Opinião

Conhecer os clientes para lá do óbvio

Pedro Celeste, diretor-geral da PC&A

Sempre que nos debruçamos sobre as ferramentas de marketing e na forma como os clientes interagem com as marcas, é muito comum recorrermos a formatos estruturados e racionais, como se todo o processo de decisão dos clientes estivesse enquadrado num template.

Ora, na qualidade de clientes que todos somos, sabemos que recorrentemente estamos condicionados por variáveis que não estão inseridas em nenhum referencial, razão pela qual tomamos decisões inconscientes, para as quais a economia e, tantas vezes, o marketing não está desperto. É aqui que se enquadra o pânico, o entusiasmo momentâneo, a necessidade de imitação ou de rejeição.

Se as marcas compreendessem bem todo este fenómeno, toda a experiência do cliente ao longo da sua jornada seria mais eficaz, mais óbvia e produziria melhores resultados. E isso faz-se estando próximo dos clientes, promovendo a escuta e visão ativa, por forma a ajustar de forma contínua a interação com o mercado.

Em primeiro lugar, importa compreender até que ponto os critérios de segmentação estão ao nível do grau de customização exigido na gestão da oferta e da comunicação com clientes. É que é precisamente aqui que as plataformas das redes sociais têm vindo a dar cartas, uma vez que os estudos de mercado se fazem just in time, são gratuitos porque derivam dos inputs dos utilizadores e otimizam os algoritmos de forma constante. Assim que estas plataformas representem soluções de e-commerce (tendência generalizada e sem retrocesso), cada um de nós encontrará aí o seu consultor e coach individual, que lhe diz como treinar, o que ler, como poupar, para onde viajar e com quem namorar. Em última instância, um dia olharemos para o smartphone como um guia racional e espiritual, o único que “fala” a nossa língua e nos compreende.

Assim, conhecer os anseios e rejeições dos clientes é fundamental para perceber tendências, comportamentos, notoriedade, imagem, benchmarking, posicionamento, perfil de clientes, eficácia de campanhas de comunicação, etc… Mas isso não significa recorrer de forma constante a amplos estudos de mercado, muitas vezes onerosos e que servem apenas o curto prazo ou propósitos muito específicos. Mais de 90% das empresas não o conseguiria fazer.

E que dizer da aplicabilidade dos estudos de mercado a soluções que ainda não foram lançadas no mercado, ou seja, a de basear uma estratégia na opinião de uma amostra sobre um “produto ainda não existente”? Medir o futuro em probabilidade de sucesso é um exercício possível e desejável, mas que nem sempre produz resultados eficazes.

Na verdade, vários têm sido os casos de lançamentos de produtos que, não deixando de se basearem em estudos de mercado rigorosos, constituem verdadeiros flops, mesmo quando pertencem a empresas de altíssima reputação no domínio das marcas e do marketing (nos bens alimentares, no automóvel, nos telemóveis, etc…). Todos conhecem a história do nascimento e morte da New Coke, pela Coca-Cola.

Mais recentemente temos o caso da Google Glass, que investiu perto de 400M€ no seu lançamento em 2014, correspondendo a uma tendência de mercado que se mostrava infalível. Os estudos de mercado insuspeitos, que envolveram montantes muito relevantes não produziram os resultados expectáveis, uma vez que o retorno não superou 10% do investimento, passados oito anos. O que parecia ser um produto da moda que fazia parte da nossa indumentária diária não previu o medo da falta de privacidade e segurança.

Os clientes não sabem o que irão fazer até que lhes seja efetivamente dada a oportunidade de tomar uma decisão.

Em resumo, na interação via digital, seja na pesquisa ou na compra, as marcas estão mais aptas a configurar um portefólio adequado aos interesses do mercado. Se o digital não puder ser o formato de eleição para estudar profundamente os clientes, então a presença física junto dos mesmos, é fundamental. É assim que se marca a diferença na restauração, no turismo, no pequeno retalho, na imobiliária, na mediação de seguros e na grande maioria das empresas que operam em mercados B2B.

Porque não é apenas de racionalidade que se produz o ato de compra. Para quê deixar a influenciadores a tarefa que devia fazer parte de todos os embaixadores de qualquer marca? Ir mais longe no conhecimento dos clientes não é um desafio, é uma exigência de sobrevivência.

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Pedro Celeste

Pedro Celeste

Doutorado em Gestão pela Universidade Complutense de Madrid. Diplomado pelo INSEAD, London Business School, Wharton School, University of Virginia, MIT Management Sloan Management School, Harvard Business School, Imperial College of London, Kellogg School of Management de Chicago e IESE Business School. Na Católica Lisbon School of Business & Economics é Diretor Académico dos Executive Master in Management e coordenador do Programa Avançado de Marketing para Executivos, do Programa de Gestão Comercial e Vendas, do Programa de Gestão em Marketing Digital... Ler Mais..

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