Opinião

As pessoas não prestam? Ou fomos nós que deixámos de saber ensinar?

Carlos Hernandez Jerónimo, fundador e CEO da Winning Scientific Management

Há poucos dias, numa conversa com um responsável por uma grande cadeia de retalho de moda, este partilhava uma dor que me ficou gravada: “Há uma tendência entre os gerentes de loja para dizerem que as pessoas agora não prestam, não servem, e por isso têm de ser eles a fazer tudo”.

É curioso. Quanto mais evoluímos tecnologicamente, mais voltamos a culpar o fator humano. E isto acontece sobretudo em contextos de grande pressão, como o retalho, onde há metas diárias, equipas curtas e uma exigência constante de desempenho.

Mas será que as pessoas estão mesmo piores? Ou será que os líderes estão a liderar pior?

No retalho, esta perceção vem muitas vezes das próprias chefias intermédias, gerentes e subgerentes que enfrentam equipas jovens, muitas vezes com colaboradores em regime parcial e com diferentes níveis de experiência. Muitos desses líderes cresceram a “fazer” e continuam a ser avaliados pela capacidade de garantir resultados imediatos, não pela de formar equipas. É natural que, no meio do ritmo diário, ensinar pareça um luxo.

No retalho alimentar, liderar é muitas vezes apagar fogos com uma mão e servir o cliente com a outra. Mas é precisamente por isso que a liderança se torna decisiva. Não para eliminar o caos, porque ele faz parte, mas para dar sentido e método ao que se repete todos os dias.

Vivemos uma época em que muitos gestores carregam uma certa nostalgia moral: “No meu tempo é que se trabalhava”. “Eu comecei de baixo e ninguém me ensinou”. “Agora é tudo sensível e preguiçoso”. Esta narrativa levanta uma questão: será mesmo que o problema está nas pessoas, ou estará na forma como procuramos orientá-las?

Talvez a geração atual não seja menos capaz, apenas diferente. Não responde a ordens cegas, responde a propósito, contexto e aprendizagem contínua. E talvez a verdadeira crise não seja de talento, mas de liderança adaptativa.

O caso desta cadeia de retalho de moda é um bom exemplo. Nos últimos anos, as lojas passaram de ambientes centrados na pessoa, onde o saber da colaboradora fazia tudo acontecer, para sistemas orientados por processos, tecnologia e dados. O objetivo é nobre: garantir consistência, eficiência e previsibilidade.

Mas há um desequilíbrio que ainda persiste. As lojas e serviços continuam a depender mais do know-how da pessoa sobre o processo do que do processo sobre a pessoa. E enquanto isso não mudar, será difícil criar equipas realmente autónomas e consistentes.

A liderança do futuro talvez não passe por novas técnicas, mas por um regresso ao essencial. Ensinar, orientar e inspirar continuam a ser os três verbos que definem quem lidera de verdade. A diferença está na forma como os conjugamos: menos do alto, mais ao lado.

Sim, a sociedade mudou. Os jovens pensam de forma diferente, valorizam outras coisas e muitos já não se reveem nos antigos modelos de liderança heróica. Mas talvez não sejam eles que mudaram. Talvez sejamos nós que deixámos de saber falar a língua de quem está a chegar.

As novas gerações não querem ser salvas, querem ser compreendidas. Têm curiosidade, adaptabilidade e pensamento crítico, mas perdem-se quando não há quem lhes mostre o “para quê” do que fazem. O papel do líder é esse: ligar o sentido à execução, o propósito ao processo, a pessoa ao resultado.

Liderar continua a ser ensinar, mas agora com outro verbo: escutar. Porque quem escuta ensina melhor, e quem ensina melhor acaba por liderar sem precisar de o dizer.

Talvez o futuro da liderança seja deixar de procurar gente perfeita e começar a construir equipas possíveis. Porque ensinar continua a ser a forma mais bonita de liderar.
E quando os líderes voltarem a ensinar, as pessoas vão voltar a surpreender.


Carlos Jerónimo é CEO e fundador da Winning Scientific Management e Professor Assistente no ISCTE-IUL, onde dirige o Executive Master em Gestão de Programas e Projetos. Doutorado em Gestão pelo ISCTE e licenciado em Engenharia pela Universidade de Aveiro, alia a consultoria à academia, liderando projetos de transformação estratégica e digital person-driven, com foco em equipas, cultura e criação de valor sustentável. Certificado PMP®, ITIL e SAFe, conta com mais de 10.000 horas de ensino e é reconhecido pela sua dedicação à profissionalização da gestão e à evolução das organizações centradas nas pessoas.

Comentários

Artigos Relacionados