Opinião
Como gerir uma empresa e uma família? Sabendo jogar tetris.
Quando estamos a gerir uma start-up e queremos que ela seja líder de mercado, não podemos falhar. Quando essa empresa é liderada por uma mulher, queremos falhar ainda menos.
Existe um número reduzido de mulheres na indústria tecnológica e, embora esse paradigma se tenha começado a alterar, é importante não esquecer que um dos obstáculos criados no mundo do trabalho é, por exemplo, a maternidade. Gerir a família e apostar na criação de uma empresa não é fácil, independentemente do género, mas, quando é visto como uma barreira, as dificuldades são acrescidas, mas não impossíveis de ultrapassar.
“Como é que vou fazer isto?”. Perante este cenário, esta foi, talvez, a primeira questão que me ocorreu quando, em 2016, decidi criar a Didimo. Como gerir a carreira, a start-up, as equipas e a família? Percebi que, como num jogo de tetris, precisava de explorar uma estratégia para que todas as peças do dia encaixassem no lugar correto, devido à complexidade e logística de horários.
Percebi, em teoria, que a forma mais fácil de o fazer seria estabelecer um conjunto de regras claras no dia a dia, transformando todas as atividades caóticas num conjunto fixo de ações para que fossem mais fáceis de executar e eu conseguisse reagir ao imprevisível com mais rapidez. Por isso, partilho os princípios que me ajudaram a equilibrar a vida familiar com a criação da Didimo, para todos as mulheres e, claro, homens, que estejam a pensar criar uma empresa.
1- Definir as prioridades
Definir as coisas que nunca abdicaria torna a organização de horários mais fácil. Pessoalmente, nunca deixo de ir buscar os meus filhos à escola, é um momento chave para a nossa relação. É quando me falam com entusiasmo do seu dia, explicam o que aprenderam e eu partilho os meus desafios com eles. Por vezes, é nesta troca de ideias que consigo as respostas aos meus problemas, colocando as questões em perspetiva.
2- Desenvolver técnicas de concentração rápidas
O meu dia é dividido em vários encontros e eventos, sejam pessoais ou profissionais, pelo que, para maximizar a produtividade, criei a minha própria estratégia. Antes de colocar em pausa determinada tarefa, escrevo as palavras-chave que tenho em mente. O nosso cérebro é uma estrutura labiríntica e este processo ajuda a encontrar a sequência para os pensamentos.
3- Gerir expetativas, ser paciente e amável
Tanto em casa como no trabalho, é importante gerir as expetativas. Acredito que este é um dos fatores cruciais para criar relações duradouras. Os meus filhos ensinaram-me que muitas vezes é necessário mais tempo para explicar o meu trabalho e o seu impacto na vida de alguém. Tento envolvê-los no processo quando tenho que ir a conferências ou apresentar o projeto a alguém. As crianças têm sempre tendência para fazer perguntas mais acertadas e, na realidade, se eles não perceberem o que nós fazemos, não o vamos conseguir explicar a mais ninguém.
4- Comunicar eficazmente
Ao longo dos anos, tenho vindo a aperceber-me que, quanto mais depressa e de forma mais clara explicarmos como gostamos de ser tratados, mais transparente, fluida e direta a comunicação se torna. Não é responsabilidade dos outros adivinhar quais são os nossos gostos, pelo que esclarecer previamente facilita a comunicação, seja em casa ou no trabalho.
5- O tempo é tudo
É importante aceitarmos que o nosso calendário está em constante mudança. Por isso, para enfrentar esta inevitabilidade, devemos saber agir com rapidez quando um imprevisto acontece, saber delegar com clareza e, acima de tudo, confiar na nossa equipa. Quando nos rodeamos de uma equipa que percebe e apoia o nosso estilo de vida, torna-se mais fácil reagir a imprevistos. Construir um ambiente de trabalho com níveis elevados de confiança e empatia é a chave para sermos capazes de largar tudo, se necessário. Além disso, quando percebi que não conseguia estar em todo o lado ao mesmo tempo, o stress diminuiu, comecei a delegar mais, a confiança na minha equipa aumentou e, consequentemente, o tempo de qualidade passado com os meus filhos, família, amigos e equipa de trabalho aumentou drasticamente.
A magia do tetris está na forma de jogar e de fazer com que as peças encaixem perfeitamente umas nas outras. Atualmente, as soft skills necessárias para um negócio e conduzir a uma boa liderança – empatia, emoção – são características tipicamente associadas às mulheres, por isso, ser líder, mãe e mulher não tem de ser uma barreira. Na Didimo, acreditamos que as emoções e a empatia podem mudar o mundo digital, uma vez que conferem sentido às relações humanas e, na minha opinião, é esse o princípio base para o sucesso.
Professora, engenheira, mãe de dois filhos, fundadora e CEO da Didimo, Verónica Orvalho é uma empreendedora fascinada pelas muitas formas das pessoas comunicarem, aprenderem e partilharem conhecimento. Com mais de 14 anos de experiência na pesquisa e desenvolvimento de tecnologia em reconhecimento facial, criou a Didimo há dois anos para humanizar as relações online.
Recentemente, foi premiada com um “Women Who Tech Award”, em Nova Iorque, e com o “IBM Scientific Award”.