Opinião
Chega de falar de ética

Conta-se a história de que no Alentejo dois compadres discutiam com os amigos a honestidade. De repente, um diz para o outro: “Eu só conheço duas pessoas irrepreensivelmente honestas. Uma é aqui o meu compadre e a outra o meu compadre que o diga!”
De facto, temos muito a tendência de supra valorizar em nós as características mais positivas mesmo que não as tenhamos. Muitas vezes até sucede o contrário. Alguém que necessita constantemente de se anunciar como sendo muito honesto acaba por gerar desconfiança, isto porque ninguém obviamente se apresenta como sendo desonesto. Ser-se honesto é um pressuposto da relação social.
Vem esta conversa toda a propósito da situação que vivemos atualmente no mundo, na política e até nas empresas em que valores como sejam a honestidade, a verdade e a ética parece que se tornaram irrelevantes. Até diria que infelizmente o “parece” é bondade da minha parte. Temos situações, hoje- em-dia que roçam o inacreditável e que são imagem de uma podridão social sem precedentes. Achei por isso curioso todo o movimento em torno das próximas (quase longínquas) eleições presidenciais portuguesas. Estive a ouvir os vários candidatos que se apresentaram até agora e todos têm um discurso comum – a ética. Fazem todos questão de referir que são e serão inabaláveis na ética, dizendo que ninguém lhes poderá apontar nada, quer no passado quer no seu futuro desempenho presidencial. Mas que sentido faz esta obsessão? Procuram diferenciar-se de um status quo ou é uma necessidade intrínseca em apresentar valores que são por natureza óbvios, esperados e até implícitos da própria função?
A cena bíblica do fariseu que bate no peito a dizer a Deus que não é um pecador como os outros é uma referência histórica clara desta situação que me parece obtusa. O mesmo acontece, infelizmente, nas nossas empresas com as suas muitas vezes pretensas preocupações sociais, ambientais e locais que muitas vezes mais não são do que meras atividades de marketing para estar na moda.
Existem felizmente exceções que são muito honrosas. Estive há dias no lançamento de uma fundação em que o dono de uma grande empresa doou as suas ações a essa entidade, que tem preocupações ambientais, regionais, sociais e educativas. Devolver à terra e aos seus habitantes o que recebeu da terra e dos seus habitantes, segundo as suas palavras. Um exemplo talvez raro, mas real de alguém que prioriza a ética e os grandes valores sem precisar de estar constantemente a falar deles. É caso para dizer chega de falar de ética.
Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.