Opinião
Capitalização em tempos de crise
As empresas portuguesas têm um problema estrutural de subcapitalização. Como se pode observar no gráfico abaixo, mesmo depois do processo de intervenção da troika, o nível de endividamento das empresas não financeiras ainda se encontrava, em 2019, acima de 100% do PIB.
Esta situação resulta do facto de o processo de nacionalizações, ocorrido após o 25 de Abril, ter originado uma maciça destruição de capital de que até hoje nunca nos recompusemos. A crise de 2008 e os graves casos de má gestão e corrupção ocorridos no setor financeiro, com impacto em alguns das principais empresas, acabou

por cavar ainda mais essa situação frágil do capital empresarial em Portugal. Algumas políticas públicas associadas à utilização do mecanismo de garantia mútua, coberto parcialmente por garantia pública, permitiram que as empresas (PME) passassem a ter acesso a financiamento de médio e longo prazo, que tradicionalmente a banca não concede a esse tipo de empresas. Se é verdade que a solução não reduz os níveis de endividamento, ela tem o mérito de reforçar os capitais permanentes, ao não gerar uma pressão financeira imediata sobre a tesouraria das empresas.
Contudo, o problema de fundo subsiste: o baixo nível de capitais próprios da maior parte das empresas portuguesas.
Fala-se muito da utilização do mercado de capitais como forma de resolver esta debilidade. Porém, a solução do mercado de capitais não é compatível com a baixa dimensão de muitas empresas portuguesas. Os investidores não têm interesse em investir em ações de empresas de pequena dimensão onde a liquidez é nula e, por outro lado, os custos de transação e admissão à cotação em Bolsa não são compatíveis com a dimensão de PME.
Estamos nas vésperas de um novo quadro comunitário de apoio à economia reforçado com o pacote extraordinário de apoio aos efeitos da pandemia. Interessa, por isso, tirar o máximo proveito destes fundos para consolidar a vertente de capital das nossas empresas.
Tal implica ações concertadas que incluam:
a) Possibilidade de os apoios abrangerem empresas de média dimensão e incluindo as regiões de Lisboa e Porto;
b) Promoção de políticas ativas de discriminação fiscal positiva em operações de fusões e consolidação empresarial e vantagens fiscais para o investimento em títulos cotados;
c) Ações de campo para a promoção de processos de consolidação empresarial utilizando os vastos recursos públicos (IFD, PME investimentos e IAPMEI);
d) Criação de fundo de capitalização empresarial (com base em fundos públicos) que possa recorrer aos mercados de capitais para se financiar e que, por sua vez, efetue investimentos minoritários em empresas. Este fundo deverá ser gerido por profissionais independentes, selecionados em regime de concurso público.
A tentação de criar extensas listas de medidas é o pior caminho para provocar a sua ineficácia. Também há que ter em conta que as soluções de capitalização não passam por continuar a viver da ilusão do crédito barato – diria quase gratuito – por que tal não resolve o problema de fundo que é o do sobre-endividamento das empresas.
Naturalmente que neste processo haverá que se separar o trigo do joio. Isto é, empresas inviáveis terão necessariamente que sucumbir para dar lugar a novos projetos com viabilidade e onde a aplicação de fundos e de capital seja efetivamente geradora de valor para a economia e para a sociedade.








