Entrevista/ “Queremos assegurar que os produtores de tomate e, no futuro, de outras culturas tenham uma vida mais facilitada”

João Paulo Fernandes, diretor-geral da NEC Portugal

Promover uma agricultura amiga do ambiente recorrendo à inteligência artificial é o objetivo da joint-venture entre a Kagome e a NEC que deu origem à DXAS Agricultural Technology. O Link To Leaders falou com João Paulo Fernandes, diretor-geral da NEC Portugal, sobre os projetos para o futuro desta empresa, que irá fornecer suporte à produção de tomate de indústria, e sobre a importância da inovação tecnológica no setor agrícola.

As empresas japonesas Kagome, accionista nipónica da holding HIT, e a NEC Corporation criaram uma joint venture em Portugal, para fornecer uma solução de Inteligência Artificial (IA) para apoiar a produção de tomate de indústria. A empresa denomina-se DXAS Agricultural Technology e já está a funcionar.

Para João Paulo Fernandes, diretor-geral da NEC Portugal, as previsões são otimistas: “Dentro de dois anos, gostaríamos de ver a DXAS Agricultural Technology a servir uma considerável fatia dos produtores nacionais de tomate de indústria, a expandir a sua carteira de clientes para outros países relevantes no mercado internacional e a iniciar a utilização do Cropscope noutras culturas, além do tomate”.

A ligação entre a Kagome e a NEC data de 2015, altura em que as duas empresas iniciaram o desenvolvimento tecnológico e a avaliação como negócio do fornecimento de recomendações agrícolas com recurso a IA. Desde então, começaram a realizar testes de demonstração em Portugal, Espanha, Austrália e Estados Unidos, estando atualmente a expandir em mais sete países.

Em abril de 2020, o acordo de parceria estratégica foi assinado, tendo as duas empresas usado a plataforma da NEC de TIC para a agricultura através da Inteligência Artificial, CropScore. Mais recentemente foi lançada a DXAS Agricultural Technology, com o objetivo de reforçar as atividades comerciais de apoio à agricultura.

O que está na base da criação da DXAS Agricultural Technology e qual o objetivo?
A DXAS Agricultural technology foi criada para aumentar o foco na solução AgriTech Cropscope, que a Kagome e a NEC têm vindo a desenvolver e a testar em Portugal desde 2015. O objetivo é que com este foco acrescido na solução seja possível acelerar o seu desenvolvimento tecnológico e a sua implantação, fortalecendo as atividades comerciais do negócio de apoio à agricultura.

Como é que da área das soluções de segurança chegam também à agricultura?
A NEC não se dedica somente a soluções de segurança ou de agricultura, dado que se ocupa em aplicar a sua capacidade de inovação em Tecnologias de Informação e Comunicação na criação de soluções que ajudem na transformação digital das mais diferentes áreas de atividade. Assim, disponibilizamos soluções TIC efetivamente aplicadas à área da segurança com recurso à biometria e à agricultura, com recurso à IA e IoT, mas também temos muitas outras soluções que vão desde comunicações móveis 5G, transmissão ótica e IP, cabos submarinos ou cidades inteligentes, até mesmo ao desenho e fabrico de satélites para o espaço.

Quais os maiores desafios de criar uma empresa como a DXAS Agricultural Technology?
Diria que o maior desafio é o de conseguir criar um plano estratégico e de negócio que seja apelativo e convença as administrações dos potenciais investidores (neste caso a Kagome e a NEC) a efetuarem o investimento no negócio e a avançarem com a criação da empresa a ele dedicada. O facto de a DXAS Agricultural Technology ter sido criada é sinal de que esse desafio foi superado.

“A NEC traz à empresa a componente tecnológica e a Kagome a componente de conhecimento agrícola e de mercado”.

Qual o aporte/ou aportes da NEC a esta nova empresa?
Trazemos à empresa a componente tecnológica e a Kagome a componente de conhecimento agrícola e de mercado. Assim, a NEC continuará a aportar as suas avançadas tecnologias analíticas e preditivas baseadas em IA, para o contínuo desenvolvimento e melhoria da solução Cropscope.

Por que razão apostaram no tomate e não noutras culturas? Equacionam a hipótese de alargarem a mais culturas outras soluções?
A aposta no tomate aconteceu pela simples razão de que essa é a cultura com a qual a Kagome tem trabalhado desde sempre. Naturalmente que, apesar disso, à medida que a solução se for robustecendo e amadurecendo para aplicação à cultura do tomate, temos o objetivo de também a ir adaptando e aplicando a outras culturas.

A quem se destinam os serviços da DXAS Agricultural Technology?
Destinam-se a três grandes grupos de utilizadores. Aos agricultores, no sentido de as recomendações agrícolas os ajudarem a implementar uma agricultura mais sustentável e rentável, com menos utilização de água e fertilizantes e reduzindo o risco de cultivo pela visualização da situação nos seus campos.

Aos agrónomos e especialistas que dão conselhos profissionais aos agricultores, visando ajudá-los a fornecer orientações com base em dados precisos e a reduzir o tempo necessário para orientarem os produtores e treinarem os formadores agrícolas. E às empresas de processamento de tomate para que possam ajudar os produtores a quem compram a matéria-prima a ter custos mais baixos, pela minimização da utilização de fatores de produção e, com isso, aumentando a sua produtividade e reduzindo o risco de compra.

Como é que a NEC vê a agricultura do futuro? A agrotech é a solução?
A utilização de tecnologia na agricultura do futuro prende-se com a questão de saber quando irá acontecer em larga escala. A motivação para isso vem das alterações climáticas e dos desafios de sustentabilidade ambiental que se colocam à prática agrícola. Não é possível manter o elevado consumo de água e os níveis de contaminação dos solos com químicos provenientes dos fertilizantes, que são habituais na agricultura que é praticada em todo mundo.

A utilização de tecnologia, que permita otimizar o consumo de água e de fertilizantes e mantê-los nos níveis mínimos que podem gerar a melhor produção possível, vai tornar-se nos próximos anos uma necessidade imprescindível à sobrevivência da maior parte das produções agrícolas.

“É, pois, fundamental que os programas de financiamento, nomeadamente os disponíveis com base em fundos europeus, sejam abertos para iniciativas de transformação digital e utilização das TIC na agricultura”.

A agricultura portuguesa modernizou-se muito nas últimas décadas. Temos cada vez mais tecnologias e serviços capazes de dar resposta às necessidades dos produtores e agricultores. Como olha para esta mudança? Que caminho falta ainda trilhar e em que ponto estamos em matéria de Agricultura 4.0.?
Já foram efetivamente feitas algumas coisas, nomeadamente pelos (poucos) agricultores mais inovadores, que foram os primeiros a querer experimentar as vantagens das novas tecnologias. Para que a adoção de soluções tecnológicas inovadoras chegue à grande maioria dos produtores, é necessário criar mecanismos de apoio financeiro que os ajudem a dar o primeiro passo no investimento necessário à aquisição dessas novas tecnologias.

As novas soluções tecnológicas trazem retorno financeiro que, no médio e longo prazo, permitem amortizar o seu custo, mas a aceleração da sua adoção requer ainda assim que os produtores sejam apoiados e incentivados. É, pois, fundamental que os programas de financiamento, nomeadamente os disponíveis com base em fundos europeus, sejam abertos para iniciativas de transformação digital e utilização das TIC na agricultura, em maior número e com maior frequência do que tem acontecido até agora.

“(…) as start-ups, com a sua capacidade de inovação tecnológica, podem desempenhar um papel importante, desde que comecem a olhar e a dedicar-se mais ao setor agrícola (…)”.

De que forma a inovação tecnológica das start-ups pode fazer algo por este setor?
Necessitando o setor primário de inovação tecnológica que responda aos seus cada vez maiores desafios, a nível de rentabilidade e sustentabilidade ambiental, é claro que as start-ups, com a sua capacidade de inovação tecnológica, podem desempenhar um papel importante, desde que comecem a olhar e a dedicar-se mais ao setor agrícola do que o têm feito até ao momento.

Faz parte da estratégia da NEC desenvolver outras soluções em conjunto com a Kagome?
O nosso objetivo é, neste momento, que a  DXAS Agricultural Technology seja um sucesso. Naturalmente que, se assim for, esse mesmo sucesso facilitará outros cenários de colaboração futura que se possam colocar.

Como vê a DXAS Agricuktural Technology dentro de dois anos?
Dentro de dois anos gostaríamos de ver a DXAS Agricultural Technology a servir uma considerável fatia dos produtores nacionais de tomate de indústria, a expandir a sua carteira de clientes para outros países relevantes no mercado internacional e a iniciar a utilização do Cropscope noutras culturas, além do tomate.

“Acima de tudo, crescer de forma sustentada, assegurando que os produtores nacionais de tomate e, no futuro, de outras culturas, possam ter uma vida mais facilitada no muito exigente dia a dia da produção agrícola”.

Projetos para o futuro da empresa em Portugal?
Acima de tudo, crescer de forma sustentada e assegurar que os produtores nacionais de tomate e, no futuro, de outras culturas, tenham uma vida mais facilitada no seu muito exigente dia a dia, ajudando-os a superar os enormes desafios que a seca continuada dos últimos anos e as alterações climáticas, em geral, lhes colocam.

Respostas rápidas:
O maior risco: a maior ou menor rapidez na adoção da solução Cropscope pelo mercado.
O maior erro: acreditar que o sistema mais complexo que existe – a Natureza – poderia ser modelado por Inteligência Artificial em pouco tempo.
A maior lição: que a persistência compensa.
A maior conquista: a de tanto a NEC como a Kagome terem acreditado no projeto Cropscope e decidido investir na criação da DXAS Agricultural Technology.

Comentários

Artigos Relacionados