Opinião
Acreditar, incentivar e educar o talento da indústria criativa

Nas escolas de gestão e marketing pouco se fala sobre as indústrias criativas e são raras as pessoas que, a nível nacional, têm como ambição criar uma empresa de jogos ou animação, por exemplo.
Em 2013 nasceu o THU (Trojan Horse was a Unicorn), um evento que na altura reunia uma pequena comunidade internacional. Ao longo dos anos, o THU cresceu e deixou de ser apenas um evento, tornando-se numa comunidade mundial com um sentido de missão: melhorar o mundo através do potencial das indústrias criativas e criar ferramentas para o desenvolvimento de uma indústria diversa, igualitária e com pessoas realizadas profissionalmente.
No evento de 2016, deparei-me com uma realidade que até então não tinha conseguido ver: o maravilhoso mundo dos sketchbooks da tribo. Nesse ano, esforcei-me para sair por uns instantes da “bolha” da organização do evento e tirei tempo para conhecer a arte da comunidade, o que foi algo revelador para mim. Descobri infinitas páginas de arte, ideias fantásticas e projetos com um potencial gigante.
Para os artistas, estes cadernos são como uma porta para as suas mentes e uma extensão da sua criatividade – e a maioria não imagina sequer a possibilidade de trazer essas ideias para fora do papel. São rabiscos de sonhos, um escape, ou uma forma de serem criativos fora dos seus empregos tradicionais, nem sempre diretamente ligados à arte.
Que mecanismos é que existem atualmente para dar conhecimento e confiança a estes criadores, para que estes se tornem empreendedores? A resposta a esta pergunta, que surgiu na altura, materializou-se este ano em forma de evento: o THU Creators Circle, em Barcelona. O objetivo do evento, que teve lugar de 13 a 15 de julho deste ano, foi criar um bootcamp sobre o funcionamento da indústria criativa no que toca à gestão, investimento e comunicação. Foram três dias intensos em isolamento num local incrível (Chateauform’ Campus La Mola), onde participantes de 25 nacionalidades (dos quais 96% eram mulheres), tiveram a coragem de arriscar e sair da sua zona de conforto para realizarem os seus sonhos.
Sendo a missão do THU apoiar o desenvolvimento das indústrias criativas a nível mundial, criar o Creators Circle acabou por ser um passo natural. Durante o meu percurso, percebi que é realmente preciso criar uma nova dinâmica de pessoas na indústria, com uma nova cultura de entreajuda. Ainda hoje existe um fosso muito grande entre artista e sociedade, assim como entre artista e mercado. No início da minha carreira, eu também sentia receio em falar com investidores, porque era um mundo assustador e as escolas não nos preparam para este lado do empreendedorismo. Nas escolas de gestão e marketing pouco se fala sobre as indústrias criativas e são raras as pessoas que, a nível nacional, têm como ambição criar uma empresa de jogos ou animação, por exemplo.
Com o Creators Circle a ideia foi, por um lado, ensinar aos criadores como dar vida aos seus projetos e, por outro, ajudar perfis de marketing e gestão a saber mais sobre este mundo e a fazer parte dele. Esta é uma sinergia valiosa que pode mudar mentalidades e, durante o evento, houve um grande sentimento de partilha e uma crença de que em conjunto podemos fazer a diferença e desenvolver o setor criativo a nível mundial. Inicialmente pareciam-nos mundos demasiado diferentes para juntar, mas este evento provou que este é o caminho. Espero que mais empreendedores e decision-makers o sigam e encontrem o sucesso nesta combinação, tal como nós fizemos.
Outro grande foco do Creators Circle foi tentar contribuir para o equilíbrio na balança da igualdade de género. Houve uma grande aposta na liderança feminina, que é um dos pilares do evento. Uma das coisas que me marcou negativamente no processo de criação deste evento foi sentir que se perdeu uma oportunidade de iniciar um processo de abrir portas de Portugal para uma indústria que cresce todos os dias e tem um enorme impacto económico e social nas comunidades. Espanha abraçou a ideia deste evento e acreditou de uma forma que eu gostaria que Portugal também fosse capaz. Infelizmente, a nível nacional ainda existe falta de visão neste campo.
Sempre tive o sonho de criar uma indústria de entretenimento digital forte no país, tentando até abordar algumas instituições de ensino superior, mas a grande maioria apenas expressou desinteresse. No entanto, não vou desistir até conseguir convencer pelo menos uma faculdade de que a educação neste setor é uma oportunidade gigante. O talento nacional existe, mas precisamos urgentemente de dar espaço e condições para o fazer brilhar. Procuramos sempre universidades e empresas portuguesas que se queiram juntar a esta causa e, em conjunto, dar condições à nova geração de empreendedores, sempre com um foco na diversidade e inclusão. Passamos a última década a criar ferramentas para o desenvolvimento da indústria e queremos mudar mentalidades, mas ainda há um longo caminho pela frente.
André Luís é o cofundador de Trojan Horse was a Unicorn (THU), um dos projetos mais relevantes do setor do entretenimento digital e interativo, à escala global. Licenciou-se em Design Industrial e tem uma pós-graduação em Gestão de Marketing. A ideia de criar o THU surgiu em 2013 em resposta ao desejo de fazer diferente, ser útil para a sociedade e ter um impacto positivo na vida das pessoas. Atualmente, o THU é uma marca internacional de renome na indústria, promovendo diversos eventos e projetos por todo o mundo e afirmando-se como um ecossistema de networking criado para partilhar conhecimentos e inspirar criadores.