Opinião
Como seria a nossa vida se o nosso PIB per capita fosse igual ao da Irlanda?
Foi notícia em alguns meios de comunicação social esta semana, que a confirmarem-se as recentes previsões da Comissão Europeia, 2024 ficará para a história como o ano em que a Roménia ultrapassará Portugal no ranking de desenvolvimento económico da União Europeia (UE). Os romenos deverão ascender ao 19.º lugar deste ranking, com o PIB per capita a convergir para 79% da média europeia. Portugal voltará a cair, para 20.º lugar, com um PIB per capita equivalente a 78,8% da média europeia.
Às vezes faço um exercício de pensar como seria o nosso país se tivéssemos o PIB per capita de um país rico, como por exemplo o da Irlanda, que conseguiu convergir e depois ultrapassar a média da EU100 (está nos 220% da média europeia). Penso, na prática, o que mudaria de facto nas nossas vidas? Por exemplo, no meu dia a dia em particular: Seria mais empreendedor? Dormiria melhor à noite? Faria mais turismo? Apostaria mais na minha formação? Teria mais tempo para fazer desporto e brincar com os meus filhos? Estaria mais satisfeito com a vida? Confesso que tenho mesmo muita dificuldade em imaginar.
No entanto, a OCDE tem um projeto que tenta precisamente responder a algumas destas perguntas, o OCDE Better Life Index, e tem publicado uma série de comparativos de desenvolvimento económico, e humano, nomeadamente com outros países europeus, considerando vários pontos, como sejam o rendimento, saúde, habitação, equilíbrio vida/trabalho, emprego, educação, comunidade, satisfação pessoal, participação cívica, e nível de segurança, que permitem traduzir de forma mais tangível no que é que se materializa este indicador económico relativamente hermético, como é o PIB por habitante.
A Irlanda, um país outrora relativamente pobre, com uma população de dimensão semelhante à nossa, de matriz católica, e tão ou mais periférico do que Portugal, afinal são uma ilha, sem ligações ferroviárias ou rodoviárias, que permitam escoar exportações por essa via, e até há pouco tempo tinham de viver com o anátema do conflito na vizinha Irlanda do Norte.
Neste comparativo, e de acordo como o OCDE Better Life Index, em quase todos os indicadores a Irlanda pontua melhor do que Portugal. De acordo com o indicador de habitação, viveríamos em casas com melhores condições e de mais divisões, com menos pobreza energética, dado que apesar de sermos um dos países europeus com mais horas de sol por ano, somos o terceiro onde se passa mais frio dentro de casa, e com um esforço financeiro mais baixo associado à sua compra, dado que com 30% de taxa de esforço, os portugueses têm a mais elevada da OCDE.
E quanto ao trabalho? Este talvez seja o indicador mais objetivo, se vivêssemos num Portugal mais rico como a Irlanda, teríamos trabalhos muito mais bem remunerados, dado que os rendimentos médios anuais por trabalhador em Portugal são de cerca de 28.500 euros, enquanto na Irlanda são de cerca 50.000 euros. Por esta razão o fluxo migratório da população ativa é favorável à Irlanda.
E como seria a nossa vida em comunidade? Isto é, será que o facto de sermos mais ricos nos tornaria necessariamente mais isolados e individualistas? Também neste indicador, que mede como seria a nossa vida comunitária, que fornece apoio emocional tanto nos bons como nos maus momentos, assim como acesso a empregos, serviços e outras oportunidades materiais. Este foi o indicador que mais me surpreendeu pela negativa, porque estava convencido que este talvez fosse um dos poucos benefícios do nosso modelo social, de remediados mas, ainda assim mais comunitários. Mas não há razão para pensar que assim seja, dado que em Portugal 87% das pessoas acreditam que conhecem alguém com quem podem contar em tempo de necessidade, que comparam desfavoravelmente com a Irlanda onde este número ascende aos 96%.
E como seria o nosso nível educacional? Indiscutivelmente, caso fossemos mais ricos, teríamos níveis educacionais muito mais elevados. Também aqui a nossa irmã atlântica nos dá algumas pistas, dado que na Irlanda 85% dos adultos, com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, completaram o ensino secundário superior. Em Portugal esse indicador encontra-se apenas nos 55%. Portanto, sermos mais ricos, também nos permite ter níveis de educação mais elevados.
E como seria a nossa participação cívica? Um indicador que mede o envolvimento das partes interessadas no desenvolvimento de regulamentos e leis, e a participação dos cidadãos nos atos eleitorais. E mais uma vez, as pessoas na Irlanda não são só mais ricas como têm um nível de participação cívica dos mais elevados da OCDE, que compara muito mal com Portugal, que tem o nível de participação cívica mais baixo só ficando à frente do Chile.
E como estaria a nossa saúde? Uma das áreas onde nos orgulhamos de ter “o melhor SNS do mundo”. Ora também aqui a situação não é famosa. A OCDE mede este indicador na conjugação de saúde auto-relatada e da esperança média de vida. Por exemplo, na Irlanda 84% das pessoas declararam estar de boa saúde, enquanto em Portugal apenas 50% respondem positivamente, e também por isso os dois países estão em lados opostos da tabela.
E como seria o equilíbrio vida/trabalho? No Better Life Index mede-se este equilíbrio pelo tempo dedicado ao lazer e aos cuidados pessoais e pelo número de empregados que trabalham jornadas muito longas. Aqui poderíamos ser levados a pensar que num país mais rico teríamos vidas menos ociosas. No entanto, as estatísticas não nos dizem isso, aliás, segundo o Eurostat, em nenhum outro dos países do oeste da Europa se trabalha efetivamente mais de 36 horas semanais, como acontece em Portugal.
Finalmente, um dos indicadores subjetivos mais curiosos é o da “satisfação com a vida” que mede a forma como as pessoas avaliam a sua vida como um todo e não os seus sentimentos momentâneos. Aqui os irlandeses, em média, dão uma nota de 7 numa escala de 0 a 10, enquanto os portugueses, sem surpresa mais taciturnos, dão uma nota média de 5,8, estando em 37.º lugar dos mais infelizes dos 41 países analisados, apenas à frente de países fora da UE, como a Federação Russa, Colômbia, Turquia e África do Sul.
Vou terminar com uma nota positiva que é o facto de termos indicadores de segurança e ambientais dos mais elevados da OCDE. Mas, porquê ficarmos por aqui, não podemos almejar a mais?
Numa conversa recente com uma amiga romena, e colega gestora de produtos digitais numa grande multinacional alemã, que tem um centro de desenvolvimento em Lisboa, onde é hoje diretora, descobri que se tinha licenciado em línguas na Universidade de Bucareste e que estava convencida que iria fazer carreira como professora de francês.
Essa opção, perfeitamente válida e meritória, mas que acabou por não acontecer dado que ela abraçou uma carreira internacional no sector das TIC, onde é muitíssimo mais bem paga, e quero acreditar, mais feliz, do que se tivesse ficado a dar aulas de francês numa qualquer escola secundária de Bucareste.
A dada altura, esta minha amiga conseguiu fugir à vida que lhe parecia destinada. Decidiu optar por outra carreira, especializar-se e complementar a sua formação. Ora, ela é exatamente a mesma pessoa, a sua essência individual não é diferente, mas numa das áreas existe grande dinamismo, procura e crescimento profissional, na outra, as opções são muito mais limitadas.
Eu quero acreditar que existirá num qualquer universo paralelo, um Portugal que fez como esta minha amiga romena, e optou por ser mais rico, e que por isso no global, os seus cidadãos beneficiam de melhores indicadores de vida do que nós temos, seja na saúde, na educação, na satisfação com a vida, com o equilíbrio vida trabalho, e na renda disponível, para fazermos as coisas que tornam as nossas vidas interessantes.
Não acredito no fatalismo de viver num país eternamente mais pobre em termos relativos com os seus congéneres ocidentais (e como se está a ver cada vez mais até com os de Leste). A história do desenvolvimento da Irlanda, que também é um país periférico, devia servir de exemplo de que é possível mudar – e que nós, enquanto povo, é que temos feito escolhas que determinaram esta via da pobreza relativa como opção política, e social, referendada pelos portugueses nos recentes plebiscitos, onde temos vindo a subscrever este modelo económico, um pouco como se a sociedade portuguesa estivesse com síndrome de Estocolmo com o modelo de governo vigente.