Opinião
Um apanhado geral do que foi a primeira edição do Web Summit na cidade do Rio de Janeiro
O primeiro ano do evento na América do Sul, que tinha a expetativa inicial de apenas contar com 5 mil pessoas, conquistou uma marca histórica: 21.367 participantes, de 91 países, estiveram no Web Summit Rio – um recorde para um primeiro evento Web Summit. Os bilhetes esgotaram quatro semanas antes, algo que também nunca tinha acontecido noutras edições.
Em termos de números, o evento com 20 temas contou com 173 parceiros nos pavilhões (incluindo ASW, Spotify, JP Morgan, EDP, Oracle, Transfero, Itaú BBA, B3, Petrobras, Magalu, Renner, Carrefour); 974 start-ups em exposição, representando 28 indústrias; 743 membros de media (entre eles New York Times, Reuters, The Financial Times e BBC); 400 palestrantes (David Vélez, Chelsea Manning, Meredith Whittaker, Neil Patel, Ayo Tometi ou Ben Goertzel); 506 investidores de 21 países (Andreesen Horowitz, Headline, Grupo Valor Capital); e delegações comerciais de todo o mundo (Hong Kong, Suíça, Inglaterra).
Fiquei muito feliz por constatar que a edição no Brasil não ficou a dever em nada à edição que acontece em Portugal. A mesma organização, qualidade de sinalização, credenciação, palcos, stands e área de media estiveram presentes no Web Summit Rio sendo que diria que a edição no Brasil foi ainda melhor. Como havia menos pessoas, comparado com as 75 mil pessoas da edição na Europa, foi mais confortável caminhar pelos corredores e stands, conversar com start-ups, investidores e empresas.
O networking foi de altíssimo nível e todo o ecossistema de empreendedorismo, tecnologia e inovação esteve presente. Como disse Natalie Witte, da GR8 Ventures, VC focado em start-ups B2B e SaaS em estágio de growth, “eu e meus sócios conseguimos encontrar-nos com pessoas que se não fosse o evento, levaria alguns meses”.
Investimentos
De acordo com a PitchBook, a atividade de venture capital no Brasil vem crescendo neste primeiro quadrimestre de 2023; 139 negócios foram realizados no valor total de 177,9 milhões. de dólares. O Brasil superou o México em termos do número de negócios e financiamento, assumindo a liderança na América Latina. O Estado do Rio de Janeiro superou sozinho todo o fluxo de negócios realizados na Argentina. O ecossistema de start-ups do Brasil está a mostrar sinais de resiliência e crescimento, tornando-o num mercado atraente para capitalistas de risco e destacando a importância contínua do país como maior player no ecossistema de start-ups da América Latina.
Conversei com Daniel Izzo, cofundador e CEO da Vox Capital, fundo de investimentos voltado para negócios de impacto social e ambiental. “Vi muita start-up de saúde interessante e que não conhecia”, disse-me. Para ele, três coisas mudaram no mercado: a velocidade da realização do investimento está mais lenta, o tamanho do ticket está menor e o valuation está muito mais criterioso. Daniel vê a crise atual por um lado positivo; para ele a crise qualifica mais os founders, ficam apenas aqueles que são resilientes. O seu fundo possui R$ 200 milhões para investir em start-ups nas áreas de finanças, saúde, educação e clima.
Karime Hajar Alves, gestora de investimentos da BASF Ventures Capital para o Brasil e América do Sul, comentou que o grupo possui US$ 250 milhões para investir em start-ups do Brasil, Estados Unidos, Canadá, China e Índia. O foco está em start-ups que desenvolvem novos materiais, atuam nas áreas de digitalização, crédito de carbono, sustentabilidade e agricultura.
Já a RX Ventures, da lojas Renner, que estava com um stand num dos pavilhões, possui 155 milhões de reais para investimento nas start-ups do setor de retalho.
Camila Junqueira, da Endeavour, disse que hoje as start-ups estão no modo sobrevivência, quem precisa de capital está sofrendo. As rondas têm caído para metade. Algumas start-ups tem feito “inside rounds”, têm capitalizado com fundos que já estão dentro. Segundo Camila, “no Brasil tem que ser otimista porque há dinheiro nos fundos”.
Milena Oliveira, partner & co-founder da Volpe Capital disse que em 2021 havia 18 biliões de dólares para investimento, já em 2022 esse montante caiu para 8 biliões de dólares. Segundo ela, a diminuição da disponibilidade de capital ocorreu não só na América Latina, mas no mundo inteiro devido a vários fatores, entre eles o aumento dos juros. Por isso, nesse momento- aconselha que as start-ups procurem queimar menos caixa, consigam dinheiro com amigos e familiares ou façam M&A (que pode também ser uma solução).
“Hoje, os fundos procuram disciplina dos founders. Como estão a crescer? A que custo? Como está a caixa?”. Quando avalio uma start-up prefiro founders que tenham perfil técnico e de personalidade complementar.”
Tive a oportunidade de entrevistar Cintia Mano, CEO da COREangels (Europa, Latam, EUA e MEA), que achou as palestras ótimas, o conteúdo e a organização do evento boa, networking interessante e empreendedores bem amadurecidos.. E salientou que “o WebSummit Rio não termina no dia 4 de maio. Os contatos continuam”. Hoje, está interessada no segmento de Agritech (viu duas interessantes) e visitou duas investidas. O seu fundo possui de 100 a 200 mil euros disponíveis para start-ups que queiram ir para a Europa.
Start-ups
Entre as start-ups que estiveram presentes, conheci a BioEd Tech, uma start-up de biotecnologia focada em criar plataformas englobando hardware, software e matéria-prima para a impressão 3D de alimentos. Segundo Isabela Poley, atual COO da equipa, “o WebSummit agregou com ensinamentos e conexões potenciais para a geração de novos negócios e captação de investimentos”. Fundada em 2019, a BioEdTech possui hoje 11 pessoas na sua equipa e está a procurar investimento de 1 milhão de reais para a expansão das suas atividades.
Já a StarBem, healthtech fundada em 2020, no auge da pandemia, oferece teleconsultas pelo telemóvel. São 16 especialidades médicas, inclusive psiquiatria, psicologia e nutrição. Pela própria aplicação em apenas 30 segundos qualquer paciente consegue, gratuitamente, ter informações de como anda a sua saúde. A inteligência artificial mede o nível de stress e a pressão arterial, entre outros dados de saúde. No momento, a start-up está com uma ronda seed aberta de 5 milhões de reais. Segundo Leandro Rubio, CEO da Starbem, “o WebSummit foi uma experiência incrível, principalmente por causa das conexões que fizemos com investidores e empresas para ampliar as nossas parcerias e negócios”.
A Zero Waste Foundation (ZWF) é uma organização de impacto com a missão de construir o primeiro mercado de compensações ambientais descentralizado, confiável e escalável do mundo que pode “desintoxicar” e descarbonizar a economia global. Um mercado que pode chegar a 500 biliões de dólares em 10 anos. A ZWF está em estágio inicial com três anos, fechando uma ronda seed de 1,2 milhões de dólares, com avaliação de 12 mil milhões, onde já tem 90% do investimento. O seu objetivo é criar um novo ativo digital usando um processo de validação próprio para trazer escalabilidade, transparência e confiança para o crédito mundial de carbono e reciclagem. Segundo Marcelo Doria, co-founder & COO, “a experiência foi super positiva pela visibilidade da Zero Waste DAO, mesmo com o amplo leque de público e palestras. Mostrou -se bem eficiente para networking e principalmente para fomentar essas relações e ideias, pois na maioria das vezes ficamos todos focados no dia a dia e mesmo com pessoas próximas acabamos tendo dificuldade em parar para fomentar essas relações”.
O Banco do Brasil foi o anfitrião do espaço Women in Tech e durante o WebSummit anunciou a primeira call para o Startup Scounting, o seu programa de Corporate Venture Capital. Os investimentos são realizados através de Fundos de Investimento em Participações (FIPs), de acordo com a tese de investimento de cada fundo. O programa procura empresas inovadoras e em crescimento, constituídas em estágio Seed ou Série A; com equipas apaixonadas em resolver dores e problemas complexos, e que já possua clientes a utilizar os seus produtos e serviços. As inscrições estão abertas até ao dia 26 de maio.
Feedback dos participantes
Todos com quem conversei, brasileiros e estrangeiros, estavam muito felizes com o evento. Dov Bercovici, presidente & CEO da Discovery Centre International, baseada no Canadá, achou o WebSummit Rio organizado, a comida excelente e o mercado sofisticado. Disse-me que quando participa numa feira e consegue fazer um bom contato, considera que a feira foi um sucesso. No Websummit Rio ele fez sete bons contatos e estava surpreso e eufórico com o resultado.
Sunil Sharma, Managing Director da Techstars Toronto e co-host da Collision, achou o espírito empreendedor amigável e viu fit em comum entre empresas canadianas e brasileiras.
Vadyim Polianskyi, da DataArt, e Natalya Ustymenko, da Reteno, ambos ucranianos disseram-me que estavam muito felizes por terem encontrado brasileiros amigáveis que deram dicas para suas respetivas start-ups e para morar no Rio.
O prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, falou durante o WebSummit que quer tornar o Rio a capital da inovação na América Latina e que no ano que vem pretende dobrar o evento de tamanho. Sem dúvida, foi um “golo de placa” tanto para o WebSummit como para a cidade do Rio de Janeiro.
Que venha o Web Summit Rio 2024!
Curiosidades
Muitos não sabem, mas o Rio de Janeiro disputou ser a sede do evento com as cidades de São Paulo e Florianópolis. Participei ativamente com um grupo de empreendedores locais na noite em que fizemos o pitch para o Artur Pereira, VP Country Manager do Web Summit, para que a realização do evento fosse na Cidade Maravilhosa.
A Yuppy, start-up de eventos que fundei em 2016, foi o primeiro canal de media brasileiro a cobrir o Web Summit Lisboa. Cobrimos a feira durante quatro anos.
Ben Goertzel, founder & CEO da Singularity NET, é brasileiro! Ele nasceu no Brasil e com 6 meses se mudou com a família para os Estados Unidos.