Como atrair mulheres para o setor tecnológico? Portuguesa, holandesa e macedónia da Mollie respondem.
Três histórias de vida, três percursos, três culturas e uma mesma empresa. Falámos com Femke Buijs, engenheira de software, Kristina Stojcik, engenheira de software e produto, e Raquel Rosa, gestora de produto da fintech Mollie, sobre como se adaptaram ao setor tecnológico ainda dominado por homens.
O mundo da tecnologia é hoje o mais promissor no que toca ao futuro da empregabilidade e do trabalho. De acordo com dados da União Europeia, em apenas dois anos, 45% dos postos de trabalho estarão relacionados com o ambiente digital. No entanto, o setor tecnológico continua a ser maioritariamente masculino, embora a tendência aponte para uma maior presença feminina a todos os níveis e para uma maior multiculturalidade – gerada pela abertura crescente dos mercados de trabalho ao exterior, que tem transformado as empresas em verdadeiras plataformas de encontro de nacionalidades.
A Mollie, fintech holandesa especialista em métodos de pagamento digitais que conta com uma equipa internacional de 500 profissionais, é disso exemplo. Com escritórios em Munique, Amesterdão, Bruxelas, Maastricht, Eindhoven e Berlim, decidiu entrar em Portugal no ano passado, após financiar-se com 665 milhões de euros, em junho.
Os seus serviços focam-se em soluções de pagamento digitais que, com recurso a um interface “simples”, oferecem “vários métodos de pagamento de maneira uniforme”. A empresa diz ter, atualmente, mais de 120 mil clientes na Europa.
Neste Dia Internacional da Mulher, o Link To Leaders falou com a holandesa Femke Buijs, engenheira de software, a macedónia Kristina Stojcik, engenheira de software e produto, e a portuguesa Raquel Rosa, gestora de produto da Mollie, sobre o que as levou a investirem na área tecnológica, como se adaptaram a um setor ainda dominado por homens e de que forma as suas culturas influenciam o modo como exercem atualmente as suas funções.
O caminho para a igualdade
“Uma história engraçada que partilho sempre está relacionada com os eventos de recrutamento em que participei durante o meu curso de programação. Estes eventos eram uma oportunidade para os estudantes estabeleceram contacto com equipas de recrutamento de várias empresas em Liverpool. Durante o primeiro evento em que participei, notei que muitos alunos vinham falar comigo e só mais tarde percebi que todos pensavam que fazia parte das equipas de recrutamento e não das de programação. Esta situação voltou a repetir-se em todos os eventos em que participei”, conta Femke Buijs, engenheira de software da Mollie.
Kristina Stojcik, engenheira de software e produto também da Mollie, e natural da Macedónia, revela que “estudar matemática e depois tirar uma licenciatura em ciências de computação significa que a maior parte das pessoas que nos rodeiam são homens. Sou uma pessoa extrovertida e sociável e como tal foi natural para mim fazer amizades e conhecer melhor os meus colegas. Continuo a ter a mesma postura perante qualquer grupo de pessoas e, a partir daí, a transição para a vida profissional foi feita de forma tranquila porque já estava habituada a este ambiente”.
Já a portuguesa Raquel Rosa, gestora de produto, confidencia que a adaptação ao setor tecnológico, onde a presença masculina mais se evidencia, é uma realidade que continua a viver, “uma vez que tenho passado por vários setores e empresas que são predominantemente liderados por homens”.
Sobre o caminho para a igualdade no setor das tecnologias, Buijs traça “duas perspetivas. Por um lado, as mulheres e as raparigas jovens podem sofrer do síndrome do impostor, ou seja, sentir que não se pertence a uma indústria associada a homens. Por outro lado, empresas em todo o mundo estão ativamente a recrutar mais mulheres nas áreas de engenharia para aumentar a sua diversidade. A ideia de que as mulheres não trabalham em programação já está obsoleta e tornou-se muito mais fácil para as mulheres terem sucesso, porque sentem que há espaço para elas e que também pertencem a este mundo. O segredo? Parem de pensar que não pertencem a este setor ou que não sabem tanto quanto os outros. Pertencem! E sabem tanto quanto eles!”
Kristina Stojcik defende que há espaço para todos neste mundo, apesar de ser mais difícil para as mulheres “vingarem”: “É mais difícil em comparação com um homem por causa dos preconceitos relacionados com o género que ainda existem. A boa notícia? Não é assim tão difícil. Não há um segredo concreto para o sucesso porque todas as pessoas são diferentes e adaptam-se ao seu ritmo, mas o meu conselho para uma rapariga que esteja a começar no mundo das tech é ter curiosidade, acreditar nas suas capacidades e aproveitar as oportunidades que nos dão. A indústria está a crescer muito rápido e há espaço para cada pessoa crescer e ser bem sucedida”.
Por sua vez, Raquel Rosa, gestora de produto da Mollie, é perentória a afirmar que “não acredito que haja fórmulas mágicas que ditem o sucesso de alguém, tendo em conta o setor onde trabalha, género, raça ou idade, ou outro critério. Receitas que tenham funcionado para algumas pessoas podem não funcionar para outras. Acho que a vontade de sucesso tem que ser um processo interior e tem que nascer de um processo de introspeção de cada indivíduo. Até porque a definição de sucesso é diferente de pessoa para pessoa. E até pode ser diferente dependendo da fase da vida em que nos encontramos. Este processo de introspeção deve ser contínuo e não estanque no tempo”, adverte.
Uma só empresa, mas um encontro de culturas
“O facto de as sociedades estarem a tornar-se cada vez mais multiétnicas, multiculturais e multirreligiosas é bom. A diversidade é uma força, não uma fraqueza”. A frase é do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e resume a importância cada vez maior que uma estratégia de diversidade e inclusão pode ter nas organizações. A implementação dessa estratégia, que deve responder aos conceitos de diversidade e inclusão, é hoje vista como um fator de crescimento, de evolução e tem um impacto positivo na produtividade e desempenho financeiro das empresas.
O estudo da consultora de recrutamento Michael Page, “8 Tendências Executivas para 2019”, conclui que a diversidade é uma estratégia inteligente de negócio, que contribui para a evolução e lucro das empresas. Os dados apontam ainda para um crescimento de cerca de 19% das receitas nas empresas que são constituídas por equipas de direção mais inclusivas e os resultados positivos sobem para 60% quando a tomada de decisões é feita por equipas de gestão diversificadas.
A engenheira de software da Mollie Femke Buijs afirma que “não tenho a certeza se se pode definir o trabalho de uma pessoa pela sua cultura ou nacionalidade. No entanto, se tivesse que escolher, diria que o povo holandês é bastante direto e é assim que eu trabalho: exprimo as minhas opiniões e faço tantas perguntas quantas as necessárias para compreender algo”.
Já Kristina Stojcik, engenheira de software e produto da Mollie, reconhece a importância de formar equipas diversificadas: “Eu sou macedónia e como qualquer pessoa do sul da Europa considero-me uma pessoa empática e criativa. Consigo mais facilmente exprimir-me artisticamente e compreender o que as pessoas à minha volta estão a pensar. Sou bastante mais extrovertida que os outros engenheiros e consigo colmatar algumas dificuldades que ainda há na comunicação. Depois de muitos anos a trabalhar noutros países, acho fascinante como pessoas com traços de personalidade opostos conseguem formar equipas de alto desempenho e a razão pela qual isto acontece é porque todos oferecemos perspetivas diferentes sobre os mesmos assuntos”.
Também Raquel Rocha destaca a importância da multiculturalidade no seio das empresas e o aporte que cada uma pode, independentemente da sua nação, dar aos projetos. “Existem já muitas frameworks que trabalho que são utilizadas no setor tecnológico que se têm revelado muito eficazes em trazer inovação a um ritmo muito elevado. Estes métodos de trabalho são aplicados em todo o mundo e são a base de trabalho. Depois há sempre, claro, algum cunho mais pessoal que cada elemento da equipa aporta quando aplica estas metodologias, razão pela qual a diversidade nas equipas é muito importante, seja de género, nacionalidade, cultura, etc.”, conta, referindo que “a cultura portuguesa é uma cultura muito virada para a família, para a interação humana, para o espírito colaborativo e geração de empatia e tem sido esse o espírito que tenho trazido para as equipas com quem tenho trabalhado”.