Opinião

Ética organizacional: entre a miopia e a amnésia

Carlos Rocha, economista e gestor

A ética tem estado presente no meu pensamento nestes tempos, talvez por causa de vários casos mediáticos. No último artigo abordámos a ética do ponto de vista do líder: esse deve ter comportamento exemplar.

Mas não basta uma organização apenas ter todos os códigos e estar em compliance, é necessário também que exista uma cultura de ética transversal a toda a organização.

Para que todos estejam “na mesma página”, convém relembrar a definição corrente de ética. É o ramo da filosofia que estuda a conduta humana, o certo e o errado, o bem e o mal. A ética está relacionada à definição da moralidade e ao questionamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano.

A ética é diferente da moral: essa baseia-se na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos, representando os hábitos e costumes de uma sociedade, enquanto aquela corresponde ao comportamento moral individual.

Talvez por estarmos a viver num mundo “pós-qualquer coisa”, os conceitos de certo e errado foram relativizados, perderam força.

No mundo corporativo é natural — e em alguns setores, obrigatório — que existam códigos de ética precisamente para definir comportamentos e atitudes que devem ou não ser permitidos. No entanto, embora existam tais códigos, muitas vezes há pressões para o cumprimento de metas económicas e financeiras que acabam por atropelar a ética: a busca por maior produtividade, resultados de curtíssimo prazo e o cumprimento rigoroso dos KPIs.

Teoria do Triângulo da Fraude

Um dos modelos teóricos mais utilizados para compreender a falta de ética que resulta em fraude corporativa é o Triângulo da Fraude, desenvolvido por Donald R. Cressey que identifica três elementos fundamentais (P-O-R) que levam um indivíduo a cometer fraude, passando por cima da ética:

Pressão (ou motivação): situações pessoais ou profissionais que levam a pessoa a buscar ganhos ilícitos (dívidas, ambição, metas de desempenho inatingíveis).
Oportunidade: falhas nos controlos internos, supervisão fraca ou confiança excessiva por parte da gestão.
Racionalização: a pessoa justifica o seu comportamento (a empresa ganha muito, vou devolver depois, todos fazem o mesmo).
Atualmente, eu acrescentaria um quarto elemento ao modelo, transformando o “P-O-R” em “P-O-R-A”:
Absolvição: o indivíduo é quase sempre “inocentado”, que o considera uma vítima do sistema.

As patologias éticas

É nesses contextos que surgem duas patologias comuns nas instituições: a miopia e a amnésia éticas. Não vemos o longo prazo e esquecemos demasiado as lições do passado e as consequências futuras.

A miopia ética consiste numa visão curta, focada apenas no imediato. Os colaboradores são pressionados pelo sistema a pensar excessivamente no curto prazo, sem considerar o impacto de longo prazo das suas decisões. Na literatura económico-financeira, algo semelhante é conhecido como inconsistência temporal (Kydland & Prescott (1977).

Políticos e gestores públicos também incorrem nesta falha ao priorizarem políticas com retornos rápidos e adiar reformas estruturais necessárias, mas impopulares.

Portanto, a miopia ética e a inconsistência temporal partilham a mesma raiz: a incapacidade de incorporar as consequências de longo prazo nas decisões de curto prazo. Superar esse problema exige desenvolver uma ética da responsabilidade intertemporal — isto é, uma consciência de que o verdadeiro valor moral e económico de uma decisão depende dos seus efeitos sustentáveis, não apenas dos resultados imediatos.

Essa foi uma das várias causas diretas e indiretas da crise de 2008, inicialmente no setor financeiro, exemplificada pelos bónus concedidos pela aprovação de crédito a indivíduos sem capacidade de pagamento, mas que eram importantes para que gestores cumprissem as metas comerciais.

A segunda patologia é a amnésia ética, isto é, o esquecimento conveniente do que já sabemos ser certo. Ela ocorre quando nos esquecemos de que há regras a cumprir e de que os comportamentos incorretos podem ter consequências futuras. A amnésia ética também implica um esquecimento seletivo do passado: sabemos que algo falhou antes, mas convenientemente “esquecemos” quando nos interessa.

A amnésia ética nas organizações não é um simples esquecimento neutro, mas um mecanismo psicológico de defesa diante das tensões entre o comportamento exigido e a realidade vivida.

Conclusão

Miopia e amnésia éticas não são defeitos de carácter, mas falhas humanas previsíveis que devem ser antecipadas e mitigadas. Ser ético não é lembrar dos valores apenas quando somos auditados; é manter as “lentes da miopia ética” atualizadas e os “comprimidos para amnésia ética” em dia.

E por uma questão de ética, convém dizer que tive ajuda da IA nas referências bibliográficas e correção do texto.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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