Ao contrário da famosa frase “O que foi feito em Vegas, fica em Vegas”, tal já não é assim… entrámos na era digital. A famosa frase é rescrita para “Uma vez na Internet, para sempre disponível e acessível na Internet!”, mas também na Intranet da sua empresa, tal como na memória do seu telefone ou no computador de bordo do seu carro.
Em termos práticos, tudo o que fazemos nalgum equipamento com um sistema operativo e alguma capacidade de processamento fica registado algures…
A realidade é que há ainda alguma ingenuidade de que podemos ter total privacidade das nossas vidas, dos nossos segredos ou mesmo de algumas das nossas conversas em plataformas de mensagens ou redes sociais! Desengane-se.
O mundo digital trouxe-nos o conceito de “pegada digital”, que funciona como livro de registos de contabilidade, onde tudo o que fazemos é inserido e nunca eliminado. Mesmo atividades simples e tradicionais do mundo físico como ter apenas o telemóvel ligado, passar numa portagem eletrónica ou fazer um pagamento num restaurante com cartão bancário são hoje atividades similares a aceder ao email num computador, realizar uma compra online de um livro ou encomendar comida para entrega ao domicílio.
Em todas estas atividades entregamos a nossa identidade, a localização de onde estávamos e a data e hora, ao milésimo de segundo. Se estes dados isolados pouco valem, junte os milhares de ações que tem realizado diariamente ao longo da sua idade, de forma consciente ou inconsciente, e perceberá que quem tiver acesso a eles conseguirá traçar o seu perfil psicológico e contextual, onde para além de ficar a saber com quem (e quando) esteve, passará a saber se é politicamente de esquerda ou direita, se é emotivo ou racional, se tem algum problema de saúde ou pode vir a ter, ou mesmo entender a sua ambição pessoal e profissional.
Estamos perante um equilíbrio complexo de gerir. A pegada digital é fundamental para desfechos desejados ágeis e céleres em situações de crimes, corrupção, terrorismo ou espionagem. Mas como em tudo, a dificuldade está na garantia entre o equilíbrio da informação ser ou não usada com objetivos adequados, consentidos e não intrusivos. Tal é assegurado? De alguma forma, mas a elevada quantidade de falhas em várias atividades empresariais de gestão de dados, onde se incluem vários ataques informáticos ou partilhas indevidas, trazem naturais desconfianças e demonstração do risco da privacidade individual.
A pegada digital disponibiliza acesso e controlo do contexto atual e futuro, o que é bastante tentador para qualquer organização, seja ela empresarial, política ou governamental, para poder influenciar o seu cliente, o seu eleitor ou o seu cidadão. Visões de modelos de vigilância omnipresente e de controlo retratado pelo livro “1984”, de George Orwell, são ambições de alguns (muitos), o que nos traria um mundo de humanos comandados na sua vida, ao invés de humanos que comandam as suas vidas.
Perante estes cenários, a pergunta base que se coloca é obviamente: devemos “desligar” do digital para voltarmos a ter a nossa individualidade e privacidade? A resposta é definitivamente “Não”. Os ganhos de eficiência e produtividade valem o risco. Acima de tudo, importa ter e dar consciência que este mundo novo digital tem regras de funcionamento distintas das que estiveram na base da humanidade durante milhões de anos. Por tal, importa saber educar, não só aos mais novos que crescerão já neste modelo, como também aos mais velhos, que estão agora a aprender a interagir com novos modelos de negócio e relacionamento. É um mundo novo, que importa ter consciência da realidade circundante e não ingenuidade.
Em jeito de conclusão: já não há só caminhos bons para Las Vegas! O que lá se faz já não fica apenas lá, nem apenas nas memórias de alguns.