Opinião

Inveja boa: O paradoxo que não existe!

Susana Duro, Senior Marketing Manager na Coca-Cola Europacific Partners

Por vezes somos confrontados com situações que nos deixam a pensar, não porque sejam novas ou impactantes, mas por serem recorrentes. Situações que passam tantas vezes despercebidas, mas há um dia em que fica a ressoar no nosso cérebro.

Recentemente experienciei por mais do que uma vez esta situação. Numa ocasião uma pessoa diz-me: – Tu viajas tanto, quem me dera, que inveja! Mas é inveja da boa! Noutra ocasião outra pessoa diz-me: – Não sei como consegues treinar todos os dias! Que inveja que eu tenho! Inveja, mas da boa!

Já ouvi esta expressão “inveja boa” milhares de vezes, mas desta vez fiquei a pensar. Como é que a inveja pode ser boa? Será que pode existir algo de bom num sentimento tão corrosivo e destrutivo? Para mim não há dúvida: inveja e bondade não podem coexistir. A inveja, como descreve o dicionário da língua portuguesa, envolve desgosto pelo bem alheio e o desejo de possuir o que o outro tem acompanhado de ódio pelo possuidor. Já a cobiça, embora também carregue um peso negativo, é simplesmente o desejo intenso de possuir algo que o outro tem. Se existe um sentimento positivo em admirar as conquistas alheias, ele definitivamente não é inveja.

Acredito que quando alguém próximo ou relativamente próximo nos diz “Tenho inveja boa de ti..” essa pessoa pode não ter plena consciência do que está a dizer. O que ela realmente sente não é inveja, mas talvez admiração ou cobiça. Na verdade, o que costumamos classificar como “inveja boa” é, em grande parte das situações, a vontade de viver uma experiência semelhante àquela que admiramos na outra pessoa. O problema é o uso inadequado da palavra inveja, que carrega consigo um peso emocional e histórico de destruição, não de crescimento.

Se viajarmos no tempo, veremos que o tema da inveja é debatido desde a antiguidade. Para os filósofos e religiosos, a inveja é um veneno da alma, algo que consome quem a sente. É um dos sete pecados capitais. S. João Aquiles descreve a inveja como “a tristeza pela felicidade alheia”. Essa definição é perfeita, pois resume o âmago do que é ser invejoso: alguém incapaz de ficar alegre com o sucesso do outro. O sentimento de inferioridade e ódio permeia cada ato daquele que inveja, pois em vez de procurar o seu próprio crescimento, concentra as suas energias em destruir ou minimizar o sucesso do próximo.

Curiosamente, a inveja quase sempre se manifesta em relação a alguém próximo. É difícil sentir inveja de alguém distante, pois a proximidade permite-nos visualizar o sucesso do outro de maneira mais tangível e comparável. É muito difícil para o ser humano admitir que é invejoso. É um dos maiores defeitos escondidos da humanidade. O grande problema é que na maioria dos casos não temos consciência da nossa inveja, somos cegos quanto ao impacto corrosivo que tem nas nossas vidas e nas nossas relações. Em vez de nos concentrarmos no nosso desenvolvimento pessoal, desviamos as nossas energias para o desejo do fracasso alheio.

A chamada “inveja boa” muitas vezes nem é percebida pelo invejoso. Mas, para quem é alvo desse sentimento, é possível notar sinais de desdém camuflados em comentários aparentemente inocentes e um tom diferente nas palavras. Os bajuladores, por exemplo, disfarçam-se muitas vezes de admiradores, quando, na verdade, o que sentem é uma inveja camuflada. Um elogio com fundo de descontentamento pela felicidade alheia. Em oposição  os verdadeiros admiradores, inspiram-nos e elevam-nos. São aqueles que nos incentivam a melhorar, encorajam-nos a crescer e nunca tentam minimiza-nos só para se sentirem melhor.

A linha entre admiração e inveja é tênue, mas profundamente significativa. Quem admira procura inspiração para construir o seu próprio caminho de maneira honesta e com mérito. Já quem inveja, deseja para si o que o outro conquistou, mas sem o esforço legítimo necessário. Esse sentimento carrega consigo a frustração pela própria incapacidade de alcançar tal sucesso.

Cláudio Inkonum escreveu: “As pessoas invejam os nossos sonhos, as nossas conquistas e tudo que temos. Mas não têm a coragem de percorrer os nossos caminhos e nem de enfrentar as nossas batalhas.” Voltando aos exemplos que dei anteriormente, é verdade que treino quase todos os dias, mas para o poder fazer abdico de horas de sono e custa-me bastante, mas faço-o porque é uma coisa que me faz bem, que me faz ter mais energia para o dia. É verdade que viajo (não tanto quanto gostaria), mas para o poder fazer temos trabalhos extra que nos permitem ter rendimentos adicionais Trabalhos estes que implicam mais horas de trabalho e menos lazer. Nada se consegue sem esforço, pelo menos para o “comum dos mortais”. Mas ninguém inveja o esforço, apenas as conquistas.

Este sentimento de inveja é muito frequente no ambiente profissional. Raramente os colegas ficam realmente felizes pela evolução e promoção de outros. Há sempre um sentimento corrosivo a germinar, mesmo que seja involuntário. De certo modo faz parte de ser humano e neste ponto o que faz a diferença, é a forma como cada um trabalha o seu desenvolvimento pessoal.

Na realidade, a inveja está associada à baixa autoestima, à falta de confiança de que podem, por si só, conquistar o que tanto desejam. Assim, em vez de procurar a superação pessoal, preferem alimentar o ressentimento. Será a admiração o antídoto para a inveja? Provavelmente, sim. Admirar algo ou alguém coloca-nos numa posição de respeito e valorização. E essa valorização impulsiona-nos a alcançar metas de forma digna.

Quando alguém diz que sente “inveja boa”, muitas vezes está a tentar expressar admiração. No entanto, ao usar o termo “inveja”, ainda que suavizado pela palavra “boa”, acaba por invocar uma emoção que não tem qualquer traço positivo. Inveja é inveja. E está sempre associada a destruição, a comparação tóxica e o desejo de que o outro perca o que conquistou.

Por isso, é importante refletirmos sobre o uso dessa expressão. Quando dizemos que temos “inveja boa”, estamos mascarando um sentimento que pode ter nuances mais perigosas do que aparenta. Devemos substituir esse termo por aquilo que realmente sentimos: admiração, respeito ou até mesmo inspiração.

No fim do dia, a inveja não é apenas sobre desejar o que o outro tem. É, antes de tudo, sobre uma insatisfação profunda com a própria vida. É por isso que ela nunca pode ser “boa”. Ao contrário, a admiração coloca-nos num lugar de crescimento inspira-nos a evoluir. Que possamos, então, admirar mais e invejar menos. E, acima de tudo, que saibamos reconhecer a beleza de nossos próprios feitos, sem precisar de nos compararmos com os outros.

Termino este artigo com uma reflexão: a inveja pode ser silenciosa e sorrateira, disfarçada de elogio ou brincadeira, mas nunca é um sentimento nobre. Por isso, quando sentirmos aquela pontinha de “inveja boa”, talvez seja hora de a transformar em admiração e inspiração, pois o que é realmente bom na vida é crescer com o sucesso dos outros. Que sejamos, então, admiradores genuínos do que há de melhor nas pessoas à nossa volta.

 


Susana Duro tem mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento e implementação de estratégias de marketing para marcas líderes de mercado e um sólido percurso profissional construído em empresas nacionais e multinacionais de referência dentro do mercado de FMCG.

É licenciada em Marketing e Publicidade pelo IADE, pós-graduada em Retail Management e em Direção Comercial no Indeg/Iscte e mestre em Marketing pela mesma instituição. Iniciou a sua carreira de marketing na Henkel Ibérica como gestora de produto, passando depois para brand manager na Dan Cake. Em 2004 entrou para a Nestlé onde esteve durante 11 anos. Aqui desempenhou a função de brand manager da categoria de Culinários, de trade marketing manager na categoria de chocolates e de head of trade marketing na categoria de Cereais de pequeno-almoço. Em 2017 entrou para a Coca Cola Europacific Partners como responsável pela equipa de Customer Development do Canal Alimentar. Em 2022 foi convidada para assumir a função de National Account manager ficando com a responsabilidade de várias contas no canal Horeca Organizado.

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