Opinião
A Siglomania da gestão: quando os acrónimos substituem as decisões
A gestão moderna tem um vício curioso: a paixão por acrónimos. Da clássico SWOT à recente OKR, passando por PEST, AIDA, RACE, NPS, VRIO, SMART ou ESG, parece que, para cada dilema empresarial, há sempre uma sigla salvadora pronta a entrar em cena. O problema é que, na maioria dos casos, estas ferramentas servem mais para robustecer relatórios e apresentações do que para gerar impacto real na vida das empresas.
Quem nunca participou numa reunião estratégica em que se preencheu religiosamente uma matriz SWOT, listando forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, para depois nunca mais se falar no assunto? E quem, perante essa experiência, não evitou a identificação de pontos fracos que criassem suscetibilidades na hierarquia (“temos uma clara falta de orientação estratégica e falta de foco no cliente”). Ou numa sessão de planeamento de marketing onde os 4Ps são recitados como mandamentos, para que no final a decisão se resuma ao preço “que o mercado aguenta”, função para o qual, curiosamente, o marketing raramente é chamado?
O fenómeno não é novo. Nos anos 60, popularizara-se os 4Ps do marketing. Mais tarde, alguém decidiu que não eram suficientes, e passámos para 7Ps. Depois surgiram os 5Cs (cliente, custo, conveniência, comunicação, comunidade). E assim se foram acrescentando ou alterando letras ao abecedário da gestão de marketing. O resultado é um emaranhado de siglas que mais parece o dicionário de abreviaturas de uma tese académica.
Também nas matrizes estratégicas a criatividade foi fértil. A matriz BCG, com as suas estrelas e vacas leiteiras, foi um sucesso mundial. A McKinsey não quis ficar atrás e lançou a sua versão em nove caixas. Ansoff propôs outra, sobre crescimento de mercado e produto. Por sua vez, a matriz estratégica Arthur D. Little (ADL) ajudou as empresas a analisar e definir a estratégia do seu negócio, focadas na sua posição competitiva e maturidade da indústria. No fundo, todas procuram responder à mesma questão: “onde investir e onde desinvestir?”. A diferença objetiva está mais na estética do gráfico do que na substância da decisão.
Mais recentemente, a onda digital trouxe novos protagonistas. O modelo AIDA (atenção, interesse, desejo, ação), criado no séc. XIX (1899), ressurgiu com nova roupagem no modelo RACE (reach, act, convert, engage). O que mede? Exatamente o mesmo: a capacidade de levar alguém da curiosidade à compra. Mas, sendo “digital-friendly”, ganha nova vida nos relatórios de marketing.
Quem trabalha com equipas conhece os OKR (objectives and key results) e os KPI (key performance indicators). Quem estuda recursos estratégicos aprende o VRIO (value, rarity, imitability, organization). Quem prepara planos apoia-se no SMART (specific, measurable, achievable, relevant, time-bound). E quem quer estar em linha com o tema da sustentabilidade fala de ESG (environmental, social, governance).
E não ficamos por aqui. O proliferar dos temas de desenvolvimento e produtividade pessoal deram origem a metodologias como a GROW (goal, reality, options, will), para definição de metas, análise da situação atual, exploração de opções e compromisso com a ação, WOOP (wish, outcome, obstacle, plan), que consiste numa técnica de visualização e planeamento de objetivos ou LEAN, com vista à melhoria contínua e eliminação de desperdícios, também aplicada ao desenvolvimento pessoal.
Todos úteis… em teoria. No entanto, sem consequência prática, não passam de siglas bem-intencionadas. De pouco serve um conjunto de OKRs brilhantes se não se traduzem em metas cumpridas. De pouco vale definir KPIs se não são monitorizados. É como ter um GPS sofisticado e nunca ligar o carro.
A dependência dos acrónimos cria uma ilusão perigosa: a sensação de que o problema está resolvido só porque foi enquadrado num modelo. É como ir ao médico, ouvir o diagnóstico e nunca tomar o tratamento. Os acrónimos ajudam a pensar, mas não substituem a decisão, a execução e a medição dos resultados.
O grande erro é confundir o mapa com o território. Um acrónimo é um mapa conceptual, uma simplificação útil da realidade. Mas é a prática — o “fazer” — que muda e dá vida às empresas. Estratégia sem ação é apenas intenção. E, já todos sabemos, as intenções não pagam salários, não conquistam clientes e não promovem a sustentabilidade.
A gestão não deve estar centrada na sigla da moda, mas na capacidade de escolher prioridades, implementar e medir. Os acrónimos podem ser bússolas, mas nunca serão barcos.
E talvez o acrónimo mais importante que falta inventar seja o mais simples de todos: F.A.Z.E.R. — porque, no fim do dia, só as ações contam. As que resultam e as que falham.








