Opinião

IA e o futuro do trabalho: Adapte-se ou fique para trás?

Adulai Bary, fundador e CEO da BIGTechnologies SARL

A Inteligência Artificial está a transformar o mercado de trabalho a uma velocidade vertiginosa, com milhões de empregos em jogo. Este artigo de opinião não é mais um alarme, mas um guia prático: através de uma jornada real no setor tecnológico – desde o Turbo Pascal, BIG Data à Cloud e IA – descubra como a constante evolução exige mais do que competências técnicas.

Aprenda a navegar nesta nova era, onde a criatividade humana e a capacidade de adaptação são as suas maiores aliadas para não ficar para trás. A Inteligência Artificial (IA) não é mais uma promessa distante; é uma força presente que redefine o mercado de trabalho a um ritmo alucinante. O seu eco ressoa por todos os setores, especialmente no mundo da tecnologia. Notícias como a de que 30% do código na Microsoft já é assistido por IA são apenas a ponta do iceberg. Gigantes como IBM e Google admitem abertamente estar a repensar milhares de posições, prevendo que a IA poderá realizar as tarefas de cerca de 8.000 dos seus atuais postos de trabalho nos próximos anos.

Um relatório da Goldman Sachs de 2023 sugere que a IA generativa poderia automatizar até 300 milhões de empregos a tempo inteiro a nível global. O Fórum Económico Mundial, no seu relatório “Future of Jobs 2023”, estima que, embora a IA vá criar milhões de novos empregos, também poderá deslocar 85 milhões de postos de trabalho até final deste ano, alterando drasticamente as competências necessárias.

Este cenário acende o debate: estarão os nossos empregos em risco? E não falamos apenas dos programadores. A verdade é que a mudança é uma constante na informática, e a IA é mais um capítulo desta evolução. Mas, como em todas as evoluções, surgem novas oportunidades para quem se souber adaptar e, crucialmente, cultivar a sua singularidade humana: a criatividade.

A constante evolução tecnológica: uma viagem pessoal e setorial reveladora

A minha trajetória profissional, que partilho aqui não por vaidade, mas como exemplo prático, espelha bem esta dinâmica de transformação contínua. Quando em 2008 iniciei os meus estudos em Métodos Informáticos/Matemáticos Aplicados à Gestão de Empresas – um curso visionário que substituía a tradicional Engenharia Informática na minha universidade, por antecipação do seu reitor (um PhD em Economia) de que a engenharia “pura e dura” teria um futuro limitado – mal imaginava as reviravoltas que a tecnologia me reservava.

Lembro-me das aulas de desenvolvimento de software, onde aplicávamos algoritmos em Turbo Pascal. Para quem não conhece, o Turbo Pascal era uma linguagem de programação com um ambiente de desenvolvimento de ecrã predominantemente preto dos anos 80 e início dos 90 , onde as linhas de código eram o nosso universo – algo que me fazia sentir um “geek”, tal como a personagem Chloe O’Brian na série “24 Horas”, a manipular dados a alta velocidade. Colegas de outras universidades, que já usavam C ou C++, achavam o nosso professor, com formação na antiga União Soviética, um pouco antiquado. Mas eu adorava o Turbo Pascal; criava muitas coisas apenas com o teclado, sem interfaces gráficas complexas nem bases de dados lógicas, recorrendo a ficheiros.

A transição para o mundo gráfico e das bases de dados lógicas deu-se com Visual Basic, SQL e Microsoft Access avançado, sem esquecer o Excel com as suas “macros”. Foi uma revelação! Contudo, antes mesmo de terminar a universidade, o Visual Basic já começava a ceder terreno ao C#.

No meu primeiro emprego, na gestão de stocks, implementei uma base de dados em Access com algum código Visual Basic. Automatizei os relatórios diários e mensais, sentindo pela primeira vez o poder da aplicabilidade da informática à gestão. Pouco tempo depois, ingressei numa das maiores empresas de telecomunicações da Guiné-Bissau. Comecei como estagiário na instalação de internet com tecnologia WiMAX – uma solução que rapidamente tornou obsoletas as anteriores ligações VSAT.

A minha passagem por essa área foi breve. Fui recrutado pela Direção de Auditoria e Controlo para analisar dados da rede central (core network). A equipa precisava de cruzar grandes volumes de dados de tráfego versus receitas para identificar potenciais falhas. Inicialmente, com Access, conseguia tratar porções de CDRs (Call Detail Records – registos detalhados de chamadas) e produzir resultados. Foi assim que identifiquei uma falha significativa relacionada com fraude entre outros de SIMbox, que causava perdas avultadas à empresa. O impacto da manipulação de dados tornou-se evidente para mim.

O Access, porém, depressa se mostrou insuficiente quando o volume de dados aumentou drasticamente (HLR e IN dos últimos 6 a 12 meses). Migrei para SQL com scripts PL/SQL e, posteriormente, para o SAS Guide (uma ferramenta de business intelligence). Conseguimos montar soluções automáticas que permitiam a não-informáticos analisar os dados — assim, eles não precisavam mais depender de mim. Após o estágio e um período de negociação, voltei para a direção técnica. A minha missão passou a ser transferir atividades do Senegal para a Guiné-Bissau e apoiar a equipa de redes (IP) e internet, enquanto se recrutava um Diretor de Serviços de TI.

Quatro meses depois, já estávamos a migrar do WiMAX para outras soluções de internet residencial e B2B, como o Flybox (2G/3G) e a tecnologia AIRMUX. Antes da minha saída dessa empresa, onde cheguei a chefe de serviço de BI, Suporte Funcional e Revenue Assurance, a transição para o Big Data já era uma realidade palpável.

Esta dinâmica de mudança não é exclusiva da minha experiência ou do setor das telecomunicações. Pensemos na gigantesca mutação dos servidores físicos para a cloud computing. Empresas que investiam fortunas em hardware local, com salas de servidores dedicadas, migram agora massivamente para soluções como AWS, Azure ou Google Cloud, ganhando flexibilidade, escalabilidade e, muitas vezes, reduzindo custos. A própria infraestrutura de redes passou por uma revolução: de redes cabeadas complexas, com calhas e metros de cabos de cobre ou fibra ótica, para a omnipresença do Wi-Fi e de intranets totalmente baseadas na cloud.

Lembro-me, na minha empresa, a BIGTechnologies que fundei em 2014, que o nosso core business inicial era o fornecimento e instalação de servidores HPE e DELL – éramos representantes oficiais – e a implementação de redes estruturadas com cablagem Legrand para empresas e organizações. Eram serviços muito procurados e reputados. Hoje, talvez 1 em cada 100 clientes procure estas soluções tradicionais. Desde o início deste ano, migrámos quase completamente para soluções de Valor Acrescentado Tecnológico (VAT) e serviços Cloud, adaptando-nos à procura do mercado e às novas realidades tecnológicas.

Até as ferramentas de colaboração diária sofreram uma transformação radical. Soluções de videoconferência que antes eram complicadas, caras e exigiam equipamento especializado, deram lugar a plataformas como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams, que se democratizaram e se tornaram essenciais, especialmente com o aumento do trabalho remoto.

Esta viagem pessoal e setorial demonstra uma verdade inescapável: a tecnologia está em perpétua mutação. A capacidade de aprender, desaprender e reaprender foi, e continua a ser, a chave para a progressão e sobrevivência no mercado.

A criatividade humana: o diferencial na Era da IA

Com a chegada da IA, o receio de que muitos empregos, incluindo os de programador, estejam em risco é compreensível. No entanto, acredito firmemente que a IA deve ser encarada como mais uma ferramenta poderosa ao nosso dispor, tal como o foram o Turbo Pascal, o SQL ou o SAS no seu tempo. A originalidade e a criatividade, essas, permanecem intrinsecamente humanas. É aí que nos devemos posicionar.

  1. Repensar a educação:

Os nossos sistemas educativos precisam de acompanhar esta evolução. Mais do que formar “codificadores” em série numa linguagem específica, urge impulsionar a criatividade e a capacidade de resolução de problemas. Recentemente, a mãe da minha sobrinha Anika, que estuda engenharia informática nos EUA, pediu-me para conversar com ela. Anika sentia dificuldades com Python, talvez por ser uma introdução mais tardia comparativamente ao sistema americano, onde o contacto com programação pode começar bem mais cedo. O meu conselho foi: “Python, e todas as linguagens, são apenas meios para aplicar a tua criatividade. O mais importante é forjar essa criatividade, a tua capacidade de encontrar soluções para problemas, transformar essas soluções em algoritmos e, depois, traduzir esses algoritmos para qualquer editor.” Com um pequeno estímulo, a sua inteligência natural fez o resto, e ela começou a dominar a ferramenta.

  1. O valor da “assinatura” humana:

Há uns cinco anos, um amigo, MALMO (Djila), engenheiro de telecomunicações, publicou que estava a investir em livros de programação para se tornar programador. Comentei: “Daqui a pouco, não precisaremos tanto de programadores, mas sim de bons vendedores e analistas, qualidades que tu já tens.” Queria dizer-lhe que seria mais proveitoso investir na sua criatividade e visão de negócio (djilan’dadi) do que apenas na habilidade de escrever código.

Hoje, muitos de nós já conseguimos “sentir” quando um texto, uma obra ou uma solução é 100% produzida por IA, sem o toque da criatividade humana. Falta-lhes, por vezes, consistência, profundidade emocional ou aquela centelha de originalidade que nos cativa.

IA: ferramenta de implementação rápida, não de criatividade robotizada

Para mim, interagir com a IA nos dias de hoje é semelhante a como usava PL/SQL para dialogar com bases de dados: interrogava tabelas através de chaves de ligação, ou ficheiros através de ponteiros, para obter resultados e interpretá-los para a tomada de decisões. Atualmente, escrevo prompts – instruções em linguagem mais natural, menos codificada – e obtenho resultados incríveis, seja utilizando as bases de dados globais de modelos como os da OpenAI, seja fornecendo os meus próprios ficheiros para análise e combinação de informações. Com o “deep search” e a capacidade de refinar prompts, a criatividade na forma como pedimos é cada vez mais crucial.

Se antes pedia à minha esposa para rever a ortografia e o sentido dos meus textos (artigos, propostas, etc.), hoje a parte ortográfica é rapidamente resolvida pela IA. No entanto, a revisão da lógica humana – “A mensagem que quero transmitir é realmente esta? Está clara e persuasiva?” – essa continua a ser uma tarefa onde o discernimento humano é insubstituível. O toque criativo e a intenção estratégica ainda são nossos.

O futuro do profissional de TI: para além do código

Um bom informático, dotado de capacidade criativa e disposto a aprender continuamente, não está condenado. Pelo contrário, pode florescer em diversas áreas. Com as suas competências analíticas e de resolução de problemas, pode tornar-se um excelente:

  • Especialista em Marketing Digital: Otimizando campanhas com base em dados e IA.
  • Gestor de Produto (Product Manager): Definindo a visão e estratégia de produtos que integram IA.
  • Analista de Negócios (Business Analyst): Traduzindo necessidades de negócio em requisitos para soluções de IA.
  • Consultor em Transformação Digital e IA: Ajudando empresas a adotar e a tirar partido da IA.
  • Especialista em Ética de IA: Garantindo que os sistemas de IA são desenvolvidos e utilizados de forma responsável.
  • Formador em Ferramentas de IA: Capacitando outros profissionais a utilizar eficazmente as novas tecnologias.
  • Arquiteto de Soluções de IA: Desenhando a infraestrutura e os fluxos de trabalho para projetos de IA.

Em qualquer caso, alguém terá de continuar a transformar as necessidades humanas em “prompts” ou especificações que a IA possa executar. É aqui que a criatividade, a empatia e a compreensão profunda do contexto farão toda a diferença.

Conclusão: navegar o futuro com confiança e criatividade

A história da tecnologia é uma história de disrupção e adaptação. A IA é, sem dúvida, uma força transformadora, mas não é a primeira nem será a última. Em vez de temê-la, devemos procurar entendê-la e integrá-la como uma aliada.

Dicas para manter a relevância na Era da IA:

  1. Abrace a aprendizagem contínua (Lifelong Learning): Mantenha-se curioso e atualizado sobre as novas tecnologias, especialmente sobre as capacidades, limitações e evoluções da IA.
  2. Cultive a sua criatividade: Dedique tempo a atividades que estimulem o pensamento original, a resolução de problemas de formas não convencionais e a expressão criativa.
  3. Desenvolva competências “humanas” (Soft Skills): Pensamento crítico, comunicação eficaz, inteligência emocional, colaboração e liderança são cada vez mais valorizadas e difíceis de automatizar.
  4. Aprenda a colaborar com a IA: Encare a IA como uma parceira que pode potenciar as suas capacidades, automatizando tarefas repetitivas, fornecendo análises rápidas e oferecendo novas perspetivas.
  5. Domine a “Arte do Prompt”: Aperfeiçoe a sua capacidade de formular perguntas e instruções claras e eficazes para os sistemas de IA (desenvolva competências em prompt engineering).
  6. Seja flexível e aberto à reconversão: Considere como as suas competências fundamentais podem ser aplicadas em novos papéis ou setores. A capacidade de adaptação é um trunfo.
  7. Foque-se no valor acrescentado humano: Identifique as áreas onde o julgamento humano, a empatia, a ética e a intuição estratégica são indispensáveis.

O futuro não pertence aos que resistem à mudança, mas àqueles que, armados com a sua insubstituível inteligência humana e criatividade, aprendem a dançar com as novas ferramentas que surgem. A IA pode escrever código, analisar dados e até criar arte, mas a intenção, o propósito e a alma por detrás da criação continuarão a ser o nosso domínio.


Adulai Bary é gestor e empreendedor com mais de uma década de experiência em engenharia informática, inteligência empresarial, telecomunicações e consultoria internacional. Licenciado em Métodos de Tecnologia e Matemática Aplicados à Gestão, possui um MBA em Empreendedorismo & Negócios e certificações em gestão de projetos, incluindo a qualificação COPC.

Liderou a área de Inteligência Empresarial (BI) numa multinacional de telecomunicações e coordenou iniciativas estratégicas para o Governo da Guiné-Bissau, como os projetos Guiné-Bissau 360 e a participação na Expo 2023 em Doha. É presidente da GwIX, promovendo a infraestrutura digital no país.

Cofundador de várias empresas tecnológicas e de impacto, como a BIGTechnologies (Fundador & CEO), InnovaLab (Cofundador & PCA), Orik Capital, Ubuntu Green Energy e Inunde, tem também colaborado com organizações como a ONU e o Banco Mundial em projetos de desenvolvimento económico e digital. Foi reconhecido como um dos 100 jovens mais influentes da África Ocidental e é Embaixador da Guiné-Bissau pelo One Young World e pelo Next Einstein Forum.

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