Opinião
As medalhas ganham-se com muito treino
Lia algures que nos Jogos Asiáticos a Índia poderia ter talvez o melhor resultado de sempre, em medalhas, para os três primeiros lugares, de toda a sua história desportiva.
A 1 de outubro, com os Jogos ainda a decorrer, contava com 38 medalhas, das quais 10 eram de ouro. A China lidera nos Jogos Asiáticos, com 216 medalhas, das quais 114 de ouro, seguida pelo Japão, com 105 medalhas e 28 de ouro, e a Coreia do Sul, com 110, sendo 27 de ouro.
A população indiana quase supera a chinesa, pelo que se pode dizer que os resultados da Índia deixam muito a desejar. Sim, é verdade. Contudo, há bons argumentos para concluir que mesmo assim, aqueles resultados não são nada maus para a Índia.
Todo o processo de desenvolvimento económico da Índia deu-se depois da Independência, com a abertura para a livre iniciativa apenas em 1991, quando quase não havia moeda forte para pagar as importações que o país necessitava. Melhor, só dava para 2 semanas de importações. E, na altura, o primeiro ministro Narashima Rao, com o seu ministro das Finanças, Manmohan Singh, seguiram a única via possível para poderem receber um empréstimo do FMI, nas condições que ele impunha, de abrir a economia para uma livre competição.
Deixar de parte o sistema socialista de molde soviético que Nehru tinha implantado, e mais tarde que Indira Gandhi tinha reforçado, era imperativo. Ele fora o responsável por levar a Índia da situação já de miséria herdada do colonialismo, para outra de quase desespero com a incapacidade de a Governação indiana fazer algo de jeito para criar riqueza e trabalho.
Os resultados das reformas de Manmohan Singh foram de grande alcance, a tal ponto que daí para a frente elas seguiram na única direção possível, de tornar a economia cada vez mais livre, sem os constrangimentos do corte soviético que vinham desde a Independência.
Esse modelo económico soviético tinha obrigado a criar a “License Raj”, para os novos investimentos, com a obrigação de se obter licenças para eles. Para tornar eficaz esse sistema, tinha-se criado uma forte burocracia de controlo. E quando abunda a burocracia, entra pelas portas adentro a corrupção, na tentativa de tornar mais ágeis os canais de concessão das licenças.
Isto para explicar que o modelo económico vigente até ao ano 1991 só gerara: um excesso de pobreza, nada de empregos, sem competição e o adormecimento de toda a capacidade inovadora. E não havia disponibilidades financeiras para apoiar novas iniciativas de carater cultural ou desportivo, pois as poucas receitas ficavam logo empenhadas com os compromissos já assumidos. E teriam boa aplicação para melhorar o acesso à saúde, para generalizar a instrução, etc., antes de outras iniciativas.
Só quando o sistema económico é capaz de gerar um crescimento razoável, criando empregos, as receitas adicionais dos impostos podem então servir para diversificar um pouco as aplicações do orçamento para suprir o que se encontravam em falta, por nunca ter sido tomado na devida conta.
No ensino de qualquer tipo, seja de letras, matemáticas ou de música ou ginástica e desportos, os investimentos a fazer hoje só virão a dar resultados pouco a pouco e na sua plenitude só serão atingidos daqui por 10 ou 15 anos. É preciso semear com antecipação para um dia se poder colher os frutos.
A China de Deng Xiaoping entrou a trabalhar em finais dos anos setenta do século passado, bem antes de a Índia ter acordado para a falta de divisas, em 1991. Dessa forma o avanço da China sobre a Índia nos aspetos económicos, logo a seguir ampliado para outros setores de cultura e de desporto, vem dos tempos de Xiaoping, que lançou as bases de uma boa infraestrutura física, criando condições e garantias para que investimentos avultados dos EUA se fixassem na China.
De há alguns anos a esta parte, a China está a desfrutar das consequências desses investimentos, com impactos não só económicos mas também desportivos, na arte e na cultura, em geral. A China ostenta hoje um grande número de medalhas de ouro, bem superior ao da Índia.
O Japão e a Coreia de há muito que tinham um sistema económico pujante, cheio de iniciativas privadas, capazes de constituir importantes grupos económicos, exportadores e geradores de amplas receitas. É minha convicção que os investimentos feitos não se perdem e continuando eles num bom ritmo haverá um crescendo bem sustentado de praticantes de muitas modalidades desportivas e de ginástica, com muitos campeões.
O número de medalhados da Índia, ainda que bem pequeno, está a crescer a bom ritmo. E com as medidas para favorecer estas práticas é muito natural que os campeões indianos depressa alcancem grandes números e que em quase todos os desportos haja figuras individuais de alto nível e equipas vencedoras para competirem com as melhores da especialidade. Já se nota como o cricket se transformou num grande negócio e os rendimentos dos jogadores tiveram um aumento espetacular. O mesmo poderá acontecer com outros desportos e as outras equipas com os melhores jogadores indianos a colaborar com elas.
*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”