Entrevista/ “As start-ups portuguesas de Saúde estão muito dinâmicas”

David Magboulé, fundador da LabToMarket

David Magboulé é um especialista na área da Saúde. O fundador da LabToMarket, uma organização que encurta a distância entre o lançamento das soluções de investigadores e o mercado, falou com o Link To Leaders sobre a eHealth Summit, o estado atual das start-ups de saúde em Portugal e outros temas.

A 3.ª edição do Portugal eHealth Summit decorreu entre 19 e 22 de março. O ponto de encontro mais relevante da área da Saúde nacional juntou agentes públicos (como os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e o Sistema Nacional de Saúde) a start-ups.

O evento contou também com vários oradores e uma Startup Village, onde era possível encontrar dezenas de equipas prontas a apresentar as suas soluções para os mais variados problemas. O fundador da LabToMarket foi um dos responsáveis pela vila dedicada à inovação.

Que balanço faz da eHealth Summit?
Foi excelente. Contou com as maiores empresas da Saúde em Portugal, decisores e stakeholders chave desta indústria – tanto a nível público, como privado. [Para além disto, contou com] meia centena de start-ups, palestras muito interessantes, sobre as últimas e as próximas tendências de mercado, com oradores nacionais e internacionais muito reputados.

Acima de tudo, é um evento onde se fica a par das últimas novidades e onde é realmente possível criar oportunidades de negócio. Com sete palcos, incluindo o Startup Village, existem poucos eventos desta envergadura em Portugal e é, sem dúvida, o maior evento nacional da área da Saúde.

(…) os próprios Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) têm um programa chamado “Spotlight” que, na última quarta-feira de cada mês, recebe start-ups (…)”

Sentiu alguma intenção da parte das entidades públicas presentes de utilizarem as novas tecnologias para melhorar o serviço prestado aos cidadãos?
Sem dúvida alguma. No próprio Startup Village tivemos vários administradores de hospitais públicos que não só mostraram exemplos da adoção de tecnologias inovadoras para uma melhor eficácia e gestão nos cuidados de saúde, como reforçaram a necessidade e aposta na inovação para poderem chegar a mais portugueses, de forma mais eficiente e sustentável.

Como foi apresentado no primeiro dia do Startup Village, os próprios Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) têm um programa chamado “Spotlight” que, na última quarta-feira de cada mês, recebe start-ups para perceber se as suas soluções são integráveis com o Sistema Nacional de Saúde (SNS).

“Nesta área, temos muitas start-ups em fase early stage ou mesmo embrionária, mas algumas já estão a ser um caso de sucesso na fase growth.”

As start-ups portuguesas desta área estão de boa saúde? Que novas ideias de negócio estão a surgir?
As start-ups portuguesas de Saúde estão muito dinâmicas! E isso notou-se neste eHealth Summit. Nesta área, temos muitas start-ups em fase early stage ou mesmo embrionária, mas algumas já estão a ser um caso de sucesso na fase growth, como é o caso da SWORD Health que conseguiu recentemente um bom financiamento e está focada no mercado dos Estados Unidos, ou da Tonic App que conseguiu vários projetos com multinacionais farmacêuticas e aposta no mercado espanhol e inglês como próximos passos.

A inovação em Saúde já não passa só por desenvolvimento de fármacos. Hoje em dia aposta-se cada vez mais nos medical devices, nos sistemas de informação, nas aplicações e em wearables, o que faz com que haja mais interessados e especialistas vindos de outras indústrias a quererem entrar neste mercado. Exemplo disso é a Blockbird Ventures, uma empresa que aposta na tecnologia blockchain para a proteção de dados na Saúde.

Como novas ideias temos também a Promptly Health que pretende apostar nos cuidados de Saúde e tratamentos mais personalizados, e que para isso estuda e recolhe dados sobre como os pacientes reagem a certos tratamentos e medicamentos. Uma indústria mais centrada nos pacientes e focada em resultados tem de recolher e tratar patient data e, por isso, a meu ver, estão no caminho certo.

Outra ideia inovadora é a da Elsie, que pretende ser uma plataforma marketplace para quem faz testes genéticos e para quem os pede. Tendo em conta a crescente democratização e fácil acesso a testes genéticos, a Elsie, preocupando-se com a proteção dos dados genéticos dos pacientes e a autenticidade dos testes e dos seus resultados, sobretudo da perspetiva clínica, quer elevar o standard neste mercado.

“A partilha de experiências pode ajudar as start-ups a estar melhor preparadas para este mercado, a antecipar e ultrapassar potenciais barreiras que possam surgir.”

Porque é que é importante reunir start-ups de saúde num único espaço?
Acima de tudo, para os stakeholders poderem encontrar, num único espaço, o que de melhor se tem feito ao nível da inovação.  Sabemos que, sobretudo em Portugal, pode ser difícil para uma empresa recém-criada chegar aos decisores e nesse espaço a “troca de cartões de visita” e apresentações é mais fácil.

Mas é também importante para a partilha de experiências. Todas as start-ups passam por momentos mais fáceis e outros mais duros, sejam eles devido a dores de crescimento, a oportunidades que surgiram ou devido a burocracias e regulações, o que é um dado adquirido neste setor. A partilha de experiências pode ajudar as start-ups a estarem melhor preparadas para este mercado, a anteciparem e ultrapassarem potenciais barreiras que possam surgir.

Outro ponto relevante é a criação de potenciais sinergias. Existem cada vez mais tecnologias complementares e certas start-ups podem juntar forças na sua forma de abordar o mercado ou chegar a certos clientes. E até com start-ups de outras indústrias: acreditamos em cross-industry innovation e foi por isso que trouxemos a GEMA e a Nudge Portugal ao Startup Village para apresentarem as suas soluções, que são muito aplicáveis neste setor.

“A troca de experiências com outros players, a partilha de informação com experts e estar a par do que se passa na indústria é crucial para ter maior consciência das regulações, das classificações dos produtos, dos valores associados à burocracia necessária e, assim, garantir uma melhor e mais eficiente entrada no mercado.”

Ao contrário das start-ups de outras áreas, as de saúde não se podem dar ao luxo de abordar o mercado da mesma forma. O move fast and break things não se adequa à saúde. Que precauções é que este tipo de projetos têm de ter antes de chegarem ao mercado?
Como disse, a inovação já não passa só pelo conceito de novos fármacos. Existem soluções inovadoras nesta indústria, baseadas em plataformas e sistemas de informação que conseguem penetrar no mercado e ter um impacto enorme nos pacientes e consumidores em muito pouco tempo, e que não precisam de passar por todo o processo de regulação habitual.

Devido ao avanço e rápida evolução das novas tecnologias, que estão cada vez mais associadas ao mercado da Saúde, o próprio INFARMED, a Agência Europeia de Medicamentos e a Food and Drugs Administration têm, ainda hoje em dia, dificuldade em saber como as devem regular e classificar.

Mas para evitar mais barreiras ou burocracias desnecessárias – o que pode causar surpresas e adiar o time-to-market das soluções e produtos – é recomendável as start-ups apoiarem-se em serviços legais competentes e com experiência no mercado da Saúde e que estejam a par das últimas atualizações legais neste campo.
Mais uma vez, a troca de experiências com outros players, a partilha de informação com experts e estar a par do que se passa na indústria é crucial para ter maior consciência das regulações, das classificações dos produtos, dos valores associados à burocracia necessária e, assim, garantir uma melhor e mais eficiente entrada no mercado.

Um estudo europeu concluiu que mais de metade dos unicórnios de healthtech não têm provas científicas independentes dos produtos que vendem. Para os investidores que estão interessados em entrar na área, que sinais devem procurar para saber se as equipas têm (ou não) uma solução inovadora?
Não descartando a importância das provas científicas, acima de tudo, na minha opinião, o que um investidor deve procurar é se existe mercado para a solução apresentada, o chamado product-market fit. E isso passa por garantir que a start-up validou a solução junto do mercado, seja através de um piloto que tenha sido executado e os seus resultados, de estudos de mercado onde é visível o voice of customer e potencial procura dessa solução, ou até de acordos ou interesses de potenciais clientes – sejam eles farmacêuticas, empresas de medical devices ou prestadores de cuidados de saúde – já confirmados.

Mas para assegurar a veracidade científica, o facto de a solução ter nascido de uma equipa de investigação universitária com renome e experiência na área, de terem sido realizados ensaios clínicos em contexto adequado ou a acreditação/classificação reconhecida pelas entidades reguladoras, são argumentos que podem dar uma maior segurança à solução e, por conseguinte, ao investidor.

Já serviu de mentor em várias iniciativas de aceleração/incubação de start-ups. Quais são as barreiras e os erros mais comuns que os fundadores de projetos de saúde cometem?
A maior parte dos projetos da área da Saúde que tenho encontrado nascem do entorno académico. Isso faz com que existam duas barreiras, diria, quase naturais: a falta de conexão à realidade da indústria e, acima de tudo das necessidades dos pacientes, mas também um apoio escasso da parte das universidades – e claro, existem exceções – na comercialização das soluções. Isto passa pelo apoio na estratégia de propriedade intelectual, na negociação de royalties, na procura de opções de financiamento e também na providência de ferramentas de marketing para que o produto ou serviço seja adequado às necessidades do cliente final.

Mas, acima de tudo, os pontos de melhoria são sem dúvida a validação do conceito no mercado ouvindo os targets principais, conhecendo o entorno regulatório, pesquisando bem se existe concorrência – e estudando-a para não cometer os mesmos erros -, e ter um plano financeiro bem estudado e maduro na sua estrutura e no que diz respeito à estratégia de crescimento.

“O que tem faltado, a meu ver, é uma maior ambição das start-ups: correr o risco de abandonar a investigação e/ou o ensino, que traz uma segurança financeira, para se dedicarem a 100% ao seu projeto empreendedor.”

O que é que estas start-ups podem fazer para aumentar a sua esperança média de vida?
Para além dos pontos referidos, e quero reforçar a prova de conceito e a concorrência – até porque num mundo globalizado como o que vivemos hoje, podem existir as mesmas soluções na Índia, na China ou em qualquer outro país de uma realidade mais remota, mas que possa ter maior capacidade de chegar até à Europa – é importante definir uma estratégia de crescimento sustentável. Portugal não deixa de ser um mercado pequeno, ou um mercado de teste, e qualquer start-up ambiciosa tem que pensar em soluções globais e na conquista de novos mercados.

Concretamente, criar uma equipa multifacetada, também com pessoas experientes e bagagem internacional pode sem dúvida ser uma mais-valia. Executar um piloto ou ensaio clínico num país estrangeiro também permite validar a solução noutro mercado e ganhar potenciais interessados.

Mas acima de tudo o que tem faltado, a meu ver, é uma maior ambição das start-ups: correr o risco de abandonar a investigação e/ou o ensino, que traz uma segurança financeira, para se dedicarem a 100% ao seu projeto empreendedor, e com a devida vontade de vencer tudo e todos, para chegar o mais longe possível.

Em relação à LabToMarket, o que é que o levou a criar este projeto?
Sou formado em Biologia e com praticamente 15 anos de experiência internacional em todo o espectro da área da Saúde, como Pharma, Biotech e Medical Devices, em postos executivos de marketing, business development e estratégia. [Por este motivo,] quis colocar esta expertise em prática e apoiar-me na minha network global para ajudar Portugal e a Europa a comercializar ainda mais produtos no mercado da Saúde.

Em Portugal temos uma investigação em Life Sciences que é internacionalmente reconhecida, no entanto, não transformamos esse conhecimento em inovação, e isso, a meu ver, passa por registar patentes e lançar produtos e serviços no mercado.

Antes de lançar a LabToMarket estive num evento de inovação em Saúde e ouvi falar pela primeira vez sobre pedidos de patentes provisórias (PPP), que custam perto de dez euros e permitem um período de 12 meses até a decisão de avançar com o pedido de patente oficial mantendo a prioridade inicial (data da PPP). Nesse momento, percebi que pelo menos 80% dos nossos investigadores desconheciam essa informação e foi aí que soube que tinha de lançar a LabToMarket e tentar simplificar e apoiar os interessados no processo de inovação.

“Existem inúmeras iniciativas que podem ajudar a aproximar o mercado da academia.”

Ainda existe um gap muito grande entre a academia e o mercado? O que é que pode ser feito para diminuir esta lacuna?
Sem dúvida que a academia precisa de aproximar-se do mercado. Temos casos de sucesso em vários pontos do país onde existe uma clara ponte estabelecida entre a universidade em questão e a indústria. No entanto, é preciso mais.

Acima de tudo, é imprescindível ter pessoas nas unidades de transferência de tecnologia com experiência de mercado, e não só com conhecimento da parte legislativa. Para transmitirem as necessidades do mercado aos investigadores e para avaliarem, em primeira mão, o potencial de um projeto de investigação e a sua aplicabilidade no mercado.

Essas unidades podem e devem ser mais proativas. Existem inúmeras iniciativas que podem ajudar a aproximar o mercado à academia, como por exemplo sessões informativas onde tanto a indústria, como os prestadores de cuidados de Saúde e até as associações de pacientes podem explicar aos investigadores as suas necessidades, o seu dia-a-dia, os seus painpoints; workshops de marketing e de tendências de mercado; programas de open innovation entre a indústria e a academia; partilha de experiências entre start-ups que nasceram do entorno académico – as chamadas spin-offs – e investigadores servindo como fonte de inspiração; entre muitas outras.

Existem de facto várias instituições e universidades que executam algumas destas ações, mas deveria ser muito mais generalizado e recorrente em todo o país.

O que é que a LabToMarket faz, na prática, pelas organizações que pedem os seus serviços?
A LabToMarket pretende ser uma one-stop-shop para a inovação em Saúde e ajudar os investigadores a serem mais empreendedores e lançarem as suas soluções ao mercado.

Através da nossa rede global de contactos e experts na indústria da Saúde, queremos ajudar as start-ups e empresas do setor a crescerem e aumentarem as suas vendas. Em concreto, temos feito, [entre outras iniciativas], formações com universidades e incubadoras em várias temáticas como Estratégias de Propriedade Intelectual, Comercialização de Produtos e Soluções em Life Sciences, Marketing e Comunicação, Técnicas de Pitch, Técnicas e Estratégias de Venda.

Temos ajudado start-ups através de consultoria em estratégia de marketing e internacionalização, a entrarem em mercados estrangeiros, apoio no business development das suas soluções, e a conseguirem financiamento com fundos que têm experiência neste setor.

Já têm um ano e meio de atividade. Que resultados tiveram até agora?
Hoje em dia, colaboramos com cinco das maiores universidades do país, vários parques de ciência e tecnologia, somos parceiros de inovação da Associação Nacional de Estudantes de Engenharia Biomédica (ANEEB), já apoiámos sete universidades internacionais, estamos associados a várias incubadoras e a programas de aceleração nacionais e internacionais, e acima de tudo, já ajudámos mais de 20 start-ups portuguesas e mais de dez estrangeiras no seu crescimento. E o objetivo é aumentar estes números e garantir, assim, um ecossistema robusto, eficiente e facilitador para que tenhamos cada vez mais casos de sucesso.

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