Entrevista/ “O empreendedorismo é uma das tendências atuais em Moçambique”

Frederico Silva, cofundador e CEO da UX

A UX foi reconhecida, em 2014, como start-up moçambicana de maior potencial no setor da TI, tendo passado por um programa de incubação em Silicon Valley.

Foi country manager na LG Electronics, consultor da Rio Tinto e gestor de marketing e de vendas da MultiChoice e da SuretelCommunications em Moçambique. Atualmente, Frederico Silva é CEO da UX, uma empresa moçambicana que cria tecnologia para o desenvolvimento social, que acaba de ser premiada no African Entrepreneurship Award 2016.

Ao portal Emprego Moçambique, a UX junta também ao seu portfolio o emprego.co.ao, plataforma de oportunidades de trabalho no mercado angolano, e o Biscate, portal em Moçambique focado para vagas de trabalho informal.

Um dia decidiu largar as multinacionais e atirou-se de cabeça no sonho da UX. O que o fez seguir nesse sentido e porquê em Moçambique?

Sinto que sempre fui um “intrapreneur”, alguém que adota uma abordagem empreendedora dentro da organização com a qual colabora, o que fazia com que fosse por vezes incompreendido. Um exemplo desta divergência foi quando ocupei o cargo de Country Manager na LG Electronics e decidi partilhar a minha estratégia com o meu MD. Recordo-me que, ao fim de oito slides, ele pediu-me que recuasse, fez alguns comentários e disse: “Vejo que tens visão e uma perspetiva macro. No entanto, nós já temos pessoas para pensar o futuro da LG, tu tens apenas que executar.” Este foi o momento em que percebi que, embora ocupasse um cargo de relevância numa grande empresa, nunca teria a autonomia para poder implementar a minha própria visão.

Durante o meu percurso profissional e a passagem por algumas multinacionais, houve também um sentimento de que a minha realização pessoal passaria por algo que tivesse um papel transformador na sociedade. Moçambique vivia um período de forte crescimento económico, fazendo do país uma das economias com melhor desempenho a nível global. No entanto, a situação económica não se repercutiu no nível de vida da população carenciada e permanecíamos como o 9º pior país no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Creio que este contexto me levou a entender o impacto da tecnologia para o desenvolvimento social do país e acabei por me tornar empreendedor social.

Nestes anos de UX, qual o momento mais desafiante e o que fez a diferença?

A UX foi em 2012 uma start-up pioneira em Moçambique, um mercado conservador onde jovens e empresas recém-formadas são conotados pela sua inexperiência e não pelo seu potencial. Um dos maiores desafios foi ter a capacidade de mudar essa perceção, algo que se tornou num dos objetivos da empresa.  Ainda neste contexto, o mercado não apresentava a estrutura que o torna propício às start-ups, do ponto de vista de investimento e mentoria. Não existiam incubadoras, business angels, aceleradoras de negócios ou mesmo capitais de risco, o que obrigou a que a empresa tivesse um crescimento orgânico e focasse bastantes dos seus recursos em áreas paralelas ao desenvolvimento de produto.

Face a este enorme desafio, encontrámos na consultoria técnica uma forma de gerar receita e ganhar a credibilidade que construiu o perfil da UX ao longo dos anos. Trabalhámos com instituições como o Banco Mundial, UNICEF e o Grupo Aga Khan, em projetos que se tornaram referência no país, possibilitando-nos também adequar a nossa capacidade operacional.

E desde Silicon Valley, ainda é perito no pitch perfeito sobre a UX? 

Não sei se alguma vez fui perito no pitch. Acho que nunca deixei de ter aquele receio quando enfrento uma audiência. No entanto, vou deixar aqui o pitch de 30 segundos. A UX é uma empresa Moçambicana que cria tecnologia para o desenvolvimento social (ICT4D). A empresa tem duas unidades de negócio: desenvolvimento de produto, onde se foca nas áreas da empregabilidade, educação e inclusão financeira, e consultoria técnica, que é de uma natureza mais abrangente, uma vez que depende do projeto do cliente.

A que fontes de financiamento têm recorrido?

Embora o ecossistema local de start-ups já se comece a fazer sentir, o investimento neste tipo de negócio ainda não é significativo. Para além de uma lógica de subsídio cruzado entre as suas fontes de receita, a UX tem participado em competições internacionais (Making All Voices Count – Acra, Gana; African Entrepreneurship Awards – Casablanca, Marrocos) que garantiram à empresa um financiamento para dois dos seus principais produtos. Por outro lado, a natureza social dos produtos UX e o percurso da empresa permitiu o estabelecimento de uma relação próxima com a comunidade de doadores que financiou também, através de um fundo perdido do DFID, um dos projetos da empresa.

Acabaram de ganhar o African Entrepreneurship Award 2016. O que está na base deste prémio?

O African Entrepreneurship Awards tem duas métricas principais que são o impacto social e a sustentabilidade do negócio. O processo iniciou com cerca de 8000 candidaturas online, das quais foram selecionadas 3800 para 3 categorias (Educação, Ambiente e não identificada). Após esta triagem, existem 4 fases de proposta que resumiram este número às 37 finalistas que se deslocaram a Casablanca para fazer um pitch em frente a um painel de júri composto por investidores de Silycon Valey, empreendedores de referência do continente africano e individualidades do mundo corporativo.

E o que sonha vir a seguir?

Em 2016, apesar de uma desvalorização de mais de 50% do Metical, da tensão política que se vive em Moçambique, do aumento significativo da dívida pública, a UX lançou um novo produto no mercado, o Biscate, iniciou a operação num novo mercado, Angola, e foi premiada em duas competições internacionais.

O objetivo para 2017 é afirmar a presença da UX na região, através da tecnologia já desenvolvida e dos produtos lançados. É imperativo capitalizar no momentum que foi criado e atrair o investimento necessário, para garantirmos uma estrutura organizacional com capacidade de resposta para este objetivo. Queremos aumentar o potencial de receita e em paralelo o impacto do social das nossas iniciativas.

O que o torna um ser insatisfeito e sempre à procura de fazer mais e de ir mais além?

O empreendedorismo em Moçambique evidenciou-se como uma das tendências atuais, dada a incapacidade do mercado formal de acolher o número de graduados que sai das universidades anualmente. É preocupante, no entanto, a sustentabilidade deste ecossistema, quando poucos têm as noções de gestão e a literacia financeira necessários para sobreviver às condições pouco apelativas que o mercado Moçambicano oferece: setor privado em retenção de custos, investimentos congelados, restrições na exportação de capital, custo de vida elevado devido à inflação, entre outras.

África, embora com os seus desafios e limitações, continua a ser uma janela de oportunidade. A narrativa de um sucesso Pan Africano é cada vez mais válida e o mundo das start-ups não é exceção. As semelhanças existentes nos problemas enfrentados na grande maioria dos países africanos oferece às soluções encontradas um nível de replicabilidade inigualável. São cada vez mais as plataformas que juntam empreendedores Africanos a decisores do mundo corporativo, investidores, mentores e outros líderes. O futuro vive em África e aqueles que o negarem serão ultrapassados.

Como vê hoje Moçambique e os desafios/oportunidades de África?

Moçambique atravessa atualmente uma fase de crise e esta traduz-se em diferentes vertentes, nomeadamente político-militar, económico-financeira e consequentemente social. A economia do país enfrenta um período de desaceleração, a faturação das empresas está em queda e o Metical tem vindo a depreciar de forma alarmante. É difícil manter-me positivo face a este contexto, mas é nestes períodos que projetos que, tal como os nossos, têm objetivos sociais, se tornam extremamente importantes para mitigar determinados problemas.

África representa esperança. As semelhanças que existem nos vários países do continente fazem-se notar sob diferentes vertentes: a cultura, a estrutura socioeconómica, as especificidades dos mercados, entre outras. Isto permite-nos replicar a tecnologia nos vários países da região com alguma facilidade, o que não só é favorável do ponto de vista de negócio mas também faz com que se obtenham resultados significativos, no que diz respeito ao impacto social.

Respostas rápidas:

O maior risco: Tornarmo-nos irrelevantes por não expandirmos rápido o suficiente.
O maior erro: Não termos levantado capital para acelerar o crescimento.
A melhor ideia: Biscate.
A maior lição: Primeiro “quem” e só depois “o quê”.
A maior conquista: Dar reconhecimento ao país através do sucesso da UX.

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