Entrevista/ “Chamar os bois pelos nomes” – Parte 2: De banalidades a barbaridades

João Sevilhano, Sócio, Estratégia & Inovação na Way Beyond

Escrevi em tempos um outro texto sobre este mesmo tema. O facto de ter dado o mesmo título escusar-me-ia de escrever a primeira frase. Ainda assim, a bem da clareza, da transparência e dos links internos (dizem que favorece a descoberta dos textos novos), desta forma possibilito o acesso a um pouco mais de contexto a quem tome contacto com esta perspetiva pela primeira vez.

Não volto ao tema por julgar que é necessariamente importante. Tampouco será a garantia de um certo número de clicks e de leituras à publicação que aloja este escrito, que me faz voltar. Volto a este assunto porque lhe prometi uma continuidade, embora não siga aqui o sentido que tinha indicado. Volto porque creio que a situação está pior e, mais verdade do que tudo isto, porque me continua a irritar, a indignar e a pasmar, profunda e intensamente.

Custa-me cada vez mais viver num mundo que valoriza o magnetismo daqueles e daquelas que encantam pela sua mediocridade ideológica, sem qualquer respeito pela verdade. O mesmo mundo onde o estatuto, ganho muitas vezes sabe-se lá como, ilumina o caminho até palcos com grande projeção. Pena que não alumie da mesma forma o percurso que vai além de uma superficialidade sensacionalista. Palcos esses, tanto físicos como digitais, onde muitos fingem que escutam através de telemóveis erguidos em punhos e braços esticados, que apenas pretendem repetir nas redes conteúdos que não chegam a ser escrutinados pelo senso nem pela sensibilidade. O mesmo mundo onde quem fala dessa forma e nesses contextos se esforça por dizer o que os outros querem ouvir, da forma como gostam ou toleram fazê-lo; onde os oradores julgam saber o que os outros precisam de escutar. Num mundo onde as mensagens são manipuladas com o intuito único de agradar e de entusiasmar, como se pode aprender a escutar?

Neste mundo onde os extremos estão cada vez mais próximos a distância entre as pessoas parece estar a aumentar. Talvez seja porque cada um busca obsessivamente a sua autenticidade, a mando daqueles que fazem do seu propósito de vida inspirar e motivar os outros. E, mais, quem parte nessa descoberta exige que os outros respeitem o seu achado. Muitas vezes a custo da elegância e do respeito. “Não gostas? Azar. Isto sou eu, autêntico/a.”

Pois bem, os extremos e o fundamentalismo não nos tornam melhores pessoas. Pelo contrário, quem segue essa via corre o sério risco de se tornar numa besta. Quando de forma constante apelam à descoberta da tal autenticidade, usando argumentos extremistas, fundamentalistas e sensacionalistas, fundamentados apenas na experiência pessoal e numa intuição de origem mágica, fica claro o apelo a nos tornarmos em autênticas bestas.

A troca de ideias escasseia. Não interessa promover a convergência, a acomodação, a integração e o ajuste de perspetivas diferentes. Imperam as ordens, que são ditas sob a forma de tuteio com a intenção de simular proximidade e afastar, sem sucesso, a presunção. Assim se mascaram as ordens de inspiração.

Dizer banalidades pseudo-profundas custa menos do que uma reflexão séria e profunda. Dizer trivialidades que agradem aos outros é fácil, já que muitos de nós andamos ávidos de sentido. Dizer banalidades que sejam ouvidas, quando tantos e tantas andam a dizê-las, não é, porém, tão fácil quanto isso. Como se distingue uma banalidade de outra? Fará sentido distinguir qualidade quando nos referimos a banalidades? Não sei. Acredito que não. Será uma questão de tamanho, do referido estatuto e do palco, quero eu dizer.

Mas há outra forma: aumentar o volume, dando um toque ainda mais pessoal e ainda mais “autêntico”; condimentar com uma boa dose de convicção, de certeza, até; extremar tanto a forma como o conteúdo. Há que entusiasmar, afinal. Este mecanismo só é possível de ser aplicado escusando ainda mais o crivo do senso, da reflexão, do contraditório e do árduo trabalho que é conhecer o que outros antes pensaram, disseram e escreveram sobre dado assunto. Quando a uma banalidade se juntam estes condimentos cria-se uma barbaridade. E tanta barbaridade anda para aí a ser dita.

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João Sevilhano

João Sevilhano

É licenciado em Psicologia Aplicada, área de Psicologia Clínica. Exerceu funções em instituições de saúde na área da Psicologia Clínica. Trabalhou igualmente como técnico de recursos humanos passando por vários departamentos onde se destacam as atividades de criação e implementação de programas formativos, counseling de gestores e equipas e a gestão de R.H (SONAE Distribuição). Desenvolveu a sua atividade na Escola Europeia de Coaching (EEC), agora Way Beyond, onde foi sócio-gerente, director pedagógico, coach e facilitador. Na Way Beyond é... Ler Mais..

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