Opinião
Anna Lenz: Tem 43 anos, já trabalhou em 29 países e hoje comanda a Nestlé em Portugal
Trabalhou em 29 países, mas foi Portugal que escolheu para continuar a sua carreira dentro da Nestlé. Em julho deste ano, a suíça Anna Lenz assumiu os comandos da multinacional num país que já conhece bem e que admira pela ética de trabalho e pela solidariedade que une as pessoas. Em entrevista ao Link To Leaders fala da importância de ser a primeira mulher na direção da empresa em Portugal e dos desafios de liderar uma equipa tão grande e com tanta diversidade cultural.
Era responsável pelo negócio da Nespresso na Europa quando foi convidada a assumir a direção-geral da Nestlé em Portugal, um sonho que já perseguia há algum tempo e que se concretizou em julho deste ano. Desde então Anna Lenz, de naturalidade suíça, 43 anos, lidera a multinacional, numa fase em que crise económica instalada no país, e no mundo, é um desafio e uma oportunidade, como a própria reconhece, para a atividade empresarial.
Em entrevista ao Link To Leaders, aquela que é a primeira mulher à frente da Nestlé em Portugal, aborda a questão da liderança no feminino, dos novos modelos de trabalho, da inovação digital e dos seus objetivos para a empresa.
Em quase 100 anos de história da Nestlé é a primeira mulher a liderar a multinacional em Portugal. Quais têm sido os seus grandes desafios?
Está muito ligado à minha liderança o facto de ser mulher e acho que às vezes até um pouco de mais, no sentido em que o que me define, além de ser uma mulher, são muitos outros fatores. Por exemplo, eu sou também a diretora mais jovem dentro desta função, o que também vai impactar o meu estilo de liderança. Também trabalhei em muitos países no passado (em 29), e há esse âmbito da multiculturalidade. Sou mãe de crianças pequenas (3, 6 e 8 anos)…Então, há muito mais coisas que me definem como pessoa, além de ser mulher.
Como chefe há elementos que são mais associados ao feminino, mas o que me deu muito gozo foi o impacto que teve noutras mulheres. Isso tocou-me muito porque tenho de dizer que pessoalmente, na minha carreira na Nestlé, nunca vivi discriminação. Fui promovida quando estava grávida, tive aumentos salariais quando estava de licença de maternidade….Realmente, foi quase um “não assunto”.
Para mim até foi um pouco estranho dar-se tanto peso ao facto de ser uma mulher. Quando saiu o anúncio e os jornais escreveram sobre a minha chegada, quase todos colocaram no título “A primeira mulher a liderar a Nestlé”. Recebi imensas mensagens de mulheres que me tocaram de alguma forma. O facto de ser mãe de crianças pequenas e também conseguir conciliar tudo – e eu sou uma mãe ativa, participo na vida das minhas crianças -, esse fator deu-me um certo peso de responsabilidade em frente dessas mulheres. Mas também me deu muito prazer dizer que “eu ajudo essas mulheres, de alguma forma, a acreditarem que também podem chegar a funções desta responsabilidade”. E acho que isso foi importante.
“Dentro do portefólio da empresa é um dos mercados em que a Nestlé é muito bem vista pelos consumidores, muito amada”.
Quais são seus objetivos nesta nova função, neste grande projeto que é a Nestlé?
A Nestlé em Portugal chama-se muitas vezes uma pérola. Dentro do portefólio da empresa é um dos mercados em que a Nestlé é muito bem vista pelos consumidores, muito amada. Eu sinto isso quando vou a alguns lugares e digo que trabalho para a Nestlé. As pessoas têm sempre uma reação muito positiva. O fundamento que temos aqui é que a relação com o consumidor é muito forte. As pessoas que trabalham na Nestlé orgulham-se de trabalhar na Nestlé. Então temos esta força da marca e da empresa.
É óbvio que chegámos a um contexto macroeconómico complicado, seja o país em que estiver agora. E acho que ainda vai continuar complicado um bom tempo. Mas o fundamento está muito sólido e no próximo ano vamos celebrar 100 anos. Temos uma história de 100 anos, também sobrevivemos a muitos momentos difíceis e agora vamos celebrar essa parte. E acho que temos valores da empresa e das marcas muito fortes a guiar-nos neste período.
Depois, obviamente, que vamos continuar a crescer com o fizemos sempre no passado. E há um elemento muito forte, além dos shareholder value mais habituais, que é a sustentabilidade onde já fizemos muito. Temos uma frota em já não compramos máquinas diesel, só elétricos. Depois, por exemplo, quando houve os fogos, que destruíram muita fauna, trabalhámos com os agricultores. Demos-lhes colmeias, por um lado, para haver mel, mas também porque as abelhas são precisas para reconstruir a fauna. Então pensamos sempre como podemos ajudar este ecossistema de forma integrada.
Ou, por exemplo, na reciclagem das cápsulas de alumínio da Nespresso. Colecionamos as cápsulas e separamos o alumínio da borra de café. O alumínio é infinitamente reciclável, tem mercado para construir janelas, por exemplo. E a borra do café é um fertilizante muito poderoso que damos para campos de arroz. E o arroz damos para o Banco Alimentar. O que também é um tipo de ecossistema, de economia circular. Muitas vezes quando fazemos coisas pensamos numa circularidade não apenas para doar alguma coisa momentânea, mas para criar um sistema que vai nesse sentido.
O que é que a esta sua nova função, esta mudança, implicou na sua vida?
Há uma grande melhoria. Trabalhei em 29 países, em alguns, meses, noutros anos, mas de facto este foi o país onde fiquei mais feliz. Do lado pessoal porque a qualidade de vida é muito boa, mas também a nível profissional. Já trabalhei em muitos países com sol e praia, mas este foi o único país em que falei com a chefia a dizer que queria voltar.
Na verdade, eu nem queria sair, mas chegou esta oportunidade de liderar a Nespresso para a Europa toda, o que a nível de carreira era muito bom. Mas desde o primeiro dia que cheguei à Suíça falei com chefia e disse “olha que quero ser diretora-geral em Portugal”.
A minha chefia disse-me que ser diretora-geral de uma Nestlé até tem sentido no desenvolvimento de carreira, mas que não podia ser tão específica. Existem mais ou menos 160 mercados, mas eu sempre disse que queria voltar para aqui. Achei que não ia funcionar. Mas depois a pessoa que estava em Portugal ficou um pouco mais tempo, porque estas funções são tipicamente de expatriados que ficam entre três a cinco anos, e ele ficou mais para os cinco. E eu já estava há quase três anos na minha função na Suíça. Quando me falaram se estava interessada, estava com receio do que o meu chefe ia dizer, mas ele disse que se esse era o meu sonho, não ia tirar o meu sonho. Celebramos todos, e o meu esposo e filhos ficaram super felizes de regressar.
Tinha estado em Portugal em 2017 /2020 então foi pouco tempo de ausência. Foi um regresso. As crianças voltaram à mesma escola, têm os mesmos amigos. O mais desafiante foi encontrar uma casa. Isso foi o complicado.
“O dia de hoje é tão imprevisível que procuramos pessoas que sejam ágeis”.
O que é mais importante para a empresa no processo de contratar pessoas e reter os talentos? Quais têm sido as vossas apostas a este nível e o que é que estão a valorizar?
Procuramos perfis bastante ágeis. O dia de hoje é tão imprevisível que procuramos pessoas que sejam ágeis. E também lideranças ágeis, que querem promover a responsabilização de cada um. Também apostamos muito no desenvolvimento interno. Temos muitas lideranças como eu, chefias, que são de crescimento interno.
Mas também apostamos na contratação de pessoas não só pela função para a qual contratamos, mas porque vemos algum futuro numa função superior. Investimos bastante nisso. E na formação própria, seja online training basic ou até na colaboração com uma escola.
Por exemplo, no meu caso a empresa fez o mesmo. Eu sou formada em matemática, o que não é super útil para a função que desempenho hoje. Entrei pelas finanças onde ainda tinha alguma utilidade. Mas quando chegou o momento de dizer “eu quero desenvolver-me para general management” pedi para a empresa me libertar algum tempo para poder estudar, e também para me suportar financeiramente numa parte do estudo. E fiz um Executive MBA.
Então também apostamos nesse sentido, em ajudar as pessoas a darem o salto e a estarem prontas para esse salto. E também fazemos uns assessments externos, e no meu caso também foi feito, não para esta função, mas quando fui diretora da Europa, o que foi um salto grande na época.
A Nestlé é uma empresa de longo compromisso, dos dois lados. São relações longas. Acho que as pessoas também valorizam isso e, nestes momentos de crise, ainda mais. Não somos uma empresa de curto prazo, que decide uma coisa num dia e depois muda no outro por causa das circunstâncias. Apostamos no desenvolvimento a longo prazo.
O tempo médio das pessoas que hoje estão na empresa é de nove anos o que é muito elevado se considerarmos, por exemplo, que muitas das pessoas que estão nas lojas Nespresso, onde temos muitos estudantes, até mudam mais rápido. E que temos um centro de serviços para a Europa em que também temos mais pessoas jovens. Na Nestlé clássica esses nove anos são até muito mais. Temos essa lealdade das pessoas para connosco e também do nosso lado pelas pessoas.
“Também tem de mostrar alguma vulnerabilidade, mostrar dificuldades, mas sempre assegurando às equipas que sabe para onde vamos”.
E qual o segredo para se liderar uma equipa com tanta gente e com tanta diversidade cultural?
Temos 49 nacionalidades só na Nestlé em Portugal. Então é muito diverso. Um dos valores em que apostamos também é essa diversidade da idade, temos pessoas assim que saem da universidade e que integramos, e até com programas estruturados porque sabemos que é o momento mais frágil para entrar no mercado de trabalho.
E depois temos muitas pessoas que já têm 20, 30 anos de casa. Essa diversidade é enriquecedora porque são pessoas com muita experiência que trazem valor, mas também temos pessoas novas a questionar a maneira como sempre se fizeram as coisas. Às vezes há um pouco de conflito, mas também traz muito trabalho na ótica de constante melhoria.
Depois temos a diversidade ao nível de género. Fala-se muito do facto de se reprimir a mulher, mas se olharmos para toda a chefia da Nestlé tem 58% de mulheres, quase demais agora. Já temos de ter cuidado para ter igualdade para os dois géneros. A nível cultural da empresa, essa igualdade já existia muito, particularmente aqui em Portugal em que é comum os dois trabalharem e não é a mulher que fica em casa.
Mas para voltar à pergunta…de um lado acho que se precisa de muita autenticidade, já não é só dizer: “tem de ser um líder perfeito”. Também tem de se mostrar alguma vulnerabilidade, mostrar dificuldades, mas sempre assegurando às equipas que sabe para onde vamos. Quando falo com os jovens e me perguntam como se faz com três filhos e com o trabalho, e muitas vezes é caótico, digo sempre “giro como vocês, muitas vezes com alguma dificuldade”.
Portanto, acho que há essa autenticidade, mais proximidade, também fisicamente, porque eu fico no escritório como todos os outros, em open space. Sinto como está o ambiente, vou almoçar… acho que tenho essa autenticidade, mas ao mesmo tempo também dou segurança porque sei para onde estamos a ir em conjunto.
E em comparação com o estilo mais antigo de liderança é muito mais inclusivo também nas ideias. É muito raro eu chegar aqui e dizer “decidi que vamos fazer isto”. Tipicamente chego e digo “acho que aqui temos de mudar alguma coisa. Quais são as propostas?”. E aí discutimos isso. Há também esta cultura de falar com quem sabe do assunto e que pode trazer ideias. Também é um estilo mais novo e que é muito menos hierárquico e mais próximo. Por exemplo, eu trato todos por tu na empresa. Acho que há menos distância e formalidade.
Fazemos um inquérito, de dois em dois anos, a perguntar o quanto as pessoas se sentem à vontade para falar. A pergunta é “sentem-se à vontade de falar sem nenhum medo de consequências negativas? e 92% disseram que se sentem à vontade para dizer o que acham, o que é muito bom. E é um pouco este ambiente que queremos.
Não quer dizer que eu faça ou concorde com o que a pessoa opina, mas cada um deve sentir-se à vontade de dizer o que pensa. Depois em algum momento temos de decidir, mas quero incluir o pensamento das pessoas que me rodeiam.
Como é que a Anna faz essa gestão? Esse tipo de abordagem à sua equipa e depois aquilo que lhe é exigido internacionalmente em termos de resultados?
Acho que ser approachable e inclusivo não quer dizer não ser exigente. Uma coisa que sinto muito, e uma das razões porque gosto de trabalhar aqui, é que as pessoas têm um grande sentido de responsabilidade e de entrega. Aqui, as pessoas trabalham muito, não só na Nestlé, mas em Portugal, de maneira geral. Trabalha-se muito e têm-se um sentido de responsabilidade muito elevado. Então quando os resultados são ruins eu não tenho de falar ao chefe desse departamento, ele já sabe. E tipicamente já vem com um plano.
É óbvio que tentamos fornecer o melhor ambiente de trabalho, mas temos de entregar no final. Não somos uma ONG. Então quando temos desafios, ou as pessoas já vêm com uma proposta, ou são questões que discutimos no momento.
“Isso é a nossa responsabilidade, fornecer nutrição às famílias portuguesas. Então não posso deixar de produzir e de fornecer”.
Tendo em atenção o cenário económico que estamos a viver, quais são as principais dificuldades que estão viver no sentido de fazer com que a operação Nestlé em Portugal funcione bem e tenha resultados?
Diria que há três áreas que me preocupam neste contexto. Uma é a fragilidade da cadeia de abastecimento, o que não é só para mim. É basicamente para o mundo. Enquanto antes era mais previsível que ia receber uma matéria-prima, a tal custo, e podia planear a fábrica de uma determinada maneira, hoje em dia já é muito mais frágil.
Pode acontecer alguma coisa e já não vou ter os cereais no dia em que pensava, o vidro ao custo que pensava, etc, etc… E para mim isso é fundamental porque temos de poder produzir e colocar o produto no mercado. Isso é a nossa responsabilidade, fornecer nutrição às famílias portuguesas. Então não posso deixar de produzir e de fornecer. E aqui, comparativamente com o passado, temos de ter muito mais agilidade.
O segundo é essa pressão a nível de custo, encontrar o bom equilíbrio de dizer eu tenho de aumentar preço, como todos, mas tenho de fazê-lo de uma maneira responsável. Não posso dizer o meu custo aumentou 20% e vou aumentar 20% no consumidor. Faço um aumento responsável aos clientes e são eles que decidem se vão passar isso ao consumidor. Achar esse equilíbrio de manter os investimentos que são precisos a longo prazo, mas podendo entregar números no curto prazo, num ano particularmente difícil.
Depois o outro aspeto é a perda de poder de compra das famílias portuguesas que está a impactar, de maneira geral, as marcas. Portugal é um país que gosta muito de marcas, que é muito leal às marcas, em que as pessoas cresceram com o Nestum, tem esse amor. Não é tanto convencer os portugueses da qualidade da marca ou do valor nutricional que essas marcas trazem, mas o poder de compra está a ficar curto e, nesse sentido, acho que algumas famílias estão a fazer escolhas que envolvem menos as marcas.
E como dão a volta a essa situação?
Algumas vezes também se associa as marcas a um certo preço, mas também há o valor nutricional. Se falarmos do Nestum ou do Cerelac, o Nestum, por exemplo, pode ser uma refeição completa até para os idosos. E quando é considerada uma refeição completa acho que é uma refeição muito barata. Também estamos a estudar muito e já percebemos que vão faltar alguns elementos nutritivos na dieta dos portugueses, justamente porque as pessoas estão a cortar alguns elementos de comida. E acho que muitos desses elementos estão nos produtos de marca. Porque não juntamos os ingredientes para chegar à carga calórica, mas também para ter um balanço nutricional equilibrado. E sabemos que as pessoas também estão atentas ao fator nutricional que esses produtos podem trazer.
E uma coisa que sempre fazemos nestes tempos de crise é pensar nos formatos. Às vezes para uma pessoa é mais importante o valor e temos de fornecer pacotes menores. Pensando no Nescafé, em vez do compacto de 200g preferem comprar 50g de cada vez porque já estão a considerar a despesa nesse ato de compra. E ao mesmo tempo também fornecer pacotes grandes para pessoas que planeiam e preferem comprar pacotes poupança, onde compro 500g de Nescafé que me custa menos à unidade. Então também contamos com essas necessidades das pessoas que planeiam mais e dos outros que estão mais a pensar no que conseguem gastar.
Uma fase de crise como esta é um desafio para uma empresa como a Nestlé?
Sim, mas também é uma oportunidade porque as pessoas continuam a comer. Também estamos numa categoria que é muito resistente à crise, que é a comida.
Em todas as crises o que vemos é que são momentos em que tipicamente as empresas maiores conseguem-se manter porque temos flexibilidade, uma estabilidade e um tamanho que nos permite também assumir essas crises de uma forma melhor. Mas acho que nos exige, e foi por isso que também falei da agilidade das pessoas, uma mudança de pensamento, de como podemos ir ao encontro do consumidor e fornecer-lhe o que ele está à procura nesse período.
Neste novo desafio que estamos a viver como é que entra a inovação digital? A transformação tecnológica nos processos de fabrico, na comunicação com o consumidor…
A comunicação das marcas é muito mais digital do que era antigamente em que havia publicidade tradicional. A publicidade já é muito mais virada para o digital e para a personalização. Porque quando se conhece as pessoas que entram no nosso site para se inscreverem, por exemplo, para um prémio, ou os clientes da Nespresso, já temos dados personalizados com que podemos ir muito mais ao encontro do que cada um quer saber em vez de dizer o mesmo a todos.
Também internamente na comunicação. Por exemplo, há algumas semanas tivemos a reunião semestral onde eu falo aos colaboradores. Antigamente era aqui [na Nestlé] e as pessoas das fábricas não podiam vir. Agora quem quer vir vem, mas quem não quiser pode ligar-se. Já posso falar com as fábricas, com os pontos de loja do país.
Nós temos uma política de trabalho bastante flexível. As pessoas podem decidir, dentro do que é requerido para o trabalho, quando querem trabalhar em casa ou no escritório. Portanto, não temos a obrigação que muitas empresas têm de dizer à segunda, quarta e sextas tens de estar aqui, ou x dias por semana. Isso também é possível graças ao digital.
O que vemos, e que para mim é um bom sinal a nível cultural, é que a taxa de presença física na empresa é de 68% e isso, sem obrigação, é muito. Acho que a cultura da empresa é forte nesse sentido, o facto de que as pessoas querem regressar.
Depois há dias em que ou porque têm médico às cinco, ou porque têm uma apresentação e têm de estar mais concentrados, não vale a pena apanhar trânsito para vir ao escritório. Têm razões profissionais ou pessoais pelas quais ficam em casa. E está totalmente ok.
Então fizeram a adaptação a este novo modelo de trabalho e a reação das pessoas é boa …
É ótima. Eu também não acredito numa empresa que é 100% remota, no nosso caso. Porque acho que a cultura também se faz com a colaboração nas pausas de café, no corredor, no almoçar juntos, então se há pessoas que estão 100% em casa têm algum problema de conexão com as empresas. A não ser que seja um trabalho previsto, e existem, por exemplo, o atendimento telefónico ao consumidor que se presta muito para fazer em casa. Mas quando sou um brand manager, trabalho com vendas, com finanças, faço troca de ideias… de vez em quando tenho de estar aqui. Não posso fazer isso 100% em casa.
Eu pessoalmente estou muito no escritório porque acho que na minha função tem de se sentir, tem de se ver as pessoas. Não posso ficar à frente do ecrã em casa.
“Até usamos muitas vezes Portugal como o mercado piloto a nível internacional, seja em processos novos, na maneira de trabalhar, seja em produtos novos para o consumidor”.
Globalmente, de que forma o feedback da experiência do utilizador através dos dados é importante para a condução do próprio negócio?
É super importante porque no final se o consumidor não gosta do nosso produto não tem muita razão dele existir. No retalho é mais difícil ter esses dados, mas fazemos também vários inquéritos ao consumidor para perceber as necessidades, ou a satisfação das pessoas com os nossos produtos, ou com os serviços, com os canais em que estamos presentes.
O que vemos é que, e não tinha pensado nisso antes de trabalhar aqui, o consumidor português é muito aberto à inovação, ao contrário de outros países latinos que são mais tradicionais. Até usamos muitas vezes Portugal como o mercado piloto a nível internacional, seja em processos novos na maneira de trabalhar, seja em produtos novos para o consumidor.
Porque tem uma abertura bastante elevada a dizer “vou experimentar”. Depois logo vejo se gosto ou não gosto. Mas vamos experimentando.
Agora o negócio que mais cresce é o Garden Gourmet que é um negócio vegetariano, mas que não é para vegetarianos exclusivamente, há muitos flexitarianos, que são pessoas que conscientemente querem comer menos carne, pelo impacto no meio ambiente e pela própria saúde e que procuram substituir uma ou duas refeições com outros produtos.
Lançamos esta nova linha e até estamos a lançar mais produtos nesta gama regularmente porque vemos que têm muita procura. É uma área em que estamos a apostar bastante em Portugal. Neste caso até está menos desenvolvido que noutros países porque há países como a Inglaterra em que a categoria em si já está muito mais desenvolvida do que aqui. Mas a taxa de crescimento em Portugal é muito agradável.
Qual a área mais importante da Nestlé em Portugal?
Pela dimensão de negócio, o café. Temos o negócio da Nespresso, Dolce Gusto, Nescafé, Buondi, Sical, Tofa…então são muitas marcas que o consumidor talvez nem associe à Nestlé. E também temos o fora do lar, que nas outras categorias não existe muito.
O café é muito forte e até um modelo um pouco único porque a maior parte dos outros países tem marcas internacionais e aqui temos estas marcas locais – Sical, Tofa, Cristina – que nasceram como marcas portuguesas e que os portugueses conhecem desde sempre. Temos a capacidade de as fazer crescer para além do que eram quando se integraram na família Nestlé.
Alguma outra área que esteja a crescer a par dessa?
Uma área que cresce muito, de maneira geral, é a parte de pet care. Portugal é um dos países que tem muitos cães e gatos como animais domésticos. Vemos que há um aumento forte nesse sentido e também que as pessoas que antigamente davam as sobras das refeições aos animais estão a dar-se conta de que, para a saúde do animal doméstico, para a sua longevidade e bem-estar, é importante alguns elementos que não estão na comida humana. Então o comportamento face à alimentação dos animais domésticos também está a mudar.
Há um negócio que acho engraçado que são os sumos de fruta para bebés. Em Portugal o consumo por bebé é o dobro do que encontro noutros países, porque em Portugal os adultos também bebem. Nos outros países é uma comida para bebé, para uma criança pequena. Aqui já faz lanche, é super saudável, é prático. Aqui quase que se instalou uma categoria que nos outros países é direcionada exclusivamente para as crianças.
“O que sinto aqui muito forte é o elemento da solidariedade, as pessoas apoiam-se muito”.
Depois da sua experiência profissional noutros mercados, como analisa a realidade portuguesa comparativamente a esses?
De um lado há uma cultura Nestlé que é muito forte. É uma empresa muito grande, multinacional, mas há um sentimento de uma empresa familiar muitas vezes, em que as pessoas se conhecem. Isso não é por acaso. É também porque temos uma forte comunidade de expatriados que circula e que tem essa cultura que une as pessoas entre os mercados. As pessoas reconhecem-se num valor que é muito forte que é o respeito por nós, pelos outros e pelo meio ambiente.
Às vezes posso tomar decisões não fáceis, mas tem maneiras e maneiras de tomá-las e esses valores fortes são mesmo da empresa. Isso senti em todos os mercados. Não fazemos shortcuts, somos a longo prazo e somos uma grande empresa, também muito escrutinada pela opinião pública.
Depois há elementos muito diferentes que são muito culturais. E não é por acaso que Portugal foi o único país que pedi para voltar. Tem uma ética de trabalho muito elevada. O que sinto aqui muito forte é o elemento da solidariedade, as pessoas apoiam-se muito.
Quando estava na Inglaterra, por exemplo, eu fiz o meu MBA lá, mas também tinha tempo para fazê-lo porque saia-se do trabalho às 5. Então ainda tinha muitas horas durante o dia. Aqui já é muito menos assim. As pessoas têm uma ética forte e vão ficando quando não acabam uma coisa.
E depois o nível de preparação académica é muito elevado. Talvez pelo sistema universitário, ou talvez por já trabalharem quase todos durante os estudos e já ganharem experiência, mas o nível de preparação é muito elevado. E o nível de inglês. Quando trabalhei em Itália eu não ia sobreviver se não falasse italiano. Não dava para fazer nada com o inglês. Aqui se temos alguém de fora que participa numa reunião ou uma pessoa na chefia que não fala português, não há problema nenhum para mudarmos a reunião para inglês. E há um nível muito operacional na empresa. Essa preparação também é particularmente elevada aqui.
É mais um fator distintivo do mercado português.
Muito. E acho que é uma das razões porque há muitas empresas que vêm para cá e que fazem como nós fizemos também, um centro de serviços em Portugal para outros países. Obviamente há um elemento de custo e os salários aqui são muito mais baixos. Mas há pessoas super preparadas, com um bom conhecimento de línguas e com uma forte ética de trabalho o que também contribui para facto de nós estarmos a contratar imensas pessoas para mercados de fora que nos estão a dar trabalho por ser feito a partir daqui.
Era dentro deste futuro que se via quando estudou matemática?
Nada. Eu nunca fiz um plano de carreira. Sempre fui muito pelo que me dava gozo fazer ou que achava que podia fazer. Inicialmente fiz o liceu com grego antigo e latim, mas na época eu queria fazer isso. Depois pensei que a matemática também era super interessante de aprender, mas não fazia a mínima ideia do que se podia fazer com a matemática. E depois queria viajar, porque gostava de outras culturas. Foi por isso que entrei na auditoria internacional que é um trabalho durante quatro anos, em que não se vive em lugar nenhum. Vamos para uma unidade, ficamos alguns meses, depois vamos para outra. Na Austrália, depois no centro de Angola…e fiz isso muito porque queria viajar.
Então foi muito assim. Nunca fui muito de fazer um trabalho porque isso me levava a fazer outro trabalho. Sempre fiz um trabalho porque queria fazer aquele trabalho, naquele momento e porque achava que conseguia fazê-lo.
Há algum projeto que gostasse de implementar na empresa que tivesse o seu cunho?
Acho que são os 100 anos. Acho que é o momento de estar aqui. É um momento super importante e quero que seja memorável, seja para os colaboradores, seja para os consumidores e também os vários stakeholders que temos na empresa. 100 anos é um momento importante na história de qualquer empresa e há poucas empresas que cheguem a esta idade. Então para mim será o momento mais importante do ano que vem.
Quem está a preparar evento são 30 talentos diferentes da empresa. Perguntamos às pessoas quem queria ser envolvido na organização desse evento, então temos uma equipa de 30 pessoas voluntárias que estão a fazer isto além do trabalho, alguns do marketing, mais na área criativa, outros das finanças, alguns de recursos humanos. Temos esta equipa que todos os meses apresenta as propostas na reunião de chefia e conversamos sobre as coisas. Mas esse vai ser com certeza o grande evento do próximo ano. O aniversário mesmo é no dia 10 de março, mas acho que vamos ter coisas um pouco ao longo de todo o ano
Recentemente participou num congresso de recursos humanos, o Congresso RH. Qual foi a mensagem que quis passar às pessoas?
Uma mensagem grande foi a diversidade, de que já falámos. Outra foi em torno dos escritórios, de fornecer também um bom ambiente aos colaboradores. E também o propósito. Hoje em dia dizer “o nosso propósito é crescer e fornecer lucro” não é o suficiente. O nosso propósito vai bem além disso.
Falamos também de percursos de carreira diferentes e da possibilidade de crescer dentro da empresa, numa empresa que tem tanto portefólio de negócio. Temos muito países onde se pode trabalhar e muitas funções e também facilitamos muito a mudança entre funções. Então foi um pouco sobre as maneiras de como se pode crescer dentro da Nestlé e o que nós também fazemos para ajudar as pessoas a crescer, apoiar o seu desenvolvimento e responsabilizar as pessoas, porque essa liberdade que damos a nível de gestão de tempo, de onde trabalham, também vem com um management paper formats que é a responsabilidade do colaborador dizer “eu recebo toda a liberdade, mas também entrego os resultados”.
Que conselhos daria a um jovem que entra agora no mercado e que queira fazer carreira?
Para mim, será fazer uma coisa que goste de fazer. Não vai dar certo dizer “faço uma coisa porque ganho melhor”. Outra é ser flexível. Acho que muitas vezes as coisas não correm como nós achamos que iam correr porque estamos focados demais no que queremos e não vemos as oportunidades à nossa volta.