Opinião

Reinventar a educação para gerar os líderes do futuro

Miguel Leocádio, executivo da Novabase*

Há pouco mais de 10 anos era lançado o iPhone e o Facebook e o Twitter abriam-se ao mundo. Também há 10 anos era lançado o sistema Android e os custos de sequenciação do nosso ADN começavam a cair drasticamente, fruto da utilização de novas técnicas e plataformas e do aumento do poder da computação.

Mais recentemente, surgiu o iPad e, com ele, a geração dos tablets e das apps. Estes são os atuais ciclos de mudança a que estamos sujeitos, 5-10 anos, e que nos obrigam a repensar quase tudo (o que fazemos, como fazemos, como nos relacionamos, como trabalhamos, como ensinamos e aprendemos). São ciclos muito diferentes daqueles que ocorreram há 100 anos ou mesmo durante o século 20. E a aceleração tecnológica continua no seu ritmo exponencial, pelo que estes ciclos tenderão a ficar mais curtos.

No seu mais recente livro, “Thank You For Being Late”, Thomas Friedman aborda o desalinhamento notório entre a nossa capacidade de adaptação e a mudança constante que o mundo nos impõe. E fá-lo evocando a sensação que sentimos quando estamos em movimento de aceleração constante: quando no carro aceleramos numa descida ou num salto para água. Sendo essa a sensação que vivemos atualmente em permanência, sem abrandamento, e que causa um sentido constante de confusão, stress ou desorientação (como refere David Foster Wallace em “This is Water”). Não colocando a hipótese de, deliberadamente, desaceleramos a inovação tecnológica, mesmo que tal fosse possível, a solução só pode passar por elevarmos a nossa capacidade de adaptação, encontrando um novo paradigma de estabilidade, que Friedman refere como estabilidade dinâmica.

A necessidade de aumentar as capacidades de adaptação começa ao nível individual e transpõe-se para os níveis coletivo e institucional. Também os governos e a sua atividade regulatória se devem tornar mais ágeis, caso contrário correm o risco de impactar negativamente na sociedade, fruto da sua permanente obsolescência.

Da nossa capacidade de adaptação, resulta uma inquietação que cresce, relacionada com o nosso sistema de ensino e que se relaciona com a nossa débil preparação para este novo paradigma de mudança acelerada. Continuamos com um sistema assente na passagem de conhecimentos e focado nas competências cognitivas. Mas atenção: não está em causa a relevância da apreensão de conhecimentos base, pois faz-nos e far-nos-á sempre falta o referencial de onde viemos e onde estamos.
O que está em causa é uma efetiva preparação que nos dará mais condições de afirmação pessoal, contribuição coletiva e, no final, bem-estar, relevância e sucesso. E essa preparação está relacionada com a nossa capacidade de aprendizagem e desenvolvimento. Com a nossa vontade de aprender constantemente, de comunicar e empatizar com os outros, de colaborar e socializar, e com a nossa capacidade de pensamento crítico – o que habitualmente conhecemos como soft skills, competências centrais para a elevação da nossa capacidade como humanos e do nosso propósito diferenciador que, hoje e ainda mais no futuro, nos distinguirão da robotização e do desempenho das máquinas, incrementado pela inteligência artificial.

Em 2015, a OCDE divulgou evidências inequívocas da relevância destas competências no relatório “Skills for Social Progress: The Power of Social and Emotional Skills”, 2015, e iniciou um estudo global sobre a medição do impacto das competências na qualidade de vida, em termos de desempenho profissional, saúde e bem-estar individual e social, “The Study on Social and Emotional Skills”, 2017-2020.
Também grandes empresas, nomeadamente da área tecnológica, como a Microsoft, a Google, a Cisco e as maiores multinacionais da consultoria, têm refletido sobre esta temática produzindo reflexão ou criando agendas para a educação. Por exemplo, o Projecto Aristotle, desenvolvido pela Google em 2017, trouxe alguma surpresa ao afirmar que as equipas na origem das ideias mais importantes e mais efetivas da empresa não foram as suas chamadas equipas de topo constituídas por cientistas de referência, mas sim as equipas constituídas por empregados que nem sempre são os mais reconhecidos, e que as competências chave desse desempenho são maioritariamente competências sociais e emocionais.

E esta é uma necessidade urgente sentida cada vez mais em Portugal, por professores, alunos, pais, empresários e gestores, escolas e empresas, e por uma miríade de pensadores que tocam cada vez mais neste domínio.

Mas é ainda uma relevância ausente nas prioridades dos nossos sistemas de ensino, que apontam praticamente em exclusivo para as competências cognitivas, sendo as sociais e emocionais uma espécie de subproduto do processo. Daqui resulta uma inquietação que cresce e se generaliza: que preparação estamos a dar às novas gerações para se ADAPTAREM, INTEGRAREM e APROPRIAREM do FUTURO? É uma relevância que o nosso sistema de ensino não pode continuar a negligenciar. E o sistema de ensino são as escolas, os professores, os pais e encarregados de educação e as comunidades. E é também o “ensino” do nosso próprio sistema de ensino, as escolas superiores de educação que formam os professores. Porque os professores terão sempre um papel fulcral neste movimento, cada vez mais como verdadeiros mentores e facilitadores da aprendizagem, e necessitam, também eles, de apreender ou reforçar as competências para desempenharem esse papel. É, portanto, necessária uma visão sistémica e mobilizarmo-nos em maior escala, pois só com sentido de urgência se poderão vencer alguns constrangimentos de base que atrofiam qualquer tentativa de transformação do sistema escolar.

É por isso que estamos através da plataforma Portugal Agora, com muitos outros parceiros, a lançar a construção de uma nova agenda que traga estas competências para o processo de aprendizagem o mais cedo possível. Como atuar? É esse o repto para o qual estamos a coligir propostas. Com sentido de urgência. Esperamos pela sua!


Miguel Leocádio é membro da equipa de gestão da Plataforma Portugal Agora. É executivo na Novabase, onde se encontra desde 2010. Licenciado em Engenharia e Gestão Industrial e mestre em Engenharia e Gestão de Tecnologia, pelo Instituto Superior Técnico, tem 20 anos de experiência profissional, na indústria e no setor dos serviços, a maior parte dos quais em consultoria e tecnologia.
No passado foi consultor em gestão da produção e otimização de processos com suporte nas TI no setor industrial. Desenvolveu projetos em Portugal, na Grécia e em Moçambique. Posteriormente, esteve na criação de uma nova empresa de consultoria para apoio à formação em Portugal das Cidades e Regiões Digitais, que suportaram as políticas de Governo Eletrónico, no período de 2003-2004. Foi ainda chefe de gabinete no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no XVII Governo Constitucional, entre 2005-2009.

Entusiasta das práticas de design como alavanca dos processos de inovação, gosta de observar o mundo pela perspetiva de behavioral economics. Acredita no poder de uma cultura DDLO – Deliberatly Developmental Learning Organization, como contexto para acelerar a capacidade de adaptação e desenvolvimento aos níveis pessoal e organizacional.

Reflete e publica regularmente sobre o papel das políticas públicas, em particular nas áreas da educação, ciência e tecnologia e mudança tecnológica. Baterista nas horas livres, tem na música uma paixão, e acredita que esse seu lado artístico o eleva profissionalmente, motivando-o a dar largas à criatividade e a “pensar fora da caixa”.

*Membro da Equipa de Gestão – Portugal Agora

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