Opinião
A combinação explosiva da tecnologia aliada ao toque humano

O tema do confronto entre a tecnologia e a humanidade é antigo. A dicotomia entre as vantagens da evolução que a tecnologia traz, e o medo do ser humano ser substituído, nas suas funções, por uma máquina tem sido amplamente discutida, tornando-se mais crítica nas áreas onde a presença do fator humano é relevante e, muitas vezes, basilar.
Nos dois setores que melhor conheço profissionalmente, a educação e a saúde, a análise destes dois posicionamentos é muito interessante e rica.
No ensino superior, o modelo do professor catedrático, num grande anfiteatro, debitando matéria e fazendo demonstrações complexas para uma turma de mais de 100 alunos, com os quais o professor não tem qualquer tipo de relação, num contexto onde a comunicação é unidirecional, já está obsoleto.
O bom professor universitário, hoje, dá acesso aos seus alunos à matéria teórica, através de vídeos e outras fontes que não requerem, para serem transmitidas, a sua presença física. O professor funciona muito mais como um facilitador da discussão e da síntese e conclusão das principais mensagens. Este papel não requer apenas, por parte do professor, um conhecimento mais sólido, para poder orientar a discussão em tempo real, sem a possibilidade de identificar previamente para onde irá a discussão. Requer também uma capacidade de interação e de relacionamento com os alunos, uma habilidade para ouvir e escutar e uma postura assertiva para poder coordenar as intervenções dos alunos, de forma a gerar conhecimento e aprendizagem.
Quando falamos de substituir professores por tecnologia, podemos, certamente, substituir os professores que apenas baseiam a sua aula em conceitos teóricos e demonstrações, pois esta informação pode ser veiculada utilizando tecnologia. E com várias vantagens: a económica – é mais barato – e a da flexibilidade – cada aluno pode ouvir a explicação o número de vezes que necessite, para processar a matéria.
Dificilmente a tecnologia poderá substituir um professor que faz uma aula interativa, baseada nas respostas dos alunos aos desafios que coloca, onde cada um partilha a sua experiência e a sua opinião e onde as conclusões podem diferir de grupo para grupo. E isto pode acontecer presencialmente ou on-line. A tecnologia já o permite desde há muito tempo. De facto, são os chamados “blended programs”, que combinam as aulas on-line para a aquisição de conhecimentos teóricos, com as aulas presenciais para a discussão dos casos e dos trabalhos dos alunos, os que estão a crescer mais no ensino superior e na formação de executivos.
Nos próximos anos, vamos ter menos professores nas universidades? Não, vamos ter professores com um perfil diferente. Nem todos os professores que temos hoje, vão conseguir adaptar-se a esta forma de ensino. As universidades que percebem este paradigma e que se estão a preparar para esta mudança, estarão à frente na corrida pela atração dos alunos.
Na saúde, não existem dúvidas sobre as vantagens que a tecnologia traz e pode trazer ao nível da eficácia, utilidade e poupança de custos, em inúmeras áreas.
Existem variados exemplos onde os benefícios da tecnologia são claros: os relacionados com as atividades que requerem grande precisão – por exemplo, as cirurgias complexas realizadas com o robot Da Vinci, as atividades rotineiras, como a desinfeção e limpeza de instalações hospitalares realizadas por robots, as situações que requerem grande força e energia, como os exoskeletons, que permitem às pessoas com deficiências motoras manter-se em pé e movimentar-se.
Há, contudo, uma fronteira entre os benefícios da tecnologia e o poder do toque humano, que não é interpretada da mesma forma por todos os que fazem parte do setor.
O caso dos “robots de companhia” que têm como objetivo aliviar a solidão dos mais velhos e que, atualmente, até são capazes de manter discussões básicas, como, por exemplo, sobre se o dono terá ou não tomado os medicamentos. Ou o caso da “estação de enfermagem” que realiza as funções de extração de amostras de sangue e de validação dos sinais vitais nos pacientes internados no hospital. Não será, certamente, melhor um ser humano a desempenhar este papel, quando for possível? Que eu saiba, até agora nenhum robot consegue transmitir o calor do toque humano que gera, na pessoa tocada, emoção, carinho, agradecimento pela companhia.
O desafio para a tecnologia existe exatamente nas situações em que a empatia e a relação interpessoal são os fatores determinantes para o desempenho da função. O poder do toque humano é um dos remédios mais efetivos. Há uma mensagem clara associada ao toque: a confirmação de que há alguém perto que se importa connosco.
Sei por experiência que, para qualquer bom médico, assim como para qualquer bom professor, a interação com os pacientes e com os alunos, respetivamente, é a base da profissão que escolheram e o motivo que dá sentido ao que fazem.
Recordo também alunos a me referirem, durante anos consecutivos, os professores que mais lhes tinham impactado e com os que mais tinham aprendido. Eram quase sempre os mesmos. Estavam sempre disponíveis para ajudar os alunos, davam aulas extraordinárias, bebiam café com eles, estavam próximos e disponíveis.
Na área da saúde, lembro-me do caso de uma cliente holandesa, à qual proporcionei acesso a uma consulta com um especialista português. Quando a consulta acabou, perguntei-lhe como tinha corrido e ela só disse: “It was awesome! He looked into my eyes and touched my hand!”. Não me falou do tratamento. Estava impressionada, porque o médico, simplesmente, se tinha comportado como um ser humano preocupado com ela.
Na relação tecnologia-humanidade, como em quase tudo na vida, é necessário bom senso e capacidade de adaptação. Não é só tecnologia ou só humanidade. São as duas juntas, a colaborar para um mundo melhor e, por enquanto, somo nós, humanos, a decidir o que é um mundo melhor.