Entrevista/ “Pensar que os altos executivos são psicopatas é simplesmente incorreto”

Jordan B. Peterson, conceituado autor e psicólogo, esteve em Portugal esta semana onde apresentou o seu novo livro “12 Regras para a Vida”. Em entrevista ao Link To Leaders falou sobre a nova obra, empreendedorismo, Elon Musk e sobre o porquê do feminismo atual estar completamente errado.
Educado nos desertos gelados canadianos da Alberta do Norte, Jordan B. Peterson já deu aulas na Universidade de Harvard e é atualmente professor catedrático de psicologia na Universidade de Toronto. Foi consultor do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, deu aulas de mitologia a advogados, médicos e empresários e já ajudou centenas de pacientes na batalha contra a depressão, perturbações obsessivo-compulsivas e ansiedade.
Peterson reuniu-se com o Link to Leaders na quinta-feira, dia 15 de novembro, num hotel perto de Santa Apolónia. Numa conversa que poderia ter durado três horas, mas que – infelizmente – só durou pouco mais de 30 minutos, ficámos a conhecer a opinião do controverso psicólogo, e autor da nova obra “12 Regras para a Vida”, sobre alguns dos temas que expomos com frequência aos nossos leitores.
Do que é que é feito um grande empreendedor?
Ser altamente inteligente ajuda, ou seja, é uma questão de grande poder cognitivo. Isto é aferido através de testes à habilidade cognitiva que, se positivos, são um ótimo previsor de sucesso a longo-prazo dos empreendedores. Estas pessoas também costumam ter um desempenho acima da média num dos cinco traços de personalidade, como openess [abertura] – a dimensão de criatividade. Se lhes apresentar uma ideia vão ser geradas ideias colaterais e a distância entre estes pensamentos vai ser bastante superior às de quem não tem este tipo de imaginação. Há outros traços de personalidade importantes, mas estes dois são fundamentais.
Para estas pessoas serem bem-sucedidas, independentemente da época em que se encontram, precisam de se juntar a alguém que seja consciente. Há uma tensão entre a consciência e a openess. Os criativos gostam de um grande fluxo de informação e são capazes de mudar de direção muito rapidamente – o que na linguagem empreendedora se intitula de pivoting -, mas a openess não é um bom previsor de capacidades de implementação de uma ideia. Portanto, estas pessoas precisam de se aliar a outras com traços de gestor, que também apresentam boas capacidades cognitivas, mas que tendem a ter níveis superiores de consciência.
…numa sociedade ocidental bem desenvolvida precisamos que os liberais criem ideias de negócio novas e que os conservadores façam a sua gestão.
São duas formas de pensar diferentes…
Sim, tanto que estas diferenças colocam os dois grupos em polos opostos na política: o lado do empreendedorismo costuma ter uma posição mais de esquerda e o da gestão mais de direita. Portanto, numa análise muito superficial seria fácil dizer que numa sociedade ocidental bem desenvolvida precisamos que os liberais criem ideias de negócio novas e que os conservadores façam a sua gestão.
Trabalho com o Adeo Ressi no Founder Institute – a maior incubadora do mundo de tecnologia em early-stage que já ajudou mais de 3000 start-ups nos últimos cinco ou seis anos – e já testámos muitos empreendedores. Estas pessoas que criam ideias novas estão mais ligadas a artistas e criativos do que a advogados, homens de negócio ou bancários.
Pegando no caso de um dos maiores empreendedores da atualidade: Elon Musk. O que é que diria que falta, nestes cinco traços de personalidade principais, a este empreendedor?
É provável que não lhe falte nada. A minha suspeita é que o Elon seja uma daquelas pessoas raras que tanto é consciente como apresenta traços de openess. Isto acontece, mas não é comum, de todo, porque os traços têm uma correlação negativas entre eles. É muito raro ser extremamente aberto ao mundo, consciente e inteligente. Não vejo nada que possa faltar no caso do Musk. Não o conheço, mas ele tem sido bastante inovador ao mesmo tempo que implementa as suas ideias a um nível surreal. Ele já fez, no mínimo, quatro coisas que eram tidas como impossíveis. Portanto, hesitaria em apontar-lhe o quer que seja. Seria interessante testá-lo cognitivamente porque tenho a certeza que apresentaria resultados como o Nikola Tesla, que foi uma personagem completamente fora de série. O Tesla afirmava – e eu não tenho qualquer razão para duvidar – que lhe apareciam imagens mentais de novas invenções que eram detalhadas a um nível de desenho técnico e que, às vezes, lhe apareciam estas imagens tão rápido que ele não conseguia escrevê-las antes de aparecerem novas ideias.
É engraçado porque tal como o Tesla, o Elon Musk tem sido colocado em foco por dormir pouquíssimas horas…
Uma das outras coisas que se vê com as pessoas que são extraordinariamente produtivas é que costumam ser fisicamente resilientes. As pessoas que têm este tipo de performance tendem a apresentar pouca emoção negativa.
Outro traço é o neuroticismo e é o terceiro melhor previsor de resultados a longo-prazo. A inteligência é o primeiro, a consciência o segundo e o neuroticismo é o terceiro e é negativamente associado aos resultados a longo-prazo. Isto passa pela sensibilidade à emoção negativa e significa que se formos hiper reativos a este tipo de estímulos não conseguimos – involuntariamente – tolerar muito stress ou desafios. Em oposição, as pessoas que têm estes sistemas muito estáveis não só são capazes de tolerar muito mais stress, como também não ficam desmotivadas quando falham. Isto é fulcral para os empreendedores porque a probabilidade de falharem no seu percurso é elevadíssima.
“Estou a sugerir às pessoas o mesmo que um gestor eficaz faria porque há muito conhecimento sobre este tema que vale a pena absorver”.
Em relação ao “12 regras para a vida”, diria que é uma espécie de guia para viver no século XXI?
Espero, esperançosamente, que seja um livro que dê alguma orientação às pessoas. É desta forma que os leitores estão a responder e foi essa a razão pela qual o escrevi. Na verdade, estou a sugerir às pessoas o mesmo que um gestor eficaz faria porque há muito conhecimento sobre este tema que vale a pena absorver.
Desenvolvemos um conjunto de programas chamados Self Authoring Suite e um deles chama-se Future Authoring Program, que pode ser comparado a um plano de negócios pessoal – se formos pensar no assunto com um mindset de empreendedor – e que introduz a necessidade das pessoas pensarem na sua vida daqui a três ou quatro anos. O que pretendemos é que as pessoas pensem nas várias dimensões da sua vida: relações íntimas e familiares, carreira, educação, tempos produtivos passados fora do trabalho, habilidade de resistir à tentação, ter cuidados pessoais física e psicologicamente. Mas as pessoas têm de especificar aquilo que pretendem. Depois têm de escrever uma ou duas frases sobre cada um dos temas, sobre aquilo que poderia mudar caso houvesse mais empenho e, após isso, o contrário: como seria a vida daqui a cinco anos caso a deixassem ser controlada pelos maus hábitos.
Parte do que eu estou a fazer neste livro é uma extensão disso, no sentido abstrato em que tento que as pessoas descubram como podem melhorar a própria vida tendo em conta todas as variáveis complexas. Isto começa com uma visão otimista daquilo que poderá ser o futuro.
Os grandes empreendedores que conheço têm uma visão bastante “cara”. O Elon Musk é um bom exemplo, mas já conheci algumas pessoas que estão no mesmo domínio e que têm uma visão bastante “cara” e trabalham para a sua própria fortuna (ou sorte), mas que estão muito preocupadas com a funcionalidade da sua família e querem que as suas empresas trabalhem o melhor possível para que sejam úteis e produtivas e sirvam as necessidades dos seus colaboradores. A visão destes indivíduos é bastante bem formulada e as pessoas costumam ser cínicas em relação aqueles que costumam ser radicalmente bem-sucedidos.
Depois de uma empresa se desenvolver e ter uma fonte de riqueza e uma marca – ou reputação – pode atrair pessoas que estão mais do lado psicopata e que querem subir na hierarquia e que começam a explorar os recursos que existem, sugando-os para os próprios bolsos. Estas pessoas existem e têm de ser paradas. Se tiverem algumas pessoas deste género nas vossas empresas acabou. Não são precisas muitas pessoas destas no C-Suite, especialmente se forem os CEO’s, para demolirem a empresa – e isto pode acontecer mais rapidamente do que as pessoas pensam. Mas pensar que a maioria dos altos executivos são psicopatas é simplesmente incorreto. Muitas destas pessoas – as bem-sucedidas que não apresentam estes traços de psicopatia – têm um prazer tremendo em servir de mentores para a geração que as sucede.
“Os grandes líderes explanam os objetivos da empresa e mostram como os seus colaboradores podem ajudar a organização a atingi-los”.
Isto leva-me ao primeiro capítulo do livro, onde é feita uma analogia com as lagostas que, tal como nós, têm uma hierarquia bastante bem definida. Diria que estes líderes são as lagostas no topo desta pirâmide?
A razão para eu ter utilizado as lagostas como exemplo foi para expor a realidade sobre as hierarquias – algo que muitas pessoas pensam que foi ditado pelo capitalismo ou pela cultura ocidental. Claro que isto traz problemas: as pessoas no topo da hierarquia recebem mais do que as que estão no fundo. Isto pode ser resolvido com uma multitude de hierarquias, onde há diferentes sítios em que as pessoas com talentos diferentes podem ter oportunidade de ser bem-sucedidas, mas continua a haver o problema dos rendimentos. Se alguém for razoavelmente equilibrado nos seus pontos de vista éticos é claro que vai tentar manter os aspetos das hierarquias, mas também vai ter em consideração as pessoas que recebem menos e vemos isto em quase todos os negócios bem geridos. Claro que temos de despedir as pessoas se forem pouco produtivas, mas ligado a isso vêm quase sempre várias oportunidades e misericórdia.
Se o ambiente corporativo se tornar muito duro, se os colaboradores forem despedidos instantaneamente por todas as transgressões, a empresa começa a ser gerida com base na intimidação e no medo. Claro que podemos motivar as pessoas destas duas formas, mas não é muito eficaz. Acabamos por perder pessoas porque alguém com espírito crítico que encontre outra oportunidade vai acabar por se ir embora. Além disso, encorajamos um custo de força tremendamente alto e não retiramos o melhor do potencial que as pessoas têm para oferecer. Elas podem ser motivadas pelo terror, mas não o são pelo desejo de cooperar ou de sentir que os seus interesses estão alinhados com os da corporação para que trabalham.
Os grandes líderes explanam os objetivos da empresa e mostram como os seus colaboradores podem ajudar a organização a atingi-los. Se os líderes forem bons negociadores – e alguém que tem um bom sentido de negócio percebe isto facilmente -, devem saber que o melhor pacto entre empregador-empregado é ter os objetivos de cada uma das partes a apontar na mesma direção. Isto nem sequer é uma questão de confiança, mas sim de sabermos que vamos estar a lutar pelo mesmo.
E isto pode ser transportado para todas as realidades de uma organização…
Numa corporação complexa os clientes são parte da equipa, certo? Falamos sempre com os nossos clientes para perceber se estão contentes com o nosso produto ou serviço. Nestas organizações há um esforço tremendo de incluir todas as pessoas na mesma equipa, se possível. Os grandes líderes são extremamente bons nisto e conseguem incluir todas as partes na mesma equipa e a mover-se na mesma direção.
“Há muito pouco que se possa recomendar sobre esta nova derivação de feminismo e muita da batalha pela igualdade e oportunidade já foi conquistada”.
Os holofotes dos média internacionais foram recentemente apontados para si depois de ter tido uma discussão acesa com uma jornalista do Channel 4, onde as opiniões sobre o atual feminismo e as diferenças salariais entre géneros divergiam. Tendo em consideração esse acontecimento, gostava que me explicasse o que considera que está errado com o atual feminismo.
Acho que, em parte, o que está errado é a falta de aceitação de mercado. Apenas 7% das mulheres do Reino Unido se identifica com os atuais valores do feminismo. E porquê? Porque não é uma ideologia vendável. E vejo este feminismo a perseguir a ideia de que o ocidente, especialmente o ocidente capitalista, é mais bem descrito como um patriarcado tirânico e eu tenho problemas com estas duas ideias. Porque não é tirânico quando comparamos com qualquer outra sociedade que já existiu – apesar de ter os seus problemas -, não acredito que as únicas pessoas que contribuíram para o seu desenvolvimento foram homens e que as relações fundamentais entre os homens e as mulheres durante a História foram de poder e de domínio – claro que há um pouco disso, mas funciona para os dois lados e podemos dizer que há uma pequena minoria de homens super poderosos que detém sempre o poder, mas isso diz muito pouco sobre a relação comum entre os dois lados.
À parte da sua inclinação marxista, que é algo que desprezo, e da sua visão fundamentalmente misógina do mundo, acredito que leva as jovens mulheres numa direção que não é apropriada porque subvaloriza radicalmente a importância das relações e da maternidade. As típicas jovens de 19 anos aprendem na universidade que o mais importante na sua vida é possivelmente a sua carreira. Primeiro, isso não é suposto ser a coisa mais importante na vida de ninguém, mesmo que se tenha uma grande carreira. É muito mais provável que seja a família, os amigos e as atividades fora do trabalho a darem valor à vida. E se as pessoas tiverem sorte, vão ter uma vocação e uma carreira ou um trabalho que valha a pena – e isso é uma parte importante da vida -, mas pensar nisso como a orientação principal da nossa vida é fundamentalmente errado.
E nós sabemos disso porque se olharmos para estruturas de negócio complexas, como as firmas de advogados, todas as mulheres saltam fora das posições de maior poder por volta dos 30 anos de idade – e até podem dizer que é porque as firmas de advogados adotam um modelo de sucesso destinado aos homens, mas isso são completas idiotices. O modelo de sucesso é fundamentalmente conduzido pela competitividade de mercado e a razão para as mulheres saírem é porque atingem o nível de sócio – sendo pessoas muito competentes – e pensam “porque é que alguém no seu perfeito juízo trabalharia 75 a 80 horas por semana?”.
É uma boa questão e há uma pequena minoria de pessoas que estão predispostas a fazer isso, incluindo homens, mas não há razão para assumirmos que deve ser o modelo fundamental para a típica pessoa saudável. Portanto, há muito pouco que se possa recomendar sobre esta nova derivação de feminismo e muita da batalha pela igualdade e oportunidade já foi conquistada.