Entrevista/ “É preciso alinhar todas as políticas públicas com os compromissos de desenvolvimento global”

Ana Patrícia Fonseca, diretora executiva da Fundação Fé e Cooperação (FEC)

“O contexto global atual é particularmente desfavorável à Coerência das Políticas para o Desenvolvimento e, por isso, é tão importante continuar a defender este instrumento e a reafirmar a sua relevância”, afirma Ana Patrícia Fonseca, diretora executiva da Fundação Fé e Cooperação.

A Fundação Fé e Cooperação (FEC), uma ONG que promove o desenvolvimento humano integral e que tem projetos em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal,  juntou-se, em 2016, ao projeto Coerência – O Eixo do Desenvolvimento, uma iniciativa do Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), que visa garantir que as políticas adotadas em diferentes setores – como comércio, migrações ou clima – não sejam contraditórias com os objetivos de desenvolvimento e combate à pobreza nos países mais vulneráveis.

Em entrevista ao Link to Leaders, Ana Patrícia Fonseca, diretora executiva da FEC, sublinha a importância da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) no atual contexto internacional, marcado por tensões geopolíticas, desigualdades e retrocessos democráticos, e comenta os resultados de uma recente sondagem que concluiu que 68% dos portugueses apoiam o perdão da dívida externa dos países mais pobres.

O que motivou a FEC e o IMVF a lançarem o projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento?

O projeto Coerência nasceu há mais de uma década por iniciativa do IMVF, ao qual a FEC se juntou em 2016 e, desde altura, mantemos o trabalho conjunto de promoção da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD), em Portugal e a nível europeu. E o trabalho neste tema nasce da necessidade de efetivar a coordenação entre políticas das várias áreas setoriais (segurança, soberania alimentar, agricultura, comércio e finanças, migrações, alterações climáticas…) que assegure a coerência das políticas que possam afetar os Países em Desenvolvimento e, assim, minimizar contradições e gerar sinergias entre diferentes políticas da União Europeia (UE) e dos Estados-membro.

Na última década, temos assistido a uma afirmação legislativa cada vez mais evidente na prossecução de objetivos de desenvolvimento sustentáveis, alicerçados numa agenda de Direitos Humanos. Temos verificado que a UE e os seus Estados-membro estão cada vez mais empenhados em garantir que as medidas legislativas que adotam não são contraditórias com os esforços de desenvolvimento e da erradicação da pobreza. E uma manifestação disso mesmo é a última resolução do Parlamento Europeu sobre CPD, de março de 2023, que insta a Comissão Europeia, o Serviço Europeu para a Ação Externa e os Estados-membros a intensificarem os seus esforços em matéria de CPD, salientando que a esta deve continuar a ser uma parte essencial das relações externas da UE.  Mas, para além dos progressos notórios, também os desafios se têm intensificado e é necessário reforçar o empenho de todos quantos intervêm na área da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento em garantir um mundo onde todas as pessoas são valorizadas na sua singularidade, independentemente do lugar que habitam. E é isso mesmo que procuramos fazer com as várias edições do projeto Coerência.

“A CPD refere-se à necessidade de garantir que todas as políticas, medidas e ações adotadas em diferentes setores sejam compatíveis e complementares na promoção do desenvolvimento sustentável (…)”.

O que significa a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) e por que razão é tão importante no contexto atual?

A CPD é um princípio e um instrumento da União Europeia e dos seus Estados-membro, que permite, analisar e identificar o impacto que as várias políticas setoriais têm nos países em desenvolvimento, procurando evitar que as políticas europeias impeçam os esforços de desenvolvimento e erradicação da pobreza dos países mais pobres. Nesse sentido, pretende contribuir para a construção de políticas mais eficazes, mais sustentadas e menos contraditórias com os processos e objetivos de Desenvolvimento a nível global.

A CPD refere-se, assim, à necessidade de garantir que todas as políticas, medidas e ações adotadas em diferentes setores sejam compatíveis e complementares na promoção do desenvolvimento sustentável, na redução da pobreza e das desigualdades. As várias políticas setoriais – comerciais, de segurança, migratórias, agrícolas, climáticas, – deverão contribuir ativamente para, ou pelo menos não prejudicarem, os objetivos e esforços de Desenvolvimento. Além disso, a CPD também garante que as políticas e práticas da União Europeia e dos seus Estado-membro estejam alinhadas com os compromissos internacionais, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e as convenções de Direitos Humanos, tendo por pilar fundamental a dignidade humana. É uma obrigação legal, reconhecida a nível global, europeu e nacional como uma abordagem essencial para conseguir impulsionar os esforços de Desenvolvimento de forma mais coerente e integrada e para abordar os fatores sistémicos de desequilíbrios de poder e desigualdades que permanecem no sistema internacional. A CPD constitui uma “lente” para olhar o desenvolvimento, na medida em que nos dá ferramentas para compreender melhor as barreiras existentes e as implicações que os desafios globais têm nos planos económicos, social e ambiental, bem como as interligações entre estas áreas.

O contexto global atual é particularmente desfavorável à Coerência das Políticas para o Desenvolvimento e, por isso, é tão importante continuar a defender este instrumento e a reafirmar a sua relevância. O mundo apresenta-se dividido fragmentado. Assistimos ao agravamento da conflitualidade internacional e da luta geopolítica por esferas de influência que questionam quer os princípios e valores fundamentais da Humanidade, quer a ordem internacional multilateral baseada em regras partilhadas, estando a provocar a erosão dos sistemas democráticos e o ataque aos direitos humanos e liberdades fundamentais em várias partes do mundo. Os efeitos destas tendências afetam desproporcionalmente os países mais pobres e os grupos sociais mais vulneráveis, que sentem particularmente o impacto de choques externos e das crises globais, tendo também menores capacidades de resiliência e de resposta a esses desafios. Estas tendências ameaçam fazer reverter os resultados de décadas de esforços coletivos de progresso rumo ao desenvolvimento global sustentável, justo e equitativo, que responda às aspirações legítimas das pessoas a uma vida digna e proteja simultaneamente o planeta que habitamos.

Assim, neste cenário de incerteza e complexidade, a CPD assume-se como ainda mais urgente e importante.

A sondagem realizada pela Pitagórica, promovida pela FEC e IMVF revelou que 68% dos inquiridos apoiam o perdão da dívida dos países mais pobres, com condições. Como interpreta estes resultados?

A resposta dos cidadãos portugueses é clara e reveladora: há uma consciência crescente de que o atual sistema de dívida internacional é injusto e insustentável. O apoio expressivo ao perdão da dívida dos países mais pobres, mais concretamente 68%, ainda que com condições, demonstra empatia, sentido de consciência universal, justiça global e uma perceção crítica sobre o impacto das relações económicas internacionais nas desigualdades globais.

Estes resultados mostram que a sociedade portuguesa está sensível ao facto de muitos países em desenvolvimento estarem presos num ciclo vicioso de endividamento, onde recursos que deveriam ser canalizados para a saúde, a educação, a ação climática e a erradicação da pobreza são, em vez disso, consumidos pelo pagamento da dívida, muitas vezes contraída em condições assimétricas e injustas.

No trabalho que desenvolvemos na FEC e no IMVF, temos vindo a reforçar que a dívida pública dos países mais vulneráveis não é apenas uma questão financeira, é uma questão de desenvolvimento e de justiça. Quando 40% da população mundial vive em países que gastam mais em juros da dívida do que em serviços públicos essenciais, a urgência da transformação é evidente.

Estes dados da sondagem devem, por isso, interpelar os decisores políticos. O apoio da população portuguesa é uma base legítima para que Portugal, enquanto Estado-membro da UE e ator da Cooperação Internacional, defenda ativamente a criação de mecanismos justos, transparentes e inclusivos de reestruturação da dívida, e contribua para uma arquitetura internacional centrada no desenvolvimento sustentável e não na perpetuação da dependência financeira.

“Os cidadãos portugueses estão a dizer-nos que querem ver a cooperação focada nas pessoas”.

Educação, saúde e infraestruturas foram destacadas como áreas prioritárias. Acha que a sociedade portuguesa está mais consciente das necessidades dos países em desenvolvimento?

Sim, os resultados da sondagem demonstram que a sociedade portuguesa está consciente das necessidades concretas dos países em desenvolvimento e, mais do que isso, reconhece que a cooperação deve focar-se no acesso universal a direitos básicos e na promoção do desenvolvimento humano. As áreas destacadas pelos inquiridos – educação, saúde e infraestruturas – são precisamente aquelas que constituem a base de qualquer processo de desenvolvimento sustentável e de promoção da dignidade humana. Este reconhecimento público é particularmente relevante no contexto atual, em que, por vezes, o discurso político e mediático tende a desviar-se destas prioridades e a instrumentalizar a cooperação para fins de segurança ou controlo migratório. Os cidadãos portugueses estão a dizer-nos que querem ver a cooperação focada nas pessoas.

Ao mesmo tempo, esta perceção pode também ser lida como um sinal de que temas como trabalho e democracia – também opções de resposta colocadas aos inquiridos -, apesar de serem igualmente estruturantes e urgentes, ainda não ocupam o lugar que deveriam no imaginário coletivo sobre o desenvolvimento. Temos procurado precisamente fazer esta ponte, reforçando a importância de uma cooperação que seja coerente, interligada e que não trate os desafios do desenvolvimento de forma separada.

A CPD implica uma visão integrada entre diferentes áreas como segurança, comércio, alterações climáticas ou migrações. Quais são, na sua opinião, os maiores obstáculos à implementação dessa coerência?

Os principais obstáculos à implementação efetiva da CPD são, antes de mais, de ordem política. Falta vontade e liderança para que a coerência seja assumida como prioridade transversal. A FEC e o IMVF têm insistido na criação de um Plano Nacional para a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, até agora sem sucesso. E também insistimos na implementação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2010, que, apesar de já ter 15 ano, mantém pertinência e atualidade, mas nunca encontrámos vontade política de a implementar.

Em contextos de crise e urgência, outros interesses, frequentemente de curto prazo, sobrepõem-se às preocupações de desenvolvimento, que acabam subordinadas ou esquecidas. A CPD exige escolhas difíceis, conciliação de interesses e, por isso, é uma questão eminentemente de opção política. Sem esse compromisso político claro, os mecanismos técnicos e institucionais têm dificuldade em ganhar tração. Por outro lado, os compromissos assumidos continuam, muitas vezes, vagos e pouco operacionalizáveis. Falta planeamento concreto, com metas, prazos e responsabilidades bem definidas entre os diferentes setores. A ausência de uma estrutura clara dificulta a integração da CPD no trabalho quotidiano das várias áreas da governação.

Um terceiro entrave prende-se com a pressão por resultados imediatos, que vai contra a própria natureza da CPD e dos processos de desenvolvimento, ambos exigem tempo, continuidade e trabalho intersetorial. A tendência para procurar soluções rápidas, isoladas e setoriais impede a construção de abordagens mais sistémicas e sustentáveis e leva, muitas vezes, à fragmentação da ação pública.

Finalmente, há ainda desconhecimento e pouca apropriação da CPD fora do setor da cooperação. Muitos decisores continuam a ver a coerência como uma preocupação exclusiva da política de desenvolvimento, quando na verdade deveria ser uma responsabilidade transversal. Falta pedagogia política e institucional sobre o que é a CPD, porque é relevante, e como pode beneficiar todas as áreas da ação governativa, não só os países parceiros, mas também a eficácia e integridade das próprias políticas nacionais.

“Para que possam ser feitos progressos, a CPD tem de ser encarada como a questão política e complexa que é, exigindo um equilíbrio por vezes difícil entre interesses contraditórios (…)”.

Que papel devem os decisores políticos assumir para garantir essa coerência, especialmente em momentos de transição política como o atual?

Os decisores políticos têm um papel determinante na promoção da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD), especialmente em momentos de transição política, que são também momentos de oportunidade. Cabe-lhes assumir um compromisso político claro e transversal, capaz de integrar a CPD como um princípio estruturante da ação governativa e legislativa, não como um apêndice da cooperação, mas como uma lente de análise e orientação para todas as políticas públicas.

É essencial que assumam a responsabilidade de alinhar as políticas internas, como as políticas de comércio, de migração, de ambiente, fiscalidade ou segurança, com os compromissos internacionais de Portugal em matéria de desenvolvimento sustentável, justiça social e direitos humanos. Para isso, é necessário garantir uma coordenação interministerial eficaz, criar mecanismos de monitorização e avaliação sistemática do impacto externo das políticas públicas e assegurar espaços de diálogo regular com a sociedade civil. Desde a inclusão da CPD nos programas de governo, à criação de uma estratégia nacional específica, passando pela operacionalização de redes de pontos focais, tudo isto deve ser acompanhado de transparência, mecanismos de prestação de contas e indicadores que permitam aferir progressos concretos.

Para que possam ser feitos progressos, a CPD tem de ser encarada como a questão política e complexa que é, exigindo um equilíbrio por vezes difícil entre interesses contraditórios e a conciliação dessas prioridades, o que passa por uma maior coordenação e procura de sinergias entre setores e atores, para impulsionar políticas e respostas mais coerentes, consistentes e alinhadas com o Desenvolvimento.

Mais de metade dos inquiridos concordam com políticas de comércio que garantam o respeito pelos direitos humanos e ambientais. Como é que a FEC encara este sinal da sociedade civil?

Vemos este sinal como uma mensagem inequívoca da sociedade civil: os cidadãos querem um modelo económico mais justo, mais ético e mais responsável, respeitador das pessoas e dos seus direitos fundamentais, plasmados no direito nacional e internacional. O facto de mais de metade dos inquiridos concordarem com políticas comerciais que garantam o respeito pelos direitos humanos e ambientais demonstra que há, de forma clara, um alinhamento da sociedade portuguesa com os princípios da justiça social e ambiental.

Este resultado mostra que, quando confrontadas com estas questões, as pessoas reconhecem o seu valor e querem ver os direitos humanos e do ambiente refletidos nas decisões políticas, também nas políticas comerciais. Muitas vezes, o desafio não é a falta de valores, mas a falta de informação sobre os impactos concretos das escolhas, até mesmo individuais, que fazemos no dia a dia. Desde o que compramos, às empresas que apoiamos, às políticas que toleramos, tudo isto tem repercussões globais.

Com o projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento, temos procurado exatamente isso, criar espaços de reflexão e sensibilização que ajudem a transformar valores em ação informada, e que liguem as decisões locais às consequências globais. Este resultado da sondagem é, para nós, um sinal de que as pessoas estão disponíveis para esse caminho e que esperam que os decisores políticos também estejam. É necessário avançar com mais ambição na regulação do comércio internacional, reforçando os mecanismos de dever de diligência das empresas, combatendo práticas nocivas e assegurando que a política comercial europeia e nacional está alinhada com os esforços do desenvolvimento sustentável.

O que falta fazer para que estas preocupações se traduzam efetivamente em políticas públicas e práticas comerciais?

Para que estas preocupações se traduzam em políticas públicas e práticas comerciais efetivas, é preciso vontade política, regulação robusta e uma cidadania ativa e informada. A maioria das pessoas já reconhece a importância de garantir o respeito pelos direitos humanos e ambientais, mas isso ainda não se reflete, de forma sistemática, nas políticas nacionais e internacionais. As práticas e regras comerciais, as desigualdades de rendimento, o financiamento do desenvolvimento e a justiça fiscal são áreas estruturais onde é urgente agir. As decisões tomadas nestes domínios, a nível nacional, europeu e global, têm de ser orientadas para políticas mais justas e equitativas, capazes de enfrentar desigualdades profundas e agravadas pela atual conjuntura internacional.

Para isso, é essencial reforçar o multilateralismo, a regulação global e a cooperação internacional, com vista à construção de um sistema de comércio internacional mais abrangente, não discriminatório e baseado em normas, um sistema que potencie o desenvolvimento sustentável e não o mine.

Ao mesmo tempo, Portugal deve assumir um papel ambicioso na transposição, implementação e monitorização da Diretiva Europeia de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (DDDSC), assegurando que os direitos humanos, sociais e ambientais são respeitados em toda a cadeia de valor dos produtos e serviços.

E claro, não é suficiente investir na cooperação se, em paralelo, persistirem políticas comerciais, ambientais ou fiscais que comprometem os mesmos objetivos. É preciso alinhar todas as políticas públicas com os compromissos de desenvolvimento global, e isso só se faz com visão política, coerência das políticas, coordenação institucional e diálogo com a sociedade civil.

“Queremos contribuir para uma cidadania mais ativa, capaz de questionar, de exigir coerência nas políticas e de agir (…)”.

O projeto Coerência aposta na sensibilização e educação para a cidadania global. Que impacto concreto esperam alcançar junto da sociedade civil portuguesa?

O principal impacto que procuramos alcançar junto da sociedade civil portuguesa é o fortalecimento de uma consciência crítica, informada e comprometida com a justiça global. Queremos contribuir para uma cidadania mais ativa, capaz de questionar, de exigir coerência nas políticas e de agir, individual e coletivamente, em prol de um mundo mais justo, digno e sustentável.

O projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento tem como objetivo central consciencializar e desenvolver o entendimento crítico das interdependências globais e locais, reforçando a importância da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) como pilar do Desenvolvimento Sustentável. Acreditamos que aplicar a lente da CPD aos principais desafios globais, como as alterações climáticas, as migrações, o comércio ou a segurança alimentar, permite recentrar o debate público em torno da dignidade humana e dos direitos fundamentais, abrindo espaço para novas narrativas e novas possibilidades de transformação.

Queremos simplificar temas complexos, muitas vezes percebidos como distantes, e mostrar a sua ligação direta ao nosso dia a dia. A campanha “Ajudamos… mais ou menos?”, cumpre precisamente esse propósito: provocar reflexão, aproximar os cidadãos destas questões e mobilizar para a ação, lembrando que a ajuda genuína implica coerência, visão de futuro e compromisso com o bem comum.

Num mundo marcado pela incerteza e por políticas incoerentes, focadas nos interesses de curto prazo, acreditamos que é urgente pensar o Desenvolvimento global como um processo coletivo, justo, inclusivo e sustentável. O impacto que procuramos é esse: criar espaço para o questionamento, fomentar o diálogo e contribuir para uma sociedade civil mais consciente do seu papel na construção de soluções globais, e mais exigente quanto às decisões que afetam esse futuro comum.

Como é que as escolas, universidades, ONG e até os meios de comunicação podem ajudar a fomentar esta consciência crítica?

Promover uma consciência crítica sobre os desafios globais e as interdependências que nos ligam exige o envolvimento ativo e colaborativo de vários setores da sociedade, desde as escolas às universidades, das ONG aos meios de comunicação social. Cada um destes atores tem um papel distinto, mas é na sua proximidade e articulação que reside o verdadeiro potencial de transformação. É do trabalho conjunto que nasce a força para a ação e o impacto duradouro.

A Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global (EDCG) tem aqui um papel central. Pretende ser um processo de aprendizagem e transformação através da ação individual e/ou coletiva orientada para a justiça social e o bem comum. A partir de uma tomada de consciência crítica, a EDCG interliga temas concretos com as causas profundas das desigualdades, convidando a olhar para a realidade de forma sistémica, interdependente e comprometida. Mais do que tratar de “temas” específicos, a EDCG propõe uma outra forma de ver, pensar e agir no mundo. Nas escolas e universidades, este processo é fundamental para formar cidadãos conscientes, empáticos e ativos. É aí que se começa a cultivar o pensamento crítico, a empatia global e o compromisso com os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável. As ONG desempenham um papel chave na mediação entre a informação, a mobilização e a ação política e social. Têm um profundo conhecimento das realidades das pessoas e dos territórios, produzem conhecimento e conteúdos, promovem campanhas e facilitam o diálogo entre cidadãos e decisores políticos. Já os meios de comunicação têm a responsabilidade e a oportunidade de moldar narrativas, combater estereótipos e colocar em evidência as causas estruturais das injustiças, contribuindo para uma cidadania mais informada e mobilizada.

É no encontro entre estes atores que podemos construir espaços de aprendizagem, ação e transformação conjunta. Porque só com mais consciência crítica, mais colaboração e mais coerência poderemos responder aos desafios complexos do nosso tempo.

A partir dos dados e reflexões recolhidos até agora, quais serão os próximos passos do projeto?

O projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento continuará empenhado em transformar a vontade dos cidadãos em políticas públicas eficazes, justas e coerentes. Assim, os próximos passos passam pelo reforço da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento como pilar central da Cooperação Portuguesa, assegurando que áreas como o comércio, o ambiente, as migrações ou a fiscalidade não contrariem os objetivos de desenvolvimento assumidos. Paralelamente, será aprofundado o diálogo com decisores políticos, tanto a nível nacional como europeu, levando aos espaços de decisão os dados, as vozes e as expectativas da sociedade civil.

Outro eixo fundamental será o fortalecimento da participação da sociedade civil, promovendo a literacia para o desenvolvimento e garantindo que os impactos reais das políticas, sobretudo nos países e comunidades mais vulneráveis, estejam devidamente representados nas discussões. A produção e divulgação de conhecimento sólido e acessível continuará a ser uma prioridade, servindo de base a uma ação de advocacy fundamentada, estratégica e com impacto real. Por fim, manteremos a afirmação da importância de “termos um lugar à mesa”, pois enquanto organizações da sociedade civil temos o dever e o direito de contribuir para decisões mais informadas, humanas e transformadoras.

Que mensagem gostaria de deixar aos cidadãos e aos responsáveis políticos sobre a urgência da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento?

Num mundo interligado, não basta querer ajudar, é preciso garantir que todas as nossas decisões, enquanto sociedade, país e União Europeia, não prejudicam aquilo que dizemos querer proteger. A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento é, por isso, uma exigência ética e política. É o compromisso de garantir que as políticas públicas não contradizem os objetivos do desenvolvimento sustentável e os direitos de todas as pessoas em todas as geografias.

Aos cidadãos e cidadãs, diria: a vossa voz conta. A participação informada, ativa e exigente é essencial para transformar esta exigência em ação concreta. Através das escolhas que fazemos, do que consumimos, de quem elegemos, podemos contribuir para um mundo mais justo e solidário. O desenvolvimento global não é um assunto distante, está nas nossas mãos, todos os dias.

Aos decisores políticos, o apelo é claro: é tempo de assumir a CPD como prioridade de governação. Não como um princípio abstrato, mas como uma estratégia prática que assegura que as políticas públicas estão verdadeiramente ao serviço das pessoas, da dignidade humana e do planeta.

A todos digo: ajudar não é fazer mais ou menos. É fazer melhor. Coerência não é um detalhe. É o eixo do desenvolvimento. E todos podemos ser agentes de mudança.

 

Comentários

Artigos Relacionados