Opinião
Ética organizacional: entre a miopia e a amnésia
A ética tem estado presente no meu pensamento nestes tempos, talvez por causa de vários casos mediáticos. No último artigo abordámos a ética do ponto de vista do líder: esse deve ter comportamento exemplar.
Mas não basta uma organização apenas ter todos os códigos e estar em compliance, é necessário também que exista uma cultura de ética transversal a toda a organização.
Para que todos estejam “na mesma página”, convém relembrar a definição corrente de ética. É o ramo da filosofia que estuda a conduta humana, o certo e o errado, o bem e o mal. A ética está relacionada à definição da moralidade e ao questionamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano.
A ética é diferente da moral: essa baseia-se na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos, representando os hábitos e costumes de uma sociedade, enquanto aquela corresponde ao comportamento moral individual.
Talvez por estarmos a viver num mundo “pós-qualquer coisa”, os conceitos de certo e errado foram relativizados, perderam força.
No mundo corporativo é natural — e em alguns setores, obrigatório — que existam códigos de ética precisamente para definir comportamentos e atitudes que devem ou não ser permitidos. No entanto, embora existam tais códigos, muitas vezes há pressões para o cumprimento de metas económicas e financeiras que acabam por atropelar a ética: a busca por maior produtividade, resultados de curtíssimo prazo e o cumprimento rigoroso dos KPIs.
Teoria do Triângulo da Fraude
Um dos modelos teóricos mais utilizados para compreender a falta de ética que resulta em fraude corporativa é o Triângulo da Fraude, desenvolvido por Donald R. Cressey que identifica três elementos fundamentais (P-O-R) que levam um indivíduo a cometer fraude, passando por cima da ética:
Pressão (ou motivação): situações pessoais ou profissionais que levam a pessoa a buscar ganhos ilícitos (dívidas, ambição, metas de desempenho inatingíveis).
Oportunidade: falhas nos controlos internos, supervisão fraca ou confiança excessiva por parte da gestão.
Racionalização: a pessoa justifica o seu comportamento (a empresa ganha muito, vou devolver depois, todos fazem o mesmo).
Atualmente, eu acrescentaria um quarto elemento ao modelo, transformando o “P-O-R” em “P-O-R-A”:
Absolvição: o indivíduo é quase sempre “inocentado”, que o considera uma vítima do sistema.
As patologias éticas
É nesses contextos que surgem duas patologias comuns nas instituições: a miopia e a amnésia éticas. Não vemos o longo prazo e esquecemos demasiado as lições do passado e as consequências futuras.
A miopia ética consiste numa visão curta, focada apenas no imediato. Os colaboradores são pressionados pelo sistema a pensar excessivamente no curto prazo, sem considerar o impacto de longo prazo das suas decisões. Na literatura económico-financeira, algo semelhante é conhecido como inconsistência temporal (Kydland & Prescott (1977).
Políticos e gestores públicos também incorrem nesta falha ao priorizarem políticas com retornos rápidos e adiar reformas estruturais necessárias, mas impopulares.
Portanto, a miopia ética e a inconsistência temporal partilham a mesma raiz: a incapacidade de incorporar as consequências de longo prazo nas decisões de curto prazo. Superar esse problema exige desenvolver uma ética da responsabilidade intertemporal — isto é, uma consciência de que o verdadeiro valor moral e económico de uma decisão depende dos seus efeitos sustentáveis, não apenas dos resultados imediatos.
Essa foi uma das várias causas diretas e indiretas da crise de 2008, inicialmente no setor financeiro, exemplificada pelos bónus concedidos pela aprovação de crédito a indivíduos sem capacidade de pagamento, mas que eram importantes para que gestores cumprissem as metas comerciais.
A segunda patologia é a amnésia ética, isto é, o esquecimento conveniente do que já sabemos ser certo. Ela ocorre quando nos esquecemos de que há regras a cumprir e de que os comportamentos incorretos podem ter consequências futuras. A amnésia ética também implica um esquecimento seletivo do passado: sabemos que algo falhou antes, mas convenientemente “esquecemos” quando nos interessa.
A amnésia ética nas organizações não é um simples esquecimento neutro, mas um mecanismo psicológico de defesa diante das tensões entre o comportamento exigido e a realidade vivida.
Conclusão
Miopia e amnésia éticas não são defeitos de carácter, mas falhas humanas previsíveis que devem ser antecipadas e mitigadas. Ser ético não é lembrar dos valores apenas quando somos auditados; é manter as “lentes da miopia ética” atualizadas e os “comprimidos para amnésia ética” em dia.
E por uma questão de ética, convém dizer que tive ajuda da IA nas referências bibliográficas e correção do texto.








