

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