Opinião
As pessoas não prestam? Ou fomos nós que deixámos de saber ensinar?
Há poucos dias, numa conversa com um responsável por uma grande cadeia de retalho de moda, este partilhava uma dor que me ficou gravada: “Há uma tendência entre os gerentes de loja para dizerem que as pessoas agora não prestam, não servem, e por isso têm de ser eles a fazer tudo”.
É curioso. Quanto mais evoluímos tecnologicamente, mais voltamos a culpar o fator humano. E isto acontece sobretudo em contextos de grande pressão, como o retalho, onde há metas diárias, equipas curtas e uma exigência constante de desempenho.
Mas será que as pessoas estão mesmo piores? Ou será que os líderes estão a liderar pior?
No retalho, esta perceção vem muitas vezes das próprias chefias intermédias, gerentes e subgerentes que enfrentam equipas jovens, muitas vezes com colaboradores em regime parcial e com diferentes níveis de experiência. Muitos desses líderes cresceram a “fazer” e continuam a ser avaliados pela capacidade de garantir resultados imediatos, não pela de formar equipas. É natural que, no meio do ritmo diário, ensinar pareça um luxo.
No retalho alimentar, liderar é muitas vezes apagar fogos com uma mão e servir o cliente com a outra. Mas é precisamente por isso que a liderança se torna decisiva. Não para eliminar o caos, porque ele faz parte, mas para dar sentido e método ao que se repete todos os dias.
Vivemos uma época em que muitos gestores carregam uma certa nostalgia moral: “No meu tempo é que se trabalhava”. “Eu comecei de baixo e ninguém me ensinou”. “Agora é tudo sensível e preguiçoso”. Esta narrativa levanta uma questão: será mesmo que o problema está nas pessoas, ou estará na forma como procuramos orientá-las?
Talvez a geração atual não seja menos capaz, apenas diferente. Não responde a ordens cegas, responde a propósito, contexto e aprendizagem contínua. E talvez a verdadeira crise não seja de talento, mas de liderança adaptativa.
O caso desta cadeia de retalho de moda é um bom exemplo. Nos últimos anos, as lojas passaram de ambientes centrados na pessoa, onde o saber da colaboradora fazia tudo acontecer, para sistemas orientados por processos, tecnologia e dados. O objetivo é nobre: garantir consistência, eficiência e previsibilidade.
Mas há um desequilíbrio que ainda persiste. As lojas e serviços continuam a depender mais do know-how da pessoa sobre o processo do que do processo sobre a pessoa. E enquanto isso não mudar, será difícil criar equipas realmente autónomas e consistentes.
A liderança do futuro talvez não passe por novas técnicas, mas por um regresso ao essencial. Ensinar, orientar e inspirar continuam a ser os três verbos que definem quem lidera de verdade. A diferença está na forma como os conjugamos: menos do alto, mais ao lado.
Sim, a sociedade mudou. Os jovens pensam de forma diferente, valorizam outras coisas e muitos já não se reveem nos antigos modelos de liderança heróica. Mas talvez não sejam eles que mudaram. Talvez sejamos nós que deixámos de saber falar a língua de quem está a chegar.
As novas gerações não querem ser salvas, querem ser compreendidas. Têm curiosidade, adaptabilidade e pensamento crítico, mas perdem-se quando não há quem lhes mostre o “para quê” do que fazem. O papel do líder é esse: ligar o sentido à execução, o propósito ao processo, a pessoa ao resultado.
Liderar continua a ser ensinar, mas agora com outro verbo: escutar. Porque quem escuta ensina melhor, e quem ensina melhor acaba por liderar sem precisar de o dizer.
Talvez o futuro da liderança seja deixar de procurar gente perfeita e começar a construir equipas possíveis. Porque ensinar continua a ser a forma mais bonita de liderar.
E quando os líderes voltarem a ensinar, as pessoas vão voltar a surpreender.
Carlos Jerónimo é CEO e fundador da Winning Scientific Management e Professor Assistente no ISCTE-IUL, onde dirige o Executive Master em Gestão de Programas e Projetos. Doutorado em Gestão pelo ISCTE e licenciado em Engenharia pela Universidade de Aveiro, alia a consultoria à academia, liderando projetos de transformação estratégica e digital person-driven, com foco em equipas, cultura e criação de valor sustentável. Certificado PMP®, ITIL e SAFe, conta com mais de 10.000 horas de ensino e é reconhecido pela sua dedicação à profissionalização da gestão e à evolução das organizações centradas nas pessoas.








