A colombiana que se tornou no anjo da guarda dos doentes com cancro

Juana Ramírez, uma colombiana de nascimento e mexicana por adoção, fundou a Sohin, um sistema de acompanhamento para doentes com cancro e as suas famílias, que procura reduzir o stress e os custos associados à doença.

Uma das caraterísticas que todos os empreendedores têm em comum é a sua capacidade de se sobreporem à frustração e de retirar valor dela para realizar a sua paixão. Foi precisamente o que ocorreu a Juana Ramírez, uma colombiana de nascimento e mexicana por adoção, que criou a Soluciones Hospitalarias Integrales (Sohin). Trata-se de uma start-up que, em oito anos de vida, transformou o mercado da saúde do México, colocando o doente no centro da solução. Além disso, já começou a operar na América Latina.

Mas, o que torna o modelo da Sohin especial? Trata-se de um sistema integral de acompanhamento e orientação para as pessoas que padecem de uma doença crónica (cancro, artrite reumatoide, esclerose múltipla, hepatite B e HIV), com o intuito de obterem atenção médica especializada. Inclui ainda apoio emocional e estudos genéticos de categoria mundial.

Desta forma, evitam-se gastos, estudos, protocolos e até tratamentos desnecessários e contraproducentes. A empreendedora afirma que, com o modelo que desenvolveu, atender um doente com cancro de mama custa 30% menos para o Estado. E o gasto não é pequeno: segundo números oficiais, o México destina 56.280 milhões de dólares (47.615 milhões de euros) para tratamento do cancro, e o mais preocupante é que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que um em cada três mexicanos terá um diagnóstico desta doença ao longo da sua vida. Além disso, a população mexicana começa a envelhecer, e é precisamente este segmento da população aquele que pode sofrer mais de doenças crónicas.

De 2009 até à data, a Sohin atendeu mais de 11.500 doentes com cancro (160 mil casos são diagnosticados em cada ano, segundo a Secretaria da Saúde daquele país), cujos dados serviram para criar o banco mais preciso e melhor organizado de informação oncológica do país.

Foi só em abril passado que a Câmara de Senadores aprovou a criação do Registo Nacional de Cancro, que conterá a informação do doente e o tumor, incluindo a data de diagnóstico, localização anatómica, incidência e estado da doença; a histologia do tumor e o seu comportamento, além do tratamento que foi aplicado e informação de cura e sobrevivência, entre outros.

Mas para chegar houve um longo caminho a percorrer. A empresária teve que derrubar vários muros: primeiro, convencer os diretores das grandes seguradoras e farmacêuticas para que acreditassem no seu projeto; administrar bem os seus recursos para operar dia a dia sem nenhum tipo de financiamento e encontrar a forma de se manter num processo constante de aprendizagem acelerado, o que lhe permitiu tornar-se numa líder na sua indústria.

“Juana tem sido uma pessoa com muita humildade para receber conselhos e conta com duas qualidades fundamentais: sabe qual é a missão a que se propôs na vida e, além disso, tem a capacidade de se movimentar, mudar, iterar, enganar-se e recomeçar”, afirma Vincent Speranza, diretor geral da Endeavor México.

Hoje a sua ambição é muito maior do que a que tinha no início do seu projeto, quando se focava unicamente na atenção aos doentes com cancro de mama, diz Jimena Labbé, Health Community Leader da Endeavor México. “O seu potencial de crescimento é exponencial, porque o seu modelo pode replicar-se em muitos países e sistemas de saúde, e no México pode continuar a crescer, desde que continue a trabalhar com o setor público”, acrescenta.

Desafiar a indústria

A sua principal mais-valia foi ter estudado o seu setor em profundidade, considera Speranza. No seu país natal, esta psicóloga de profissão passou 12 anos a trabalhar na indústria farmacêutica, de inovação, de genéricos e até no programa de HIV, cancro e hemofilia que a ONU pôs em marcha na Colômbia.

A colombiana é o melhor exemplo de que, em primeiro lugar, é preciso conhecer bem a sua indústria sob diferentes ângulos. “É aí que melhor detetas as oportunidades e necessidades que não são atendidas e que mais inovação vemos”, diz este diretor. “É a partir desse ponto que podes gerar uma proposta inovadora, isto é, algo que ninguém tenha feito antes, ou melhorar um processo existente, que é onde mais inovação observamos”, diz Speranza.

Chegar a este processo de inovação e disrupção nem sempre se consegue de maneira consciente, reconhece o especialista, mas existe sempre uma intenção clara de desafiar um setor que conhecemos. E no caso de Ramírez, sempre esteve presente, inclusivamente quando uma situação pessoal a obrigou a sair do seu país.

Com uma mala debaixo do braço e um visto por 15 dias, a empreendedora chegou ao México em 2005. “Tinha 100 dólares [84,56 euros) para recomeçar e uma proposta de uma empresa no correio”, recorda Ramírez. O medo não a paralisou e aceitou. Tratava-se de uma empresa de grande especialidade oncológica, onde trabalhou durante três anos.

Ao analisar toda a sua experiência, deu-se conta de que em todos os setores relacionados com as doenças crónicas os objetivos não se centravam no doente. “Se fores a uma instituição de saúde, quase todas te dizem que o doente é o mais importante, mas quando te sentas em reuniões estratégicas fala-se de caixas, números e cirurgias, quando se trata de pessoas com nome e apelido”, explica a empreendedora. O pior é que no México somente 5% dos doentes têm acesso a tudo o que existe para os atender, isto é, diagnósticos e medicamentos de última geração e hospitais de alto nível.

Depois de várias tentativas falhadas para pôr em marcha um modelo de concierge dentro das empresas em que trabalhou, Ramírez decidiu fazê-lo por sua conta. “Naquele tempo, as empresas não estavam tão abertas a identificar intrapreneurs e abraçar a inovação”, lamenta. Perante esta impossibilidade, vendeu o seu automóvel e com 89 mil dólares (cerca de 75 mil euros) no bolso arrendou um escritório na colónia del Valle para montar o seu projeto.

Foi apoiada nesta aventura pelo seu irmão e uma secretária. No primeiro ano, faturou 2 milhões de dólares (1,7 milhões de euros), que reinvestiu. Nos primeiros três anos trabalhou como empreendedora a meio tempo, porque não encontrou instituição que a financiasse. De facto, não conseguiu nenhum crédito formal até 2015.

O que fez foi administrar bem os recursos, respeitar o dinheiro da empresa e reinvestir. “Até 2015, foi sempre um trabalho anónimo e de convencimento, para que as diversas empresas de diagnóstico genético europeias e dos Estados Unidos acreditassem que éramos um bom canal e começassem a experimentar o nosso serviço”, recorda.

O mais complicado foi conseguir o seu primeiro cliente. A GNP foi quem lhe permitiu fazer um piloto de Concierge entre 100 dos seus segurados. “Entendi então que não deves fazer negócios com quem precisa dos teus serviços, mas com quem acredita neles, porque se tens que ir a convencer, isso não vai funcionar”, afirma.

O mesmo se passou com a Axa, quando lançou a GENethics. “Nascia o serviço Concierge, a nossa razão de ser. Com este último garantimos o nosso modelo de medicina personalizada e individualizada”, diz Ramírez. Já com os dois serviços, pôr em marcha a Pharmacontrol, a articulação da entrega e aplicação dos tratamentos farmacológicos aos doentes foi um passo natural.

Mudanças pessoais e de negócios

A mesma transformação sofreu a sua estratégia de negócio, que no início estava focada 100% no B2B (business to business). A sua proposta chegava ao seu público aliada com seguradoras como a GNP, AXA e MetLife, que no México representam 70% dos segurados médicos do país (10 milhões de pessoas).

“As seguradoras entendem que o serviço lhes gera valor, não só para o doente, mas também para eles próprios, porque ao empoderar quem sofre, melhora a experiência no serviço e isto sempre gera otimização de recursos”, diz a empreendedora.

Outros clientes de Ramírez são a indústria farmacêutica e a médica – quando querem gerar um serviço de valor acrescentado – e recentemente o governo, com quem tem um programa piloto de Concierge, no interior de algumas instituições do setor público.

“Aí é onde realmente queremos chegar. Focámo-nos primeiro no setor privado, porque era a forma de demonstrar com estatísticas o facto de que o doente não só é melhor atendido, mas que gera poupança ao setor”, afirma Ramírez.

A partir deste ano, a Sohin abriu o seu modelo B2C (business to costumer), através do qual uma pessoa pode solicitar o serviço de Concierge para algum familiar e pagá-lo diretamente (1.500 dólares mensais – 1.268 euros/mês – é o custo do serviço mais caro, sem incluir os estudos genéticos). Além disso, abriu o Gold Services, focado em adultos mais velhos (65% deles têm uma doença crónica associada), aos quais além de lhes resolver casos de saúde, oferece apoio doméstico e de acompanhamento.

Mas ter este raciocínio não foi por acaso. A empreendedora mantém-se numa constante renovação através do estudo. Ela considera que há dois marcos na sua vida: o programa de alta direção que fez na IADE Business School em 2014, que a transformou de empreendedora em empresária, e o ano de 2015, quando se tornou empreendedora Endeavor.

Chegar a esta rede de mentores, cujo objetivo é, com os seus conhecimentos, apoiar empreendedores de alto impacto para fazer crescer as suas empresas, significou para Ramírez poder dimensionar o valor do seu projeto.

A partir desse momento, a empresária pôde fazer um mapa de rota para definir o seu futuro. Estabeleceu o seu primeiro conselho consultivo e em 2016 reestruturou a sua empresa, criando uma holding: Grupo Sohin. No ano passado, abriu operações na Colômbia e, em abril, na Argentina.

Também em 2016 a empresa entrou no seu primeiro processo de levantamento de capital. Em troca de 20% de participação, conseguiu uma injeção de capital que lhe permitiu crescer e investir no desenvolvimento de um software próprio. Neste ano ficará completa a ronda, focada no incremento da tecnologia de diagnóstico local e na expansão internacional. Hoje a empresa tem 100 colaboradores. “O que mais me apaixona é a minha empresa. O meu maior desafio é continuar a transformar o modelo de atenção ao doente”, diz. As expectativas são altas: chegar ao ano de 2020 beneficiando 100.000 doentes.

Como parte da sua estratégia de crescimento, Ramírez fez alianças com start-ups como a Aliada e a Tutor Doctor, e afirma que, se um empreendedor oferece algum serviço que a sua empresa necessita, terá prioridade sobre qualquer fornecedor de maior tamanho.

A sua visão de futuro é clara e sabe o caminho que deve percorrer: “Estou convencida de que, como empreendedores, temos a obrigação de trabalhar com outros empreendedores, porque não é suficiente que corra bem a um, mas devemos fazer equipa para que corra bem a todos”.

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