Entrevista/ “Conseguimos reciclar 99% de todos os resíduos que recolhemos”

Nuno Matos, diretor-geral da Eco-Oil

“Esperamos que as organizações e empresas continuem a procurar respostas para a sua sustentabilidade e menor impacto ambiental, acelerando a transição energética em Portugal”, afirma Nuno Matos, diretor-geral da Eco-Oil, em entrevista ao Link To Leaders.

A Eco-Oil é uma empresa portuguesa que produz um fuel sustentável para a indústria e afirma-se na dianteira da transição energética, recuperando resíduos poluentes para produzir um fuel certificado, utilizado, por exemplo, na produção de lacticínios e de papel. Em 2021, conseguiu reciclar 99% de todos os resíduos que recolheu, evitando a emissão de 96 mil toneladas de CO2 na atmosfera.

Nuno Matos, diretor-geral, fala das dificuldades inerentes à transformação cultural das empresas nesta matéria e dos planos da Eco-Oil para os próximos tempos.

Qual a oferta da Eco-Oil para o mercado?
A Eco-Oil comercializa fuel óleo sustentável para a indústria, produzido a partir de resíduos de hidrocarbonetos que recuperamos dos navios-tanque. Temos como ambição auxiliar as empresas no setor industrial a conseguirem acelerar a sua transição energética, contando para isso com um fuel sustentável, com maior rendimento e com menor impacto no ambiente.

“(…) conseguimos reciclar 99% de todos os resíduos que recolhemos”.

Ao longo de 22 anos de atividade, de que forma é que a Eco-Oil tem contribuído para acelerar essa transição energética?
Em primeiro lugar, a atividade basilar da Eco-Oil tem permitido preservar o meio ambiente pelo trabalho de recolha e tratamento de águas contaminadas em navios-tanque. Antes de entrarem no estaleiro da Lisnave para reparação, os navios devem estar livres de resíduos, que pela sua natureza tóxica e inflamável e explosiva devem ser encaminhados para a Eco-Oil e não os descartando incorretamente no mar.

Em segundo lugar, tendo como referência o ano de 2021, conseguimos reciclar 99% de todos os resíduos que recolhemos. A água é tratada e devolvida ao mar, livre de quaisquer elementos tóxicos, e os hidrocarbonetos atravessam diferentes fases de processamento para criar o nosso fuel sustentável EcoGreen Power. O restante 1%, como areias ou lamas não passíveis de reciclar, é encaminhado para aterro especializado, evitando a poluição do meio ambiente.

E atualmente, como estão a desempenhar essa tarefa?
O propósito é claro, continuar a auxiliar a descarbonização da indústria e a contribuir para um futuro energético sustentável. A certificação que alcançámos em 2022, o ISCC Plus, comprova que o processo de produção do EcoGreen Power emite menos 99,75% de CO2 para a atmosfera, em comparação com um fuel de refinaria, o que significa que as indústrias que utilizem o nosso fuel em detrimento de outro de origem fóssil estão a reduzir de forma significativa a sua pegada carbónica.

Quais são os vossos principais clientes?
Os nossos clientes estão no setor industrial e operam segundo um compromisso com a sustentabilidade dos seus processos e dos seus produtos. Fornecemos o nosso fuel sustentável, por exemplo, para as indústrias de lacticínios e de papel.

“É essencial que cada player no setor energético assuma o compromisso com um futuro mais sustentável e com a preservação do ambiente (…)”.

Em que geografias é que a empresa está atualmente?
Temos a nossa unidade industrial e terminal marítimo, junto à Lisnave, em Setúbal. Aqui, são rececionadas as águas contaminadas com hidrocarbonetos que são processadas e devolvidas ao meio aquático, os hidrocarbonetos recuperados são a matéria-prima para produzir o fuel.

Queremos sobretudo consolidar o EcoGreen Power como um fuel alternativo e sustentável para o funcionamento da indústria, contribuindo para a transição energética do setor e cumprimento das metas de descarbonização definidas pela União Europeia e para as próximas décadas. É essencial que cada player no setor energético assuma o compromisso com um futuro mais sustentável e com a preservação do ambiente, encontrando soluções e reforçando a economia circular neste processo.

Qual o papel que a tecnologia assume nos processos de transição energética?
É essencial continuarmos a procurar métodos e metodologias que nos permitam encontrar soluções ambientalmente viáveis, auxiliando a indústria nesta transição energética de forma coesa e sustentável. Graças à tecnologia disponível e inovação contínua, é possível hoje criarmos um produto com rigor e segurança, impactando diretamente a qualidade do nosso fuel. Com foco numa forte componente de automação dos processos, conseguimos reduzir a falha humana e contribuir para maior segurança das nossas equipas a operarem no local e do meio ambiente que envolve as instalações.

De alguma forma a inovação tecnológica portuguesa pode marcar a diferença, na cena internacional, no que respeita a ajudar a atingir as metas de descarbonização?
Sem dúvida que sim. A prova está no trabalho que desenvolvemos na Eco-Oil, em coordenação com a Academia, sempre em busca da inovação que nos permite continuar a otimizar processos e procedimentos, afinando o resultado final e permitindo-nos encontrar respostas disruptivas.

Mesmo em pequena dimensão, a Eco-Oil e o EcoGreen Power estão a contribuir para atingir as metas de neutralidade carbónica. Enquanto produtores de uma fonte de energia alternativa para a indústria, procuramos fortalecer o nosso papel para auxiliar as empresas neste caminho para a sua transição energética.

Importa igualmente que a Agência Portuguesa do Ambiente crie o quadro legal necessário para que estas emissões evitadas, através do consumo de EcoGreen Power em detrimento da alternativa fóssil, possam ser contabilizadas de modo diferenciado pelos nossos clientes.

“Existem muitas oportunidades a explorar para alcançarmos as metas de descarbonização definidas pela União Europeia”.

As empresas, organizações e instituições portuguesas estão a conseguir acompanhar os objetivos europeus em matéria de transição energética?
Existem muitas oportunidades a explorar para alcançarmos as metas de descarbonização definidas pela União Europeia. Conseguimos reconhecer que a sustentabilidade está no centro do discurso público e faz cada mais parte das preocupações das empresas. É fundamental compreender que a resposta para esta transição energética está num mix de alternativas, não numa solução única e unilateral. Com diferentes fontes sustentáveis, recicladas e renováveis, que nos permitem reduzir o consumo de energia fóssil, conseguiremos mais facilmente acelerar a mudança das nossas organizações nacionais, disponibilizando opções acessíveis e eficazes para a sua neutralidade carbónica.

Em termos do EcoGreen Power, e tomando-o como exemplo, podemos afirmar que toda a nossa produção é escoada para o mercado, não temos excedentes, o que confirma o crescente interesse por parte de clientes na indústria na transição energética da sua atividade.

No mercado nacional, quais os setores de atividade que apresentam maiores lacunas neste processo? O que fazer para ultrapassar isso?
Em termos gerais, todos os setores têm várias oportunidades de transformação neste processo rumo à descarbonização energética. É essencial que exista maior educação do público sobre tudo o que este processo de mudança envolve e capacitá-lo das informações mais atuais e corretas para auxiliar o seu consumo. Em simultâneo, deve haver maior apoio prestado aos produtores de energias alternativas com a perspetiva de diversificar a oferta e a disponibilização destas fontes sustentáveis.

O EcoGreen Power está no mercado em concorrência direta com os combustíveis fósseis e sem incentivos ao consumo, quer de natureza fiscal ou através da contabilização diferenciada das emissões. Apesar do EcoGreen Power ter as suas emissões certificadas, a forte redução de emissões não pode ser contabilizada no balanço das emissões anuais dos nossos clientes. Esta é uma situação que importa alterar, mas o pioneirismo associado ao facto do EcoGreen Power ser o primeiro fuel óleo sustentável do mundo pouco influencia a alteração do seu enquadramento legal.

O que esperam de 2023 neste setor de atividade? Mais inovação? Mais empreendedorismo? Mais apoio governamental…?
Este é um processo para construirmos a longo prazo, identificando de forma contínua o que deve ser melhorado, transformado, otimizado. Acima de tudo, esperamos que as organizações e empresas continuem a procurar respostas para a sua sustentabilidade e menor impacto ambiental, acelerando a transição energética em Portugal. Por outro lado, todos os combustíveis sustentáveis devem ter o mesmo enquadramento legal e quadro de incentivos. Repare, as indústrias incluídas no comercio europeu de licenças de emissão (CELE), e que têm obrigações de descarbonização, se consumirem o EcoGreen Power não poderão beneficiar da redução de 99,75%.

Em termos governamentais é urgente corrigir esta distorção, para que o EcoGreen Power possa contribuir de forma plena para a transição energética da industria e ajudar ao cumprimento das metas de descarbonização definidas pela União Europeia para as próximas décadas.

“É fundamental que as empresas e o Estado compreendam o valor que se gera ao assumir este compromisso com a preservação ambiental”.

Quais as metas da Eco-Oil em termos de entrada em novos mercados e de desenvolvimento de oportunidades de negócio e investimento noutras localizações?
Para já, o nosso foco está na consolidação do EcoGreen Power como fonte sustentável para a indústria, substituindo o combustível fóssil e contribuindo, por isso, para reduzir as emissões poluentes para a atmosfera. É fundamental que as empresas e o Estado compreendam o valor que se gera ao assumir este compromisso com a preservação ambiental e, por isso, continuaremos a responder aos clientes e a apoiar a sua transição energética, disponibilizando um fuel com menor impacto carbónico, mais rendimento na produção e aposta contínua na inovação técnica e tecnológica.

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