Opinião
As lições do Sr. Silva Gomes

António Augusto Ribeiro da Silva Gomes morreu na semana passada e o mundo ficou menos bom! Publicitário, benfiquista, gourmet, cozinheiro, viajante. Chefe, mentor, amigo.
Conheci-o no futebol, amigo de amigos de amigos. Façanhudo, convicto das suas verdades, intolerante com as falhas, (às vezes) até um bocadinho assustador.
Uns anos mais tarde, convidou-me para trabalhar com ele na McCann-Erickson/Hora. Recusei… Ser publicitária não estava nos meus planos, era um negócio menor para quem tinha uma licenciatura e um MBA (tenho desculpa, ainda não tinha 30 anos…). Três ou quarto conversas mais tarde, conquistou-me e aceitei o convite para o que foram uns anos maravilhosos de descoberta e aprendizagem.
O “Chefe” não era fácil. Irascível, prepotente, tão certo das suas certezas, que nos cilindrava com elas. Mas duma generosidade sem fim, com um conhecimento interminável e com uma noção perfeita do que era ser um Homem Bom e um publicitário fantástico.
Muito do que sou, como pessoa e como profissional, a ele o devo. Chamava-me, do alto da sua voz tonitruante e por baixo das suas sobrancelhas e bigode farfalhudo, Dona Ró. E ensinou-me tanto que, quando me sentei para escrever, decidi partilhar alguns desses ensinamentos.
The power and the passion
A reunião anual internacional da McCann era em Lisboa e tive a sorte de ser chamada a participar no grupo que, com ele, a organizou. Tínhamos de preparar um presente para todos os delegados e decidimos fazer um perfume. Chamou-lhe “The Power and the Passion”, simbolizando a sua convicção de como deve ser o comportamento profissional exemplar.
O poder do conhecimento e da experiência, aliados à paixão pelo que se faz, têm de andar juntos e são o garante de uma vida profissional bem-sucedida. A curiosidade pelo que não se conhece, o estudo e a busca do conhecimento devem ser uma constante na nossa Vida, porque sem eles não teremos o poder de adivinhar as oportunidades, responder aos desafios e conquistar vitórias. Mas sem um gosto profundo pelo que fazemos, sem o gozo do dia a dia nos ser apetecível, sem a vontade de trabalhar com prazer… nada brilha.
Não diga não se puder dizer que sim
Raramente dizia que não, mesmo quando os pedidos eram pouco ortodoxos, e sobretudo se eram assuntos da vida pessoal de quem lhos fazia. Quando questionado, respondia “Mas porque não hei de facilitar a vida das pessoas, se não prejudica a empresa?”.
Num mundo onde tantos gostam de dizer que não apenas porque, assim, demonstram o seu poder, esta capacidade de ir ao encontro de quem nos rodeia (e de nós depende) e de dizer sim, porque não há motivos para dizer que não, é rara. Mas foi sempre um dos motivos por que era bom trabalhar na McCann.
Não há impossíveis
Achávamos que era porque, sendo Presidente, a ele era sempre possível conseguir o que queria. Mas a verdade é que – embora isso fosse verdade… – era muito mais do que isso. Já o meu Pai dizia que “o não já está garantido, vale sempre a pena tentar…”. E o que nos ensinava com este permanente desafio, é que devemos sempre tentar, não desistir, lutar por aquilo em que acreditamos e fazer o que for preciso para conseguir o que queremos.
“Soyez réalistes, demandez l’impossible” via-se escrito nas paredes de Paris em Maio de 68 … e era para esta busca de sempre mais e melhor que nos empurrava!
Citar, cravar e templar
A pressa de fazer acontecer não é garantia de que acontece! Tantas vezes, usando uma referência tauromáquica, me tentou ensinar o que ainda hoje não consigo fazer… Repetia “Dona Ró, uma boa faena tem um momento de citar (chamar a atenção) e um de cravar (fazer acontecer), mas sempre separados por um momento de templar (em que ocorre uma acalmia e reflexão, para preparar o momento final)”.
Tão verdade!
Se não acredita não vale a pena
Sendo a publicidade um negócio de ideias, sem fórmulas para a escolha da melhor solução, as decisões sobre o que apresentar aos clientes eram muitas vezes difíceis de tomar. E a receita que nos dava era simples – escolham aquela em que acreditam!
Estar seguro das opções que tomamos, ter certezas do caminho que escolhemos e acreditar profundamente no que fazemos. Esta foi a fórmula que, se aplicada a tudo o que fazemos na nossa Vida, nos pode levar a lutar pelo que queremos e a consegui-lo. Porque acreditamos!
Tudo isto tentei pôr em prática, são regras de base que me norteiam.
Por isto, por muito mais, e por tudo,
OBRIGADO, Sr. Silva Gomes!
Tenho saudades suas…