Entrevista/ “As crises económicas de 2008 e 2017, as mudanças sociais e outros fatores atrasaram a maternidade”
Especializada no desenvolvimento de testes de fertilidade, a Beckman Coulter procura há décadas oferecer soluções de diagnóstico inovadoras na área da saúde reprodutiva, consciente de que a infertilidade pode inviabilizar a mudança geracional e levar a problemas socioeconómicos. Em entrevista ao Link To Leaders, o country manager da empresa em Portugal analisou a forma como esta questão social pode interferir na sustentação económica de um país.
A Beckman Coulter é especializada em testes de fertilidade e a inventora do primeiro teste AMH, um teste que ajuda a determinar a fertilidade de uma mulher. Presente em 150 países, em cinco continentes, tem escritório em Lisboa onde é liderada por Mário Sá Carneiro, Country Manager da Beckman Coulter em Portugal.
Ao Link To Leaders, este especialista em fertilidade falou do impacto da fertilidade nos números populacionais, e de como estes podem levar a problemas socioeconómicos de apoio às populações mais velhas e de preservação do crescimento económico.
Junho foi o Mês Mundial de Conscientização da Infertilidade. A Beckman Coulter lançou algum tipo de iniciativa para assinalar a data?
Sim. Lançámos o teste AMH Advanced a nível mundial para coincidir com o Mês Mundial de Consciencialização da Infertilidade. O teste da Hormona Anti-Mulleriana é muito importante na gestão da saúde reprodutiva das mulheres.
“As crises económicas de 2008 e 2017, as mudanças sociais e outros fatores atrasaram a maternidade (…)”.
Os índices de infertilidade estão a crescer em todo mundo. Como caracteriza a situação em Portugal?
10,5% das mulheres em todo o mundo experimentaram infertilidade secundária, e cerca de 2% experimentaram infertilidade primária. Segundo a Fertility Europe, mais de 25 milhões de pessoas na Europa enfrentam a infertilidade e há um aumento de cerca de 9% em casais e indivíduos que procuram uma intervenção de fertilidade assistida na Europa todos os anos.
As taxas de fertilidade na Europa caíram para 1,52 filhos por mulher, sendo 1,42 em Portugal, um valor muito inferior aos 2,1 filhos por mulher necessários para manter os números populacionais. Isto pode levar a novos problemas socioeconómicos de apoio às populações mais velhas e de preservação do crescimento económico.
Em Portugal, como em outros países desenvolvidos, as taxas de infertilidade estão a aumentar, não devido ao aparecimento de novas patologias, mas por causa de um atraso na decisão de ter o primeiro filho. As crises económicas de 2008 e 2017, as mudanças sociais e outros fatores atrasaram a maternidade, o que implica um aumento dos problemas de infertilidade. A pandemia também não tem ajudado. No início de 2021, o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) revelou que cerca de 85.500 bebés nasceram em Portugal em 2020, o número mais baixo desde 2015.
Quais os desafios atuais nos tratamentos de fertilidade?
Existem múltiplos fatores mas sublinho os custos dos tratamentos de infertilidade, a longa duração dos mesmos, que origina muitas vezes o abandono, a necessidade de centros com um alto grau de especialização e conhecimento científico e uma taxa de sucesso médio-baixa dependendo de fatores muito diversos e acima de tudo diferentes de casal para casal.
Como para qualquer serviço de saúde, a pandemia prolongou os tempos de espera. A Sociedade Portuguesa de Medicina Reprodutiva (SPMR) notou uma quebra à volta de 30% a 40%, dependendo dos centros, e o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) fala de um tempo de espera de 2 anos.
“Um número de crianças por mulher inferior a 2,1 filhos não permite uma mudança geracional, o que pode levar a problemas socioeconómicos (…)”.
Em que medida a infertilidade é também uma ameaça à Humanidade, neste momento?
De acordo com a OMS, a infertilidade afeta milhões em todo o mundo, afetando adversamente famílias e comunidades. As estimativas sugerem que entre 48 milhões de casais e 186 milhões de indivíduos vivem com infertilidade. Fatores ambientais e de estilo de vida como o tabagismo, o consumo excessivo de álcool e a obesidade podem afetar a fertilidade. Além disso, a exposição a poluentes ambientais e toxinas pode ser diretamente tóxica para os gâmetas (ovos e esperma), resultando numa diminuição do seu número e numa má qualidade, levando à infertilidade.
Um número de crianças por mulher inferior a 2,1 filhos não permite uma mudança geracional, o que pode levar a problemas socioeconómicos no apoio às populações mais velhas e na sustentação do crescimento económico.
Tem visto algum sinal positivo de que os governos estão alerta para este problema?
Algumas medidas que incentivam e facilitam os casais a ter e cuidar dos filhos, licenças de maternidade, várias ajudas económicas e outras medidas podem sem dúvida supor um impacto positivo. Não obstante, observa-se uma grande variabilidade entre as medidas adotadas pelos diferentes governos dos países da União Europeia.
Qual tem sido o contributo da Beckman Coulter sobre este tema?
Durante mais de 20 anos, os médicos estiveram a usar a hormona anti-Mülleriana (AMH) para ajudar a canalizar o cuidado ao paciente, relacionada com a saúde reprodutiva para homens, mulheres e crianças.
A determinação de AMH pode utilizar-se para avaliar uma série de distúrbios clínicos, incluídos no tratamento da infertilidade, a avaliação da menopausa, a disfunção ovariana (como a síndrome do ovário policístico), o tratamento do cancro genotóxico ou a cirurgia ovariana, e permite uma maior personalização dos protocolos de tratamento[1].
A Beckman Coulter apresentou o seu primeiro ensaio ELISA AMH e mais tarde as provas automatizadas AMH. O lançamento no mercado do primeiro ensaio facilitou uma valiosa investigação acerca da AMH, enquanto a evolução sobre a automatização do ensaio permitiu a adoção das provas AMH na utilização clínica rotineira. Os ensaios Beckman Coulter AMH desempenharam um papel importante no apoio, à participação e desenho de muitos estudos que fomentaram a aceitação das provas de AMH no campo da fertilidade.
Atualmente a AMH é uma ferramenta fundamental para a gestão da infertilidade por parte dos clínicos. A Beckman Coulter, como proprietária da patente da hormona anti-Mülleriana (AMH), licenciou-a a outros fornecedores para fazer chegar ao maior número de pessoas o benefício da utilização deste parâmetro.
Lançaram recentemente um novo teste para personalizar melhor os tratamentos de fertilização in vitro. Pode falar-nos mais sobre este ensaio?
O ensaio melhorado AMH Advanced fornece valores de referência preciosos, específicos e validados no guia de uso clínico também, ajudam os médicos a prever uma resposta ovárica às mulheres que têm previsto submeter-se a uma estimulação ovárica controlada como parte do protocolo da fecundação in vitro (FIV)[2].
A AMH converteu-se num fator cada vez mais importante no seguimento da saúde reprodutiva, o que conduziu à evolução de provas com uma sensibilidade crescente para ampliar as aplicações de diagnóstico. Os ensaios de diagnóstico de alta qualidade evoluíram durante as últimas décadas e continuam a proporcionar informação precisa para apoiar as decisões clínicas quanto ao envelhecimento reprodutivo, a fertilidade e o controle da natalidade.
Quem são os clientes da Beckman Coulter em Portugal?
Oferecemos produtos de diagnóstico clínico e soluções integrais de laboratório clínico apoiadas por mais de 80 anos de experiência e inovação. Os nossos sistemas de diagnóstico utilizam-se em provas biomédicas complexas e encontram-se em hospitais públicos e privados, laboratórios de referência e consultórios médicos em Portugal e em todo o mundo.
Existem opções reprodutivas suficientes em Portugal para mulheres com mais idade?
Sim, existem várias opções de Reprodução Assistida disponíveis para mulheres que estão a ter dificuldades com a fertilidade, tais como inseminação artificial ou intrauterina, mas também fertilização In vitro (FIV), injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) e transferência de embriões criopreservados (TEC).
O que é preciso fazer para promover uma maior educação em fertilidade em Portugal?
Precisamos de capacitar os jovens portugueses com educação em fertilidade para que possam ter mais hipóteses de engravidar se, e quando, optarem por isso. Deveríamos ser capazes de falar destes tópicos nas escolas, mas também com médicos desde o início da idade reprodutiva, para que as pessoas possam tomar decisões informadas.
“A Beckman Coulter não trabalha com start-ups em Portugal, mas olha para este setor com interesse”.
Como avalia o aparecimento de start-ups na área da saúde? A Beckman tem trabalhado com este tipo de empresas?
Qualquer empresa que traga conhecimento na área da saúde e ajude a melhorar a gestão das diferentes patologias e cuidado ao paciente, é sem dúvida algo que se valoriza no setor da saúde por parte de qualquer empresa dedicada a este campo.
Todos nós vemos, mais e mais, mudanças marcantes vindas de start-ups de tecnologia de saúde. A Moderna era, não há muito tempo, uma start-up e é agora uma das maiores empresas na luta contra a Covid. A Beckman Coulter não trabalha com start-ups em Portugal, mas olha para este setor com interesse.
Para além da fertilidade, quais as outras áreas de aposta da empresa?
Os nossos produtos ajudam aos laboratórios a apoiar um cuidado ao paciente ótimo com provas de diagnóstico, eficiente e, em simultâneo, abordam problemas de saúde da comunidade, entre os quais Covid-19, septicemia, resistência aos antimicrobianos, saúde reprodutiva, deteção de cancro, anemia, infeções do trato urinário e doenças cardiovasculares.
Além disso, a Beckman Coulter tem soluções desenhadas para aliviar a pressão do sistema de saúde, agilizando o cuidado dos pacientes e aumentando a eficiência do laboratório. Os sistemas de automatização e as ferramentas de gestão da informação clínica permitem oferecer resultados rápidos para facilitar o diagnóstico e o tratamento, o que supõe melhorias no cuidado aos pacientes, nos tempos de estadia na sala de urgência e na satisfação do paciente e do médico.
Quais os objetivos da empresa para este ano?
Como empresa cujo principal foco continua a ser o diagnóstico e o rendimento do laboratório, a Beckman Coulter tem como visão e missão avançar na assistência médica de todo o mundo e trabalhar com os seus clientes para oferecer soluções de diagnóstico inovadoras, fiáveis e eficientes a pacientes de todo o mundo. Como empresa, o nosso objetivo é centrar-nos em acelerar o cuidado ao paciente com um menu fiável para podermos fazer avançar o cuidado médico aproveitando a nossa experiência e os nossos produtos.
Respostas rápidas:
O maior risco: Tentar construir planos futuros tendo por base apenas o que se passou no passado.
O maior erro: Não tomar decisões.
A maior lição: É preciso errar e assumir que se errou para aprender.
A maior conquista: Impossível escolher uma, mas as maiores serão seguramente as que ainda estão por chegar.
[1] Tal R, Seifer DB. Ovarian reserve testing: a user’s guide. American Journal of Obstetrics and Gynecology. August 2017
[2] ACCESS AMH ADVANCED, Instructions For Use, REF C62997, 2020, Beckman Coulter, Inc.