Entrevista/ “Somos o primeiro “Pure Digital Player” do setor da saúde em Portugal”
O que é que acontece quando se junta o espírito empreendedor de um médico e de um engenheiro? O Dr. Online, uma plataforma portuguesa de medicina que os dois amigos querem tornar uma referência global. José Lima e Tiago Cadeiras explicam como deram vida à sua ideia de facilitar o acesso a cuidados de saúde.
“Foi um fit perfeito entre a visão clínica do Tiago e os meus conhecimentos de engenharia”. É desta forma que José Lima, cofundador de o Dr.Online, resume o projeto que ele o amigo Tiago Cadeiras criaram durante o período da pandemia.
Da ideia à prática foi um ápice e, atualmente, a plataforma que assume como missão facilitar o acesso a cuidados de saúde de qualidade, agilizando diagnósticos e a prescrição de tratamentos, tirando o melhor partido da tecnologia, já está presente em três países. São categóricos em afirmar que não se reveem na expressão “telemedicina” porque o que fazem é assegurar consultas médicas online, e não apoio médico por via telefónica. Em pouco mais de três anos já ultrapassaram as 60 mil consultas e conseguiram construir um portefólio de serviços muito completo, que abrange tanto a saúde física como mental, alicerçado na aposta de um corpo clínico qualificado e totalmente alinhado com os seus valores. No curto prazo está a expansão para o Reino Unido.
Quando e como surgiu o Dr.Online?
José Lima (J.L.): O Dr.Online surgiu durante a pandemia em resposta à súbita necessidade de acesso a serviços médicos. A pandemia trouxe imensos desafios, mas também foi determinante para a inovação nos serviços de saúde.
Por um lado, o confinamento, o risco de contágio e a sobrelotação dos hospitais, colocaram a população numa situação de fragilidade. O receio de nos deslocarmos fisicamente contribuiu para que, em muitos casos, não houvesse um diagnóstico e uma resposta médica atempada.
Por outro lado, os hospitais trabalharam diariamente sobre uma tremenda pressão, com a Saúde24 a tentar aliviar a afluência, mas igualmente sobrecarregada pelo enorme e constante fluxo de chamadas. Tornava-se evidente que era preciso encontrar soluções alternativas e foi nesse contexto que nos tornamos na primeira empresa exclusivamente de medicina online em Portugal – mas que, entretanto, já está presente em mais três países.
Qual a missão?
Tiago Cadeiras (T.C.): A nossa missão é facilitar o acesso a cuidados de saúde de qualidade, agilizando diagnósticos e a prescrição de tratamentos. Queremos tirar o melhor partido da tecnologia para oferecer soluções rápidas, eficazes e acessíveis para os desafios que os pacientes encontram diariamente, garantindo que ninguém seja excluído devido a barreiras de acesso, sejam elas tecnológicas, económicas ou físicas.
São inúmeros os casos em que um quadro clínico sem grande gravidade, escala para uma situação crítica devido a um diagnóstico tardio. Por exemplo, uma infeção urinária pode ser rapidamente diagnosticada e medicada com uma consulta online de 10 minutos, evitando-se assim que evolua para uma infeção renal ou mesmo, em casos extremos, para septicemias.
Como é que um engenheiro e um médico se juntam e fazem acontecer?
J.L.: Eu e o Tiago Cadeiras somos amigos de longa data, e apesar de termos seguido caminhos profissionais distintos, eu na engenharia e o Tiago na medicina, sempre tivemos vários interesses em comum. Como é natural, durante a pandemia começamos a falar frequentemente sobre o que estava a acontecer no setor da saúde no geral, mas também sobre as experiências que o Tiago estava a vivenciar enquanto médico. À medida que o Tiago identificava as limitações e as necessidades que existiam tanto para pacientes como para médicos, tornava-se cada vez mais óbvio para nós que a solução estava ao nosso alcance. Foi um fit perfeito entre a visão clínica do Tiago e os meus conhecimentos de engenharia.
“Não nos revemos na expressão “telemedicina” (…) esse não é, de todo, o core da nossa atividade”.
O que distingue o Dr. Online da concorrência?
J.L.: Somos o primeiro “Pure Digital Player” do setor da saúde em Portugal e estamos a reimaginar o panorama da saúde online com uma abordagem inovadora, apoiada por um modelo de negócio escalável a nível mundial. Não nos revemos na expressão “telemedicina”, pois tal remete para apoio médico por via telefónica e esse não é, de todo, o core da nossa atividade. O que fazemos é assegurar consultas médicas online, tirando máximo partido daquilo que a tecnologia hoje nos disponibiliza.
No centro da nossa visão está o compromisso de acompanhar o paciente durante toda a sua vida em todas as suas necessidades clínicas, de forma harmoniosa, preditiva e preventiva.
Temos lançado alguns serviços inovadores como as consultas específicas para pedidos de análises e de exames médicos, para além de um altamente disruptivo serviço de análises clínicas em casa, baseado num inovador kit para colheita da amostra sanguínea.
Estamos também cada vez mais perto de começarmos a incluir a Inteligência Artificial em benefício dos nossos pacientes e médicos, auxiliando no diagnóstico preditivo e preventivo de patologias que, quando detetadas cedo, são casos de simples resolução. Em pouco mais de três anos conseguimos construir um portefólio de serviços muito completo, que abrange tanto a saúde física como mental, alicerçado na aposta de um corpo clínico qualificado e totalmente alinhado com os nossos valores.
“O icónico (e censurado) slogan “primeiro estranha-se, depois entranha-se” (…), podia perfeitamente ser a nossa assinatura de marca…”.
Quais os desafios que encontraram no caminho para lançar o Dr.Online?
J.L.: A resistência à mudança existe sempre que a inovação de um serviço se torna disruptiva. Há uns anos era impensável apanharmos boleia ou ficarmos em casa de um desconhecido. E a verdade é que hoje em dia, chamar um Uber ou arrendar um Airbnb são hábitos de consumo completamente banalizados.
O icónico (e censurado) slogan “primeiro estranha-se, depois entranha-se” que Fernando Pessoa escreveu para a Coca-Cola, podia perfeitamente ser a nossa assinatura de marca…
Apesar de existirem cada vez mais pessoas completamente rendidas às vantagens da medicina online, a verdade é que ainda estamos numa fase em que é preciso desmistificar e, sobretudo, educar uma boa parte do mercado em relação a este serviço – nomeadamente os segmentos mais seniores que são, naturalmente, mais resistentes na adoção de novos hábitos.
Quais os serviços que disponibilizam?
T.C.: O nosso principal serviço são as consultas médicas online de várias especialidades. Trabalhamos com muitos médicos de clínica geral para dar resposta a situações mais imediatas e de uma perspetiva mais abrangente, mas também oferecemos consultas de outras especialidades, como psiquiatria e urologia. Temos ainda serviços mais específicos como consultas para obtenção de atestados, receitas médicas e prescrições de exames. Um serviço inovador é o de análises clínicas sem sair de casa, onde é disponibilizado um kit de recolha de sangue que é entregue e recolhido em casa.
Qual o número de consultas que realizaram até ao momento?
T.C.: Já ultrapassamos as 60 mil consultas.
Qual tem sido a estratégia de internacionalização da empresa? Onde estão presentes?
J.L.: Neste momento estamos em Portugal e na Irlanda. Pouco tempo depois de nos lançarmos em Portugal, percebemos que existia uma oportunidade de nos lançarmos no mercado irlandês. Foi a nossa primeira grande aposta internacional e superou as nossas expetativas. A nossa estratégia é consolidar os mercados existentes, enquanto apostamos na nossa expansão.
Que outros mercados estão na mira do Dr. Online?
J.L.: Com a nossa operação na Irlanda em constante crescimento, tornou-se bastante evidente que o caminho natural a seguir seria expandirmo-nos para o Reino Unido, o que acontecerá muito em breve. Outras geografias estão também referenciadas e é provável que venhamos a ter em breve outras novidades, para além do anúncio oficial da nossa operação em Inglaterra.
“A nossa entrada no programa da Techstars visa (…) funcionar como laboratório de ensaio e antecâmara de entrada para o mercado norte-americano”.
Entraram recentemente num programa de aceleração da Techstars. Quais as expetativas?
Ficamos bastante entusiasmados por entrar neste prestigiado programa de aceleração, sobretudo, sabendo que apenas 1% das empresas candidatas são selecionadas. Acreditamos que vai catapultar o Dr.Online e iniciar uma nova fase, muito significativa da nossa expansão internacional. O mercado americano tem uma dimensão incomparável com os restantes mercados em que operamos, pelo que sabemos que o desafio vai ser grande, mas estamos prontos para abraçá-lo.
Mas sim, a nossa entrada no programa da Techstars visa, não apenas ajudar a escalar o Dr.Online nos mercados onde estamos atualmente presentes, mas também funcionar como laboratório de ensaio e antecâmara de entrada para o mercado norte-americano.
Quais os desafios que o setor da saúde enfrenta em Portugal?
T.C.: Atualmente estamos a lidar com vários desafios que começam pelos profissionais de saúde estarem sobrecarregados e descontentes com algumas condições de trabalho e de carreira. Se por um lado o SNS não consegue dar resposta a todos os utentes, como por exemplo na atribuição de médicos de família, por outro os privados não são a resposta para grande parte da população que não pode comportar os custos associados – já para não falarmos dos milhares de portugueses e de cidadãos estrangeiros, que residem em zonas remotas sem acesso a profissionais de saúde.
A medicina online não pretende substituir os atos médicos presenciais e por isso não deve ser encarada como uma ameaça aos serviços públicos ou privados, mas sim como uma aliada que não só torna a saúde mais acessível e inclusiva como ajuda, por exemplo, na triagem das idas não urgentes aos hospitais.
“(…) Só temos a ganhar em aproveitar tudo o que a tecnologia nos pode oferecer para melhorarmos o nosso bem estar e qualidade de vida”.
A tecnologia e a saúde vão continuar de mãos dadas? Qual o impacto da health tech na vida dos cidadãos?
J.L.: Hoje em dia é quase impossível falarmos em avanços na saúde sem que a tecnologia esteja envolvida de alguma forma. Só temos a ganhar em aproveitar tudo o que a tecnologia nos pode oferecer para melhorarmos o nosso bem estar e qualidade de vida.
Ao ritmo da sociedade atual, temos que contrariar a ideia de que “não há tempo para ir ao médico”. Medicina online significa ter acesso rápido a médicos, sem perder tempo em deslocações ou em salas de espera, permitindo, através das consultas e da prescrição de exames complementares, agir preventivamente, diagnosticar precocemente e tratar quadros clínicos atempadamente.
Quais os objetivos que esperam alcançar este ano?
T. C.: Consolidar o nosso crescimento no mercado português e irlandês, lançar-nos no mercado do Reino Unido e começar a trabalhar no mercado americano. E com isso fazer crescer as nossas equipas e vendas.
Alguma ronda de investimento no horizonte?
J.L.: Essa possibilidade está cada vez mais alinhada com o caminho de expansão internacional que estamos a seguir. É tudo o que podemos adiantar por agora…
“(…) o Dr.Online vai continuar a reinventar-se”.
Planos para o futuro do Dr. Online?
T.C.: Temos várias ideias de serviços e produtos que queremos implementar, com destaque para a inclusão da Inteligência Artificial na nossa operação. A nossa premissa base é nunca deixarmos de inovar e por isso o Dr.Online vai continuar a reinventar-se.
Como vê o Dr. Online dentro de cinco anos?
J. L.: Queremos ser a plataforma líder em telemedicina não só em Portugal mas também em outros mercados. E é para isso que trabalhamos todos os dias.
Respostas rápidas (José Lima)
Maior risco: “Não arriscar na Dr.Online mais cedo”
Maior erro: “Pensar pequeno no arranque”
Maior lição: “Menos objetivos ao mesmo tempo, são mais objetivos concretizados”
Maior conquista: “Mindset. Estamos em 2 continentes e achamos que é pouco”