Opinião
As cinco horas mais longas da minha vida…

Vivi em maio de 2018 as cinco horas mais longas da minha vida. Cinco horas foi o tempo de duração da cirurgia ao coração da minha filha. Cinco horas de uma quase permanente disputa mental entre a razão e a emoção.
Cinco horas em que os meus pensamentos oscilaram entre a confiança na sabedoria e competência médica e sofisticação tecnológica e o desconforto inerente aos riscos de uma complexa e sensível intervenção cirúrgica.
Cinco horas em que um sentimento de fragilidade e de impotência se apoderou de mim, restando-me confiar (e isso não é pouco!) na habilidade e capacidade de uma muito competente e experiente equipa médico-cirúrgica e na invisível, mas sentida, força do destino (ou divina).
Cinco horas em que me interroguei sobre o que é verdadeiramente importante na vida, daí retirando uma lição, sobre a importância de sabermos relativizar os acontecimentos na nossa vida e também uma reflexão sobre o significado de “estar sob pressão”.
Bom ou mau, positivo ou negativo? É quase sempre uma questão de perspetiva
Perdi, de forma mais ou menos inesperada, o meu emprego no início deste ano. Dias depois recebi, inesperadamente, a notícia do agravamento da condição do coração da minha filha. E poucos dias mais tarde chegou a confirmação da necessidade de realizar uma intervenção cirúrgica corretiva.
A uma primeira (em teoria) má notícia, seguiu-se de imediato uma pior e pouco tempo depois uma outra ainda pior. Parecia que o meu mundo estava a desabar…
É nestes momentos difíceis que precisamos de saber colocar as coisas em perspetiva e entender que nem sempre o que parece negativo ou mau o é. De facto, a perda de emprego, um acontecimento importante per si, perdeu, repentinamente, toda a sua relevância face aos acontecimentos – obviamente bem mais impactantes – que se seguiram.
Além disso, tendo eu uma função profissional exigente e relativamente stressante, passar por um período (forçado) sem qualquer ocupação profissional foi o melhor que poderia ter acontecido nesta fase da minha vida.
Concluindo, o que parecia ser, à primeira vista, um acontecimento negativo tornou-se afinal conveniente e até positivo – visto na perspetiva correta – permitindo-me acompanhar a minha filha a tempo inteiro nas semanas que antecederam e se seguiram à sua cirurgia.
Uma nova perceção de “estar sob pressão”
A cirurgia da minha filha fez-me também refletir sobre o significado de “estar sob pressão”. “Estar sob pressão” é algo a que todos os seres humanos estão (mais ou menos) sujeitos, seja numa ótica mais pessoal, por via, por exemplo, do contexto familiar, das condições de vida, das exigências académicas ou da exposição a preconceitos sociais, raciais ou religiosos, ou numa ótica profissional, em função do contexto de carreira, do ambiente de negócios ou da cultura da organização onde se trabalha, entre outros.
Na ótica profissional, questiono-me agora se “estar sob pressão” significará mesmo, como tantas vezes assim o entendemos, ter um resultado ou um KPI de negócio desafiante para atingir? Ou um projeto importante para entregar? Ou um prazo apertado para cumprir?
Será que isso não significará, na maioria das vezes, falta de capacidade ou de preparação (tão comum!), na ótica do colaborador/empregado, ou, em alternativa ou de forma concomitante, falta de consciência ou de razoabilidade na definição de objetivos de negócio (não menos comum!), na ótica do empregador?
Com efeito, por muita capacidade e competência técnica e inequívoca preparação mental que um médico possa ter, “estar sob pressão” não será ter nas suas mãos a vida de uma pessoa? Mais ainda tratando-se de uma criança?
“Estar sob pressão” não será ter a capacidade de manter a concentração e serenidade quando o peito de uma criança (ou adulto) é aberto e cada segundo conta, o inesperado tem de ser esperado e a perfeição é o mínimo que se passa a exigir a quem é, por natureza, humanamente imperfeito?
“Estar sob pressão” não será ter uma mãe, um pai, toda uma família e um sem número de amigos à porta do bloco operatório a aguardar por notícias e a vida de uma criança literalmente nas suas mãos?
Claro que os médicos-cirurgiões têm o dom, o talento e a preparação técnica, mental e psicológica para enfrentarem a pressão de terem vidas humanas nas suas mãos, mas para quem, como eu, não tem essas virtudes, este acontecimento trouxe com ele uma nova perceção do verdadeiro significado de “estar sob pressão”.
Moral da história: aprendam a relativizar!
Decidi partilhar estes acontecimentos do foro mais pessoal para fazer um paralelo com a importância de sabermos relativizar os eventuais momentos menos bons nas nossas carreiras ou negócios.
Naquele momento em que perderem o emprego ou, mais simplesmente, não conseguirem atingir um determinado objetivo, não forem promovidos, não receberem um bónus ou aumento salarial, não forem o candidato selecionado ou sofrerem um eventual percalço na vossa carreira ou negócio…lembrem-se, para vosso bem, de relativizar!
No meu caso, face aos sucessivos acontecimentos acima relatados, em boa hora o fiz! Um novo e melhor desafio profissional surgiu pouco tempo após o término do anterior.
E, muito mais importante do que isso, por volta do meio-dia daquele lindo sábado do mês de maio o coração da minha querida filha voltou a bater…e, simbolicamente, o meu também!