Opinião

O desafio da produtividade individual

Belén de Vicente, CEO da Medical Port

Considero-me uma pessoa com uma produtividade acima da média. Pode soar arrogante, mas não é, porque não é resultado de uma inteligência superior, mas de hábitos criados pela necessidade.

Várias vezes sou abordada no sentido de questionar que truques utilizo para este efeito e a verdade é que após reflexão sobre os motivos que me levaram a atingir níveis elevados de produtividade no trabalho, chego a uma conclusão simples: a sobrevivência.

Por motivos familiares desde muito pequena e durante a adolescência estive exposta a outras responsabilidades para além da de estudar, pelo que tive que encontrar formas de conseguir completar as minhas tarefas a tempo e de forma eficaz, sob pena de prejudicar outros e a mim própria. Mas a prova final que moldou os meus hábitos produtivos atuais aconteceu já na idade adulta. Vivi sozinha durante muitos anos com uma criança pequena sem qualquer tipo de ajuda de ninguém. Isto não parece nada de especial hoje em dia, com tantas mães separadas ou solteiras sem apoio. O meu caso talvez fosse mais complicado, pois era consultora e mulher e é sabido que os consultores têm um tipo de vida muito intensa em termos de horários e disponibilidade para com os clientes e os superiores hierárquicos.

De uma forma muito clara colocaram-me o desafio de produzir com qualidade entre as 8.30h e as 18.30h (o horário que para mim era possível) o mesmo que os colegas da empresa que não tinham limitações de horário. Se eu não conseguisse ou algum cliente se queixasse, seria posta de lado. E essa necessidade de sobreviver com sucesso num mundo onde ninguém saia do escritório às 18.30h, porque a tarde ainda ia a meio devido à carga de trabalho que tínhamos, determinou as regras do jogo.

Os meus 15 anos de consultoria foram não só uma escola profissional determinante na minha carreira como uma escola de vida.

Quando analiso outros casos vejo claramente as semelhanças: a atleta de pré-competição que ao mesmo tempo que os treinos intensos e a pressão para reduzir tempos tem de estudar; a criança que faz o curso do conservatório em regime supletivo, ao mesmo tempo que completa a sua escolaridade porque sonha ser músico; o aluno que trabalha e estuda ao mesmo tempo porque o seu rendimento é necessário em casa, etc. Necessitam de ser produtivos, senão não sobrevivem com sucesso nos contextos onde se inserem. A necessidade aguça o saber.

A verdade é que partindo da base de que somos competentes, só há três coisas que determinam a nossa produtividade individual: a organização/planeamento, o foco e o sentido da responsabilidade.

Para mim resulta fundamental planear o meu dia, listar as tarefas que vou fazer e definir prioridades. Sim, faço listas todos os dias e vou riscando o que foi concluído. A minha lista diária tem um ritual, ao nível do seu formato, da lógica do urgente versus o importante, da forma como agrupo atividades. É um ritual que funciona para mim, cada um deve ter o seu. Conheço pessoas que se auxiliam de tecnologia para esta fase do planeamento, de alarmes, de agendas. Não é muito importante, o que é realmente relevante é ter uma rotina de planeamento e organização do dia e da semana. Demoro 15 minutos diariamente neste ritual.

Planear é fácil porque é uma atividade teórica que pode não corresponder com a realidade. É necessária prática para fazer planos objetivos e realistas, mas aprende-se com o tempo. A execução do plano é o que permite passar à prática e é aí onde a produtividade se torna real. Para dar este passo só há uma característica fundamental: o foco e a concentração no que estamos a fazer.

Esta é uma habilidade muito mais difícil de treinar por vários motivos: estamos sempre a ser aliciados para fazer outras coisas – os emails entram a uma velocidade estonteante, o telefone toca ou recebe mensagens/whatsapps num vibrar incessante, para além da tentação da chamada para sair da toca – mas sim, ter foco é estar numa toca enquanto estamos a executar determinada tarefa e a nossa própria natureza tem dificuldade em estar muito tempo a fazer uma determinada tarefa quando a mesma não é totalmente do nosso agrado.

É impossível gostar de tudo o que se faz no dia a dia da mesma maneira. Por isso, o foco exige força de vontade, uma habilidade que se desenvolve desde que se é criança. Força de vontade para não interromper o que se está a fazer para fazer outras coisas, para acabar o que se iniciou, para não abandonar ou descurar uma tarefa que nos foi atribuída e que é da nossa responsabilidade.

Mas a produtividade leva associada a eficiência, não apenas a execução. É fazer e bem, da melhor forma possível para atingir o objetivo que estava definido. É que fazer mal ou incompleto ou superficial é muito fácil, demora menos, mas … sentir-nos-íamos bem a pôr o nosso nome nesse trabalho ou a dizer que foi feito por nós? Quem não se importa de assinar ou entregar um trabalho mal feito não tem sentido da responsabilidade.

E, infelizmente, enquanto o planeamento e o foco se treinam com rituais e se apuram com a prática e com ajuda, o sentido da responsabilidade ou se tem ou não se tem. Este, como a força de vontade, também se desenvolve durante a infância e a adolescência e está relacionado com o grau de exigência saudável que colocamos sobre nós próprios. Há pessoas que carregam o peso do mundo nas costas, mas não conseguem ser produtivas porque ficam doentes, o mundo pesa muito. Há outras que passam pela vida sem sentir vergonha de fazer mal e justificam com o pouco tempo que tinham, ou com o difícil que era a tarefa, ou com as condições adversas do momento.

Ser produtivo dá trabalho (planear, focar) e dores de cabeça (procurar a força de vontade, sentir a responsabilidade do que temos entre mãos), mas a satisfação do trabalho bem feito, entregue a tempo, é uma recompensa pessoal tão intensa que nos eleva a outro nível.

Deixo para o próximo artigo o desenvolvimento do tema da produtividade das equipas, pois contém novas variáveis, e a verdade é que tenho de passar para a execução do seguinte item na minha lista de hoje.

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Belén de Vicente

Belén de Vicente

Belén de Vicente é fundadora e diretora geral da Medical Port, a porta de entrada para cuidados médicos em Portugal, para quem vem de outros países. É também fundadora da Stuward Health. Foi diretora do MBA Lisbon, contando com mais de 20 anos de experiência em consultoria de gestão na Península Ibérica e na gestão de parcerias internacionais nos setores do Ensino Superior e da Saúde. É apaixonada por projetos desafiantes que envolvam transformações com pessoas e para pessoas.

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