Opinião

O decisor político perante novas ideias

Adolfo Mesquita Nunes, partner da Gama Glória

Durante os três anos em que exerci as funções de Secretário de Estado do Turismo, tive muitas oportunidades de contactar com empreendedores que, vendo no turismo uma oportunidade, me quiseram apresentar as suas ideias.

Conhecida a minha disponibilidade para os receber em reunião, conhecida a minha disposição para a disrupção, conhecida a minha vontade de inovar a forma como estávamos a trabalhar na promoção e na estruturação do destino Portugal, foram dezenas, acho que mesmo centenas, os empreendedores, de todas as idades, que recebi em reunião ou com quem me sentei a discutir.

Guardo boas memórias desses encontros, dessa inspiradora vontade de fazer diferente, mas não é delas que quero falar, porque não vejo utilidade nessa partilha.

Quero falar, isso sim, do lado de cá, do lado do decisor público, do político, daquele que tem o poder ou a capacidade de dizer que uma ideia interessa ou não, por muito injusta que seja essa decisão.

Talvez esse ato discricionário deste lado de cá, que pode ser pouco fundamentado, injusto, estúpido até, possa ajudar a explicar a razão por que tantas reuniões ou apresentações acabam por ser uma desilusão para os empreendedores.

Gostava de focar três pontos em particular: utilidade, valor acrescentado e capacidade de concretização.

Como decisor público que recebia dezenas e dezenas de ideias e propostas, rapidamente me apercebi de que ideias novas, aquelas verdadeiramente novas, não aparecem com frequência.

Pelo contrário, assisti a uma mesma ideia, supostamente nova, ser declinada em dezenas de apresentações diferentes, mais para a esquerda ou mais para a direita, por dezenas de grupos diferentes.

Isso é normal, as ideias geniais não surgem frequentemente, e nem só de ideias geniais vive a inovação. Vi muita gente em busca de ideias geniais, esforçando-se por elas, quando precisamos muito, talvez mais, é de ideias que, concretizando-se, sejam de utilidade relevante para os seus destinatários.

Durante aqueles anos, não me cansei de dizer: preciso de ideias úteis, mesmo que não sejam geniais.

Por outro lado, muitas das ideias que me eram apresentadas, podiam estar a ser apresentadas em qualquer outro lugar, a qualquer outra pessoa. Eram ideias novas, muitas delas boas, mas pouco me diziam sobre qual o valor acrescentado que delas poderíamos retirar.

Não falo apenas da sua utilidade, mas do valor acrescentado que elas podiam trazer. O que ganharia ou pouparia o Turismo de Portugal com essa ideia? De que forma ela se casava com aquilo que já estávamos a fazer? Como se inseria essa ideia na nossa estratégia? O que é que deixaríamos de fazer, se a puséssemos em ação? Estávamos apenas perante uma boa, até útil, ideia, ou perante uma ideia que trazia real valor acrescentado?

Estas perguntas ficavam muitas vezes sem resposta, como se a ideia se bastasse por si própria, na sua bondade e inovação. E sem essa resposta, a reunião não terminava de forma produtiva.

Por fim, o que muitas vezes diferenciava as ideias, e aquilo que contava, era a sua capacidade de execução, ou a disponibilidade para o efeito.

Um decisor público não procura apenas ideias novas, procura ideias que possam concretizar-se: o sucesso pode ser um tiro no escuro, a convicção da sua concretização, não.

E a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, as ideias que me eram apresentadas, estavam ainda no plano das ideias. Não tinham qualquer plano de execução, indicativo que fosse. E isso é pouco, muito pouco, para um decisor público.

Ficam, pois, estas três ideias, nenhuma delas nova, mas espero que úteis, sobre o que espera um empreendedor quando apresenta uma ideia a um decisor político.

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Adolfo Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes é sócio da Pérez-Llorca Sociedade de Advogados, onde co-coordena o departamento de Direito Público e Regulatório. Nos últimos anos, tem-se dedicado aos temas de compliance nos mercados digitais e, agora, em particular ao relativo à inteligência artificial. Membro não executivo do Conselho de Administração da Galp, desde abril de 2019, é Lead Independent Director e vice-presidente do Conselho de Administração da Galp desde três de maio de 2023. É professor auxiliar convidado na Nova SBE, na Nova... Ler Mais..

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