Opinião

A Siglomania da gestão: quando os acrónimos substituem as decisões

Pedro Celeste, diretor-geral da PC&A

A gestão moderna tem um vício curioso: a paixão por acrónimos. Da clássico SWOT à recente OKR, passando por PEST, AIDA, RACE, NPS, VRIO, SMART ou ESG, parece que, para cada dilema empresarial, há sempre uma sigla salvadora pronta a entrar em cena. O problema é que, na maioria dos casos, estas ferramentas servem mais para robustecer relatórios e apresentações do que para gerar impacto real na vida das empresas.

Quem nunca participou numa reunião estratégica em que se preencheu religiosamente uma matriz SWOT, listando forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, para depois nunca mais se falar no assunto? E quem, perante essa experiência, não evitou a identificação de pontos fracos que criassem suscetibilidades na hierarquia (“temos uma clara falta de orientação estratégica e falta de foco no cliente”). Ou numa sessão de planeamento de marketing onde os 4Ps são recitados como mandamentos, para que no final a decisão se resuma ao preço “que o mercado aguenta”, função para o qual, curiosamente, o marketing raramente é chamado?

O fenómeno não é novo. Nos anos 60, popularizara-se os 4Ps do marketing. Mais tarde, alguém decidiu que não eram suficientes, e passámos para 7Ps. Depois surgiram os 5Cs (cliente, custo, conveniência, comunicação, comunidade). E assim se foram acrescentando ou alterando letras ao abecedário da gestão de marketing. O resultado é um emaranhado de siglas que mais parece o dicionário de abreviaturas de uma tese académica.

Também nas matrizes estratégicas a criatividade foi fértil. A matriz BCG, com as suas estrelas e vacas leiteiras, foi um sucesso mundial. A McKinsey não quis ficar atrás e lançou a sua versão em nove caixas. Ansoff propôs outra, sobre crescimento de mercado e produto. Por sua vez, a matriz estratégica Arthur D. Little (ADL) ajudou as empresas a analisar e definir a estratégia do seu negócio, focadas na sua posição competitiva e maturidade da indústria. No fundo, todas procuram responder à mesma questão: “onde investir e onde desinvestir?”. A diferença objetiva está mais na estética do gráfico do que na substância da decisão.

Mais recentemente, a onda digital trouxe novos protagonistas. O modelo AIDA (atenção, interesse, desejo, ação), criado no séc. XIX (1899), ressurgiu com nova roupagem no modelo RACE (reach, act, convert, engage). O que mede? Exatamente o mesmo: a capacidade de levar alguém da curiosidade à compra. Mas, sendo “digital-friendly”, ganha nova vida nos relatórios de marketing.

Quem trabalha com equipas conhece os OKR (objectives and key results) e os KPI (key performance indicators). Quem estuda recursos estratégicos aprende o VRIO (value, rarity, imitability, organization). Quem prepara planos apoia-se no SMART (specific, measurable, achievable, relevant, time-bound). E quem quer estar em linha com o tema da sustentabilidade fala de ESG (environmental, social, governance).

E não ficamos por aqui. O proliferar dos temas de desenvolvimento e produtividade pessoal deram origem a metodologias como a GROW (goal, reality, options, will), para definição de metas, análise da situação atual, exploração de opções e compromisso com a ação, WOOP (wish, outcome, obstacle, plan), que consiste numa técnica de visualização e planeamento de objetivos ou LEAN, com vista à melhoria contínua e eliminação de desperdícios, também aplicada ao desenvolvimento pessoal.

Todos úteis… em teoria. No entanto, sem consequência prática, não passam de siglas bem-intencionadas. De pouco serve um conjunto de OKRs brilhantes se não se traduzem em metas cumpridas. De pouco vale definir KPIs se não são monitorizados. É como ter um GPS sofisticado e nunca ligar o carro.

A dependência dos acrónimos cria uma ilusão perigosa: a sensação de que o problema está resolvido só porque foi enquadrado num modelo. É como ir ao médico, ouvir o diagnóstico e nunca tomar o tratamento. Os acrónimos ajudam a pensar, mas não substituem a decisão, a execução e a medição dos resultados.

O grande erro é confundir o mapa com o território. Um acrónimo é um mapa conceptual, uma simplificação útil da realidade. Mas é a prática — o “fazer” — que muda e dá vida às empresas. Estratégia sem ação é apenas intenção. E, já todos sabemos, as intenções não pagam salários, não conquistam clientes e não promovem a sustentabilidade.

A gestão não deve estar centrada na sigla da moda, mas na capacidade de escolher prioridades, implementar e medir. Os acrónimos podem ser bússolas, mas nunca serão barcos.

E talvez o acrónimo mais importante que falta inventar seja o mais simples de todos: F.A.Z.E.R. — porque, no fim do dia, só as ações contam. As que resultam e as que falham.

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Pedro Celeste

Pedro Celeste

Doutorado em Gestão pela Universidade Complutense de Madrid. Diplomado pelo INSEAD, London Business School, Wharton School, University of Virginia, MIT Management Sloan Management School, Harvard Business School, Imperial College of London, Kellogg School of Management de Chicago e IESE Business School. Na Católica Lisbon School of Business & Economics é Diretor Académico dos Executive Master in Management e coordenador do Programa Avançado de Marketing para Executivos, do Programa de Gestão Comercial e Vendas, do Programa de Gestão em Marketing Digital... Ler Mais..

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