Opinião
Estamos a construir start-ups por necessidade ou apenas por vício?

Criar produtos de tecnologia e start-ups não é apenas uma questão de inovação, código, financiamento e mercado. É um reflexo direto da forma como vemos o mundo e tentamos resolver problemas. Mas estamos mesmo a solucionar algo essencial ou apenas a criar distrações sofisticadas?
O que realmente motiva as pessoas a tornarem-se empreendedoras? A narrativa comum fala em liberdade, dinheiro e impacto. Mas será só isso? Muitas vezes, o empreendedorismo nasce da necessidade de provar algo, a si próprio ou aos outros. Pode ser uma fuga ao tédio. Uma dependência pela construção. Para alguns, é um mecanismo de sobrevivência emocional.
O que ninguém está a perguntar?
- Estamos a resolver o problema certo ou apenas a validar a nossa própria visão?
- O mundo precisa realmente de mais uma ferramenta ou estamos apenas a competir por atenção?
- Porque estamos tão obcecados com venture capital e growth a todo o custo?
- Criar uma start-up é mesmo a melhor forma de causar impacto?
- Se não houvesse esta febre do empreendedorismo, o que estaríamos a fazer?
O que nos estamos a esquecer de perguntar?
- O que acontece quando os produtos deixam de ser sobre pessoas e passam a ser sobre métricas?
- O que perdemos ao criar produtos que apenas otimizam a eficiência em vez de melhorarem a experiência humana?
- Se a IA conseguir construir produtos, qual será o verdadeiro diferenciador dos fundadores no futuro?
O que é tudo isto? Talvez as start-ups sejam apenas a forma moderna de explorar o desconhecido, como as grandes navegações do passado. Talvez seja apenas uma corrida por status disfarçada de inovação. Ou talvez sejam o último bastião da criatividade humana antes da automação total.
A sociedade admira os empreendedores e celebra-os como visionários, mas será que realmente os incentivamos a inovar? O mercado exige previsibilidade, os investidores querem escalabilidade e os consumidores procuram conveniência. No meio de tantas expectativas, onde fica o espaço para a verdadeira disrupção?
Nos últimos anos, falhar tornou-se quase um lema no mundo das startups. “Falha rápido, aprende depressa”, dizem. Mas até que ponto estamos realmente a aprender ou apenas a repetir os mesmos erros, presos num ciclo vicioso? Falhar só faz sentido quando leva a um crescimento real, quando resulta em aprendizagem e evolução. Caso contrário, não passa de um ritual que muitos encaram como obrigatório, mas sem verdadeira transformação.
Cada década tem a sua grande promessa. Primeiro foram as dot-com, depois as redes sociais, o blockchain, agora a inteligência artificial. Sempre que surge uma nova onda, milhares de start-ups aparecem à boleia, mas quantas delas deixam uma marca que realmente importa? Estamos a criar produtos porque acreditamos neles ou apenas porque temos medo de ficar para trás na próxima grande tendência?
E olhando para o futuro, quando a IA for capaz de criar produtos sozinha e a automação substituir grande parte das tarefas que antes exigiam esforço humano, qual será o papel dos fundadores? O que definirá um empreendedor de sucesso quando a execução se tornar um simples detalhe técnico? Talvez a resposta esteja em algo que nunca poderá ser replicado: a capacidade de imaginar o que ainda não existe, de sonhar e desafiar o status quo.
No fim, start-ups podem ser tanto uma fuga ao vazio quanto um caminho para o extraordinário. A verdadeira questão é: estamos a construir por necessidade ou apenas por vício?