Opinião
A Demolição do Portão “Portagee”
Na série de livros Os Portugueses nas Américas da Universidade de Massachusetts, Charles Reis Felix, filho de um imigrante português de Boston, relata a história de uma interação que teve com um rancheiro californiano
Não tendo conhecimento das origens portuguesas do Charles, o rancheiro chamou a atenção a um fio deslocado numa barricada e comentou com risos desdenhosos: “Os Portagees são demasiado avarentos para gastarem o devido dinheiro e fazerem bem o seu trabalho…se pudessem, nem 5 cêntimos gastariam.”
Esta narrativa contada por Reis Felix é vista como um dos contos que reflete, de uma forma potente e convincente, as dificuldades passadas pelos portugueses imigrantes nas suas buscas pela identidade e aceitação, mediante culturas que exigem a conformidade.
Sendo neto de imigrantes do Porto e tendo passado bastante tempo com os meus familiares imigrantes (Ataíde e Pereira) enquanto jovem, observei, em primeira mão, a importância dada ao estilo de vida que chamávamos “viver abaixo das nossas possibilidades” – em outras palavras, ser o que muitos chamariam de frugal, parco ou modesto. Tendo passado por um tempo financeiro turbulento e a falência do seu negócio na década de 1930, os meus avós nunca foram extravagantes, e os seus três filhos aprenderam com eles nesse aspecto. Ao refletir sobre esses anos, eu vejo que a minha família construiu os seus próprios “Portões Portagee,” algo que traduziu-se no mínimo de gastos possíveis.
(Nota: antes de ler a autobiografia do Reis Felix, eu nunca tinha ouvido falar do termo “Portagee”. De fato, usá-lo foi sempre visto como uma violação da dignidade da nossa etnia familiar, mas essa é um outro tema).
Entre os meus 20 e 30 e tal anos, comecei a fundar vários negócios pequenos e adquiri algum sucesso, embora modesto. Mesmo quando esses empreendimentos começaram a expandir e eu comecei a tornar-me mais bem sucedido no âmbito financeiro, guardei comigo as lições importantes do meu legado familiar. Essas lições tornaram-se parte da minha disciplina da acumulação das minhas poupanças pessoais. Quando me deparava com lucros extensivos, raramente os gastava em extravagâncias como uma forma de retribuir o meu trabalho e os riscos que tomava. Isto tem-se mantido ao longo da minha vida adulta.
O facto de eu ter mantido o nível dos meus custos pessoais no mínimo, como ganhador ou empreendedor, providenciou-me uma certa segurança quando as coisas não corriam bem do ponto de vista financeiro.
Ser o povo que “se pudesse, nem 5 cêntimos gastaria” tem servido bem não só aos portugueses, mas também a qualquer outro imigrante da América do Norte. Os suecos, holandeses, armênios, alemães e outros grupos étnicos com quem cresci na Califórnia rural, tinham o mesmo princípio em geral. E é esse o princípio que lhes forneceu a oportunidade de subirem para a classe média norte-americana que muitos outros desejavam, independentemente de trabalharem no setor público, em fábricas, nas quintas ou como donos de empresas.
Infelizmente, a frugalidade pessoal, que talvez seja notável por outras razões, não mais serve como uma maneira das pessoas atingirem o conforto financeiro, a segurança e a estabilidade. E isto é verdade não só na América do Norte, mas na Europa e em Portugal. A grande crise financeira de 2007/2008, e o seu rescaldo, revelou a fragilidade financeira presente na vida de muitos cidadãos, assim como as limitações políticas e governamentais dos dois lados do Atlântico. Tendo passado um pouco mais de uma década desde então, tenho visto poucos sinais positivos de que a segurança financeira estará próxima de nós.
Ao longo de 500 páginas, o Reis Felix fala do percurso que levou para aceitar o seu legado português, assim como, o facto que o seu pai era um açoriano que consertava sapatos. Mas o livro termina com uma correção do seu pai: Ele não era somente um consertador de sapatos. Na perspectiva do seu pai, esta distinção era crítica porque um consertador de sapatos somente conserta as criações de um sapateiro. Esta simples mas crucial distinção está no centro dos conceitos de empoderamento pessoal e da liberdade, e como Reis Felix aprendeu, ajudam a destruir as impressões e a realidade do “Portão Portagee.”
Qual o significado de isto tudo para nós? Simplesmente falando, é provável que seja impossível reduzirmos os nossos gastos pessoais ao ponto de ganharmos estabilidade financeira, da mesma maneira que esta foi adquirida pelos nosso pais e avós. Isto salienta a necessidade do desenvolvimento empreendedor e a nutrição de um ecossistema empresarial local, assim como a rejeição das habituais panaceias dos programas de treino profissionais, projetos públicos e parcerias chamativas entre o governo, grandes universidades e marcas. Temos que agarrar as oportunidades e a realidade das gerações afetadas pela crise financeira e deixar de lado as barreiras culturais e sociais que outros colocaram no nosso caminho. Existem muito mais pessoas criativas e emocionantes em Portugal hoje. Talvez estas não sejam iguais às pessoas que os meus avós têm na memória, mas são exatamente quem precisamos.
Vamos descobrir novas formas de incentivá-los a seguir em frente.