Entrevista/ “O mercado português ainda está muito mal servido”

João Rodrigues, cofundador e business developer da IdentPrint

A IdentPrint nasceu da insatisfação de dois sócios com a empresa onde trabalhavam há uma década. Atualmente, com pouco mais de três anos de existência, o projeto que opera no mercado da logística já é um dos principais players da área. O truque, segundo o cofundador, é ter uma abordagem direcionada para o cliente.

A IdentPrint tem como foco principal a logística e a melhoria de processos, estando também ligada a tudo o que é mobilidade e identificação automática. A empresa criada por João Rodrigues e Leonardo Freitas é das poucas a receber o estatuto de premier business partner por parte da Zebra Technologies, a distinção máxima que uma organização pode ter nesta zona do globo.

Como é que nasce a IDentPrint?
A IDentPrint nasceu da insatisfação dos dois sócios na empresa onde trabalhavam há já 10 anos. Falámos com a empresa, percebemos que não havia intenção de investir e percebemos também que tínhamos uma visão diferente daquilo que são as necessidades dos clientes e do mercado em geral. Portanto, saímos, formámos a Identprint e temos uma abordagem completamente diferente: muito mais focada na venda da solução e do serviço.

Como é que descreveria a IDentPrint?
É uma empresa que trabalha essencialmente para o mercado da logística e em tudo o que é mobilidade e identificação automática e também muito focada na melhoria de processos, sejam eles de logística, produção, vendas ou outros.

 Consegue partilhar um estudo caso de uma empresa que tenha sofrido uma alteração com as vossas soluções?
Mesmo que sejam de áreas muito similares, cada cliente é um cliente. Ou porque um tem o processo a funcionar de uma determinada forma, ou porque tem um software diferente ou ainda porque o volume processado é maior. Portanto, nós olhamos para o cliente e para os processos atualmente em uso e em função disso sugerimos-lhe melhorias, tendo sempre em conta todo o tipo de atuação. Algumas delas incluem o picking [separação e preparação de pedidos] intensivo ou por voz, wearables, uma solução de RFID [radio frequency identification – identificação de frequências de rádio] ou então, se quer uma solução só para dar entradas e saídas, aí funciona apenas o código de barras.

Portanto facilitam todos os processos das empresas dependendo do seu ADN?
Exatamente. As empresas menos – ou nada – avançadas têm picking em papel. O que fazemos é transformar essas soluções, porque, muitas vezes, o papel obriga à duplicação ou triplicação do trabalho e aumenta a probabilidade de erro. Quando utilizamos este tipo de tecnologias estamos a diminuir o volume de trabalho e a minimizar os erros, logo esta otimização leva a uma melhoria da produtividade.

Diria que de um lado do espetro estão as empresas que fazem todos estes processos em papel e do outro empresas como a Amazon?
Sim. Nesse caso já é tudo robotizado e já estamos a entrar numa era completamente diferente da logística. O que acontece é que o tecido empresarial português está atrasado. Não estamos a falar apenas de PME, algumas empresas grandes sofrem deste problema. Do lado da indústria, por exemplo, há empresas que têm matérias primas que deviam controlar, mas como não têm nada informatizado sofrem falhas no stock. Muitas empresas até colocam etiquetas de identificação nos produtos, mas só as utilizam para os seus clientes e não fazem uso das mesmas internamente.

Neste sentido, blockchain é uma palavra no vosso vocabulário empresarial?
É o futuro. Ou melhor, já está a começar, mas tem de continuar, tal como outros conceitos como a robotização e o IoT. A indústria 4.0 resulta toda daí e nós já estamos em muitas dessas linhas. Dois exemplos são o print and apply na parte da impressão com aplicação direta das etiquetas no produto, caixa e/ou palete, no IoT com os beacons [aparelho Bluetooth que faz a ligação da internet aos dispositivos que se encontram próximos].

Quanto é que faturaram nos últimos anos?
Em 2015, que só conta meio ano, faturámos 280 mil euros, em 2016 foram 870 mil euros, no ano passado chegámos aos 1.33 milhões de euros e este ano devemos terminar acima dos 1.5 milhões de euros.

Com lucro?
Sim, desde o primeiro meio ano de atividade que somos sustentáveis.

Comparando com os outros players do mercado. Quais são as mais-valias que apresentam aos clientes?
Essencialmente, serviços e soluções. Caixas toda a gente vende, mas nós vendemos principalmente soluções e serviços. O mercado português estava – e ainda está – muito mal servido. Temos estado a ir buscar clientes muito insatisfeitos com a concorrência.

Quais são as grandes áreas de aposta até ao final deste ano?
Este ano queremos consolidar o que temos. O próximo ano temos grandes apostas, como print and apply, que é uma área nova que estamos a criar, o pick to voice, que ainda temos poucos clientes, o pick put to light [solução que utiliza a luz como auxiliar do operador e que se destina a produtos de pequena dimensão] ligado ao IoT. Não gostamos de fazer igual, em vez disso gostamos de apostar na diferenciação. Apostamos também no renting, o que é bom para os clientes porque, desta forma, vão pagando e têm sempre em consideração o ROI [retorno de investimento].

E quais são para a IdentPrint os setores mais apetecíveis?
Essencialmente é logística, que este é um setor muito vasto. As pessoas hoje não pensam nisto, mas, por exemplo, uma carrinha que anda porta-a-porta a distribuir produtos tem logística. Uma carrinha de um técnico que anda a fazer reparações na casa de um cliente tem logística. Portanto, adaptamos soluções não só porque a carrinha não deixa de ser um armazém, mas também porque é necessário ser reabastecida. Portanto, o que fazemos é interligar toda a cadeia de abastecimento e não só os armazéns.

Estão a pensar internacionalizar-se num futuro próximo?
Já temos clientes internacionais e obviamente que a nossa ideia, até pela questão da instabilidade política/económica, é crescer na Europa. Já temos alguns clientes quer na Europa, quer nos PALOPS [países africanos de língua oficial portuguesa].

E qual é o mercado mais estratégico para a empresa?
É a Europa. Queremos crescer essencialmente no mercado europeu. Hoje já estamos a fazer alguns serviços a clientes de outros países europeus que eram nossos clientes em Portugal e que decidiram que os devíamos acompanhar.

Quais é que são as vossas maiores dificuldades atualmente?
Falta de recursos humanos. Apesar de termos crescido 50% este ano continuamos a ser poucos para as muitas solicitações que temos, além da dificuldade em arranjar RH especializados e de qualidade nesta área. Por isso, vamos recrutando pessoas com valores morais e formando dentro da empresa.

Têm dificuldade em recrutar?
Muita. Porque isto não são coisas que se aprendam na universidade. Tem de haver muito formação no terreno e os comerciais, muitas das vezes até da própria concorrência, não têm o nosso ADN. Vêm com um ADN de venda de caixa e do equipamento. Gostamos de vender a solução e serviços. Por vezes é complicado mudar as pessoas que já têm esses hábitos enraizados.

Têm investidores?
Não. Felizmente é tudo capital próprio e também não temos créditos. Foi sempre tudo feito com capitais próprios. A empresa surgiu de um investimento de 5000 euros de cada sócio. No ano passado reforçámos o capital social para 50 mil euros. Provavelmente se tivéssemos investidores, cresceríamos muito mis rapidamente!

Colocam uma aquisição fora de questão?
Sim. Como começámos a ser um player importante já tivemos algumas abordagens, principalmente por via dos fabricantesmas nunca foi algo que nos preocupasse porque não estamos à espera de ser adquiridos. Não construímos uma empresa para vender ou para ser ricos, mas sim para continuar a trabalhar com alegria e a ter um bom ambiente. Todas as pessoas que estão hoje no projeto estão de corpo e alma.

Quais são as preocupações de um empreendedor que deixa uma vida estável para começar um projeto do zero?
Vínhamos de uma empresa onde existia estabilidade, estávamos lá há dez anos, mas não estávamos minimamente satisfeitos. Não eramos reconhecidos pelo trabalho e pela rentabilidade, e isso muitas das vezes é muito frustrante. Os recursos humanos podem ser muito bons, mas se não os reconhecermos eles vão-se embora. Tínhamos horários muito mais tranquilos, nestes últimos anos já era o típico das nove às seis e essa não é minimamente a forma como gostamos de atuar. E quando tentámos falar com a empresa para dizer que não estávamos satisfeitos disseram-nos claramente que já ganhávamos muito e que não percebiam a nossa insatisfação. Esta conjugação de fatores fez com que abandonássemos essa organização e começássemos a IDentPrint em tempo recorde, o que também não foi fácil por causa de toda a instabilidade política e económica que se vivia no país por mudança do governo.

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