EUA: O futuro do trabalho não é o que as pessoas pensam, defendem executivas
Os robôs e a codificação não são os motores reais da economia americana. Nem os homens. A alavanca por detrás da atual força de trabalho nos EUA está nas trabalhadoras invisíveis e mal pagas. O futuro será ditado pela forma como estas são tratadas no presente, defendem Ai-jen Poo e Palak Shak, do National Domestic Workers Alliance.
Nas histórias que costumávamos ouvir sobre trabalho, o protagonista era um homem (branco) com um emprego estável que lhe permitia comprar uma casa e ter uma reforma confortável. Mas agora, quando olhamos para o futuro do trabalho, surge a ideia de robôs que substituem humanos – numa espécie de servidão distópica ou numa utopia em que teremos tanto tempo de lazer que vamos poder finalmente aprender a tocar aquele instrumento de que tanto gostamos.
Só que nenhuma destas histórias está enraizada na realidade. Nos EUA, por exemplo, a força de trabalho que hoje alimenta a economia – tanto em tempos de estabilidade como de crise – presta serviços por salários baixos, é desproporcionalmente composta por mulheres negras e de minorias, e está em grande parte desprotegida pela rede de segurança, referem a diretora da National Domestic Workers Alliance, Ai-jen Poo, e a diretora da unidade de inovação da mesma instituição, Palak Shah, num artigo no The New York Times. As duas executivas acrescentam que aquelas trabalhadoras cuidam dos concidadãos de maneiras diferentes, e que foi precisa uma pandemia para o país reconhecer que são elas o motor crítico da economia americana.
Ai-jen Poo e Palak Shah afirmam ainda que os EUA não cuidam deste tipo de força de trabalho. E dão exemplos: quando as escolas fecharam, os prestadores de cuidados ao domicílio tiveram de levar os filhos para os locais de trabalho por não poderem pagar a alguém para ficar com eles; ou os responsáveis pela manutenção dos prédios, que não dispunham do equipamento de proteção necessário para higienizar os espaços sem se colocarem em risco. Estes trabalhadores não tiveram a opção de trabalhar em casa e também não tiveram licenças remuneradas para se isolarem se tivessem ficado expostos a alguém infetado.
As autoras do artigo são perentórias: estes trabalhadores são essenciais não só no presente. São essenciais no futuro. O Bureau of Labor Statistics indica que o tipo de trabalho com o maior aumento percentual de emprego entre 2018 e 2028 é o de auxiliar de saúde ao domicílio, seguido por auxiliar de cuidados pessoais: um reflexo da crescente população idosa nos EUA.
Apesar da cada vez maior necessidade por estes trabalhadores, os auxiliares de saúde ao domicílio e os de cuidados pessoais ganham menos de 12 dólares à hora (10 euros). E são predominantemente mulheres de cor, e desproporcionalmente negras: 87% dos trabalhadores pagos de assistência a adultos são mulheres, face aos 46% de trabalhadores não domésticos; e cerca de 25% dos auxiliares ao domicílio são negros, em comparação com 12% de trabalhadores não domésticos.
Ai-jen Poo e Palak Shah consideram que os EUA estão num momento crítico, em que o futuro do trabalho será decidido pela forma como o país responder à situação em que se encontra. E que é a altura de escolher um futuro em que se investe no trabalho que se sabe ser essencial. Ou seja, em que os empregos de assistência se tornam postos de trabalho remunerados com benefícios, protegidos por uma forte rede de segurança federal; em que os trabalhadores essenciais podem sustentar as famílias através do seu trabalho, enquanto prestam apoio às restantes famílias.
As empresas estão a analisar como vão usar a recessão económica para se redefinir, e estão a fazer escolhas que determinam o futuro de milhões de postos de trabalho. Mais funções podem ser subcontratadas, utilizadas em regime de outsourcing ou offshore, desconstruídas em tarefas ou automatizadas. Muitos empregos que se perderam podem nunca voltar.
E o aumento no número de empregos que voltarem pode transformar-se em trabalho temporário contratado a forças desagregadas geridas por algoritmos. Muitos americanos podem acabar a trabalhar numa cadeia de fornecimento do Walmart ou da Amazon, sem ganhar o suficiente para comprar nestas duas insígnias. E mais postos de trabalho podem fazer parte de uma equação sem qualquer reconhecimento, valor ou acesso a uma rede de segurança. A maioria das escolhas económicas feitas nas últimas décadas tornam esta possibilidade provável.
Para Ai-jen Poo e Palak Shah, os EUA devem deixar de lado o velho paradigma de trabalho e investir nestes trabalhadores – especialmente em empregos que se sabe que vieram para ficar. A senadora democrata Elizabeth Warren e o representante Ro Khanna desenvolveram o projeto Essential Workers Bill of Rights, que inclui disposições como proteção de saúde e segurança, um salário com o qual se consiga viver, a possibilidade de ter baixa médica, apoio à assistência familiar e acesso a cuidados de saúde.
Para as executivas, foi preciso haver uma crise épica de saúde pública e uma recessão económica para acordar o país, mas, à medida que a economia americana reabre, convém não esquecer o que passou. Ai-jen Poo e Palak Shah declaram que é preciso manter cada posto de trabalho, sobretudo aqueles que têm sido invisíveis, e cada trabalhador que cuidou dos outros, até que cada emprego seja um bom emprego e que a dignidade seja restaurada para se trabalhar nos EUA.