Opinião

Analogicamente digital? Resiliência resistente!

Rui Ribeiro, professor da Universidade Lusófona e consultor de Transformação Digital

No passado dia 28 de abril de 2025, um apagão generalizado atingiu Portugal e Espanha. Num instante, o que era automático deixou de funcionar: sistemas energéticos colapsaram, vários meios de transporte público pararam, e as redes de comunicação entraram em silêncio. Foi mais do que um corte de luz – foi um lembrete brutal da nossa vulnerabilidade estrutural num mundo cada vez mais dependente do digital.

Este tipo de evento mostra-nos que a transformação digital não é, por si só, sinónimo de robustez. A verdadeira transformação acontece quando se alia a inovação tecnológica a uma cultura de resiliência e segurança. Uma cultura que, embora muitas vezes não traga vendas imediatas ou retorno financeiro direto, é a única que garante continuidade, sustentabilidade e, em última instância, sobrevivência, sobretudo em cenários de crise ou catástrofe – sejam eles guerras, falhas sistémicas ou fenómenos naturais extremos.

Num contexto em que diretivas e regulamentos como o NIS2, o DORA e o Cyber Resilience Act ganham expressão, é fundamental que as organizações compreendam que estar em conformidade não chega. Não basta preencher um relatório para o regulador. É preciso construir uma cultura interna de preparação, de teste e de resposta realista. Isso exige muito mais do que redundância técnica ou investimento em cibersegurança – não se resolve despejando tecnologia sobre um problema. Exige liderança proativa, literacia digital nas chefias, formação contínua, e acima de tudo: simular, aprender, ajustar e repetir.

A resiliência organizacional moderna não se compadece com justificações como “não tive gasóleo para o gerador porque aguardo aprovação de despesa”. Resiliência exige pensar também de forma analógica, percebendo que muitas das falhas não são tecnológicas, mas sim humanas – desde o operacional até à gestão de topo. Estar preparado para continuar a operar quando o digital falha implica ter procedimentos manuais de fallback, canais de comunicação alternativos, e capacidade de adaptação em ambientes degradados. Veja-se o exemplo de 2024: no crash provocado pelo bug da Crowdstrike, as companhias aéreas com processos em papel continuaram a voar, enquanto as que dependiam exclusivamente de sistemas digitais ficaram em terra.

A transformação digital e a gestão de sistemas de informação assentam no equilíbrio entre Pessoas, Processos e Tecnologia. Aplicado a este tema: precisamos de pessoas para liderar, errar e decidir. Precisamos de processos digitais automatizados e eficientes, mas também de processos manuais eficazes. E precisamos de tecnologia de ponta, sim – mas também de um rádio a pilhas que nos permita comunicar antes de sermos forçados a recorrer a sinais de fumo.

Vivemos num mundo de riscos crescentes – sejam tecnológicos, climáticos, geopolíticos ou energéticos. O que distingue organizações verdadeiramente preparadas não é o número de certificações, mas sim a consciência estratégica de que a continuidade é tão valiosa quanto o crescimento. E essa continuidade nasce de uma cultura de resiliência, enraizada nas equipas e liderada com visão.

A próxima crise não vai perguntar se estamos prontos. Ela virá – amanhã, daqui a um ano ou uma década. E só permanecerão de pé aqueles que, mesmo perante o colapso digital, souberem continuar a operar com clareza, coordenação e capacidade de adaptação.

Comentários
Rui Ribeiro

Rui Ribeiro

Atualmente é professor da Universidade Lusófona e consultor de Transformação Digital, tendo tido várias atividades profissionais, entre as quais Head of Consulting & Technology na Auren Portugal, diretor-geral da IPTelecom, diretor comercial da Infraestruturas de Portugal S.A., diretor de Sistemas de Informação na EP - Estradas de Portugal S.A. e Professional Services Manager da Sybase Inc. em Portugal. Na academia é diretor executivo da LISS – Lusofona Information Systems School, e docente da ULHT. Rui Ribeiro é doutorado em Gestão... Ler Mais..

Artigos Relacionados

Randy M. Ataíde, CEO da StealthGearUSA
Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School