Entrevista/ “A promoção e a prospeção internacional são fundamentais para nos mostrarmos ao mundo”

Há mais de 10 anos à frente da pasta dos negócios internacionais da CCIP, Pedro Magalhães tem aberto portas às empresas nacionais que procuram novos destinos para se internacionalizar. De olhos postos em 2024, fala da aposta da associação nos países fora dos mercados tradicionais de exportação e dos desafios que se colocam às empresas portuguesas.
A Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) anunciou o seu plano de missões internacionais para o próximo ano, que contempla 29 missões em formato presencial e que tem como foco países fora dos mercados tradicionais de exportação.
Esta estratégia da CCIP tem como objetivo a diversificação dos destinos de exportação das empresas portuguesas, estando previstas, pela primeira vez, visitas a países como a Guatemala, El Salvador, Madagáscar, Omã, Zâmbia e Paraguai, revelou Pedro Magalhães, diretor de Comércio Internacional da CCIP, em entrevista ao Link to Leaders.
“A grande aposta da CCIP é a diversificação, por um lado, daquilo que são as iniciativas, e, por outro lado, dos mercados. No plano não temos muitos mercados ou quase nenhuns mercados de exportação tradicional portuguesa”, afirma o responsável.
Pedro Magalhães fala ainda de um conjunto de iniciativas para apoiar o processo de internacionalização das empresas, como a participação conjunta da CCIP em dois certames internacionais nos setores da logística/transportes e da metalomecânica, e o apoio à promoção internacional de municípios portugueses no Médio Oriente através da realização de workshops.
E revela a sua ambição para o futuro: “tentar juntar várias associações em Portugal, mesmo que sejam concorrentes, e fazer determinados projetos de apoio internacional a empresas que tenham dimensão internacional”.
O que tem sido mais determinante em 2023 para a expansão internacional das empresas portuguesas?
2023 começou de uma forma muito positiva, especialmente depois de um ano recorde em 2022 para a maior parte dos setores exportadores portugueses. Metalomecânica, alimentar, têxtil, calçado, etc. E por isso foi um início de ano bastante positivo, mas agora com estas notícias recentes estamos a assistir a um abrandamento das exportações e do comércio internacional de uma forma geral. Portanto, a inflação tem sido a culpada disto tudo. Estive na semana passada em Angola, que era um mercado estratégico, fora da União Europeia, para Portugal e que, neste momento, está a passar por uma fase difícil porque tem uma inflação a rondar os 40% e caiu naturalmente. Os compradores daqui perdem capacidade de compra para os produtos e serviços portugueses.
O que eu acho que tem sido mais determinante, a par do que tem acontecido noutros anos, é que assistimos a empresas com estratégias bem definidas para a internacionalização e para a sua exportação, e que têm, acima de tudo, um orçamento e capacidade de visão. Aqui, a promoção e a prospeção internacional são fundamentais para nos mostrarmos ao mundo e conseguirmos captar novos clientes. Por isso, sem este investimento, que é muito necessário, nada disto é possível. As empresas portuguesas, ou muitas das empresas portuguesas, têm estado um pouco, eu diria, dependentes daquilo que são os fundos europeus e isso pode ser uma grande desvantagem porque depois quando estes fundos não estão disponíveis, o que é o caso há alguns anos, ficam mais limitadas nesta sua prospeção, na captação de clientes internacionais e limitam muito as suas ações. Portanto, aquelas empresas que têm robustez e que não estão agarradas a estes fundos são aquelas que conseguem ter um papel mais determinante para aquilo que será 2024 e 2025.
“Apostamos muito fora da Europa, em mercados como Omã, Paraguai, Zâmbia, Quénia, Japão e Roménia, só para citar alguns, e que acima de tudo possibilitamos às empresas estarem frente a frente com potenciais clientes, importadores ou distribuidores (…)”.
O que mais destaca no plano de missões internacionais da CCIP para o próximo ano?
A grande aposta da CCIP é a diversificação, por um lado, daquilo que são as iniciativas, e, por outro lado, dos mercados. No plano não temos muitos mercados ou quase nenhuns mercados de exportação tradicional portuguesa. Apostamos muito fora da Europa, em mercados como Omã, Paraguai, Zâmbia, Quénia, Japão e Roménia, só para citar alguns, e acima de tudo possibilitamos às empresas estarem frente a frente com potenciais clientes, importadores ou distribuidores, de uma forma muito customizada e que lhes possa trazer resultados a curto prazo. Por isso, eu diria que no plano de ações internacionais tentamos inovar todos os anos.
No próximo ano teremos ainda uma participação conjunta em dois certames internacionais nos setores da logística/transportes e da metalomecânica que era algo que não fazíamos. Não costumamos fazer participações conjuntas em feiras. Há outras associações que o fazem. Portanto, procurámos duas feiras que não estavam a ser cobertas e achamos que faz todo o sentido as empresas destes dois setores participarem.
Vamos ter também uma relação mais próxima com alguns municípios. Os municípios têm cada vez mais apostado na sua promoção e, portanto, na promoção para o investimento estrangeiro em Portugal e também na promoção das empresas que fazem parte dos seus municípios. Vamos ter um conjunto de ações e de workshops para o Médio Oriente específicos para alguns municípios. Vamos ter também duas ações específicas para as grandes empresas, a que chamamos missões Top Exporters, só para grandes exportadoras, para muito networking entre elas e para uma robustez maior quando abordamos alguns mercados. E vamos ter também muitas ações individuais com as empresas. Ou seja, para além do plano, preparamos agendas individuais de reuniões para empresas que queiram deslocar-se aos mercados. Vamos continuar a fazer muitas ações de sensibilização sobre mercados, sessões individuais com os nossos consultores que temos em mais de 90 países para que elas possam esclarecer todas as dúvidas.
Quais são os países que mais têm suscitado interesse ao empresário português?
Fora da Europa, porque é o mercado privilegiado das empresas portuguesas. Temos assistido a empresas com muito interesse naturalmente no Norte de África e Médio Oriente. Temos assistido nos últimos dois, três anos a um incremento significativo de empresas que têm interesse na África Oriental e Ocidental, ou seja, Costa do Marfim, Senegal, Nigéria, Gana, por um lado, e por outro lado, na parte Oriental, tudo o que é Ruanda, Quénia, Tanzânia. Temos assistido também a muito interesse em alguns países da América Latina fora do tradicional Brasil e Colômbia. Falo do Peru, México e também do Chile. E depois o Japão e a Coreia do Sul, já na parte asiática, são mercados nos quais temos sempre empresas muito interessadas, naturalmente pela capacidade que têm para oferecer produtos de qualidade.
Quais são, para si, os novos mercados que são uma aposta segura e porquê?
Não há um mercado ideal para uma empresa portuguesa, não há um mercado seguro nem uma aposta segura. Temos empresas portuguesas que tiveram muito sucesso na Alemanha que é um mercado para onde exportamos muito e temos outras que não tiveram sucesso nenhum. Portanto, isto depende de uma série de variáveis que condicionam todo o processo de internacionalização e exportação de uma empresa.
Quando falamos de exportação ou internacionalização, não há apostas seguras. As oportunidades surgem efetivamente quando as procuramos, quando investimos, quando estrategicamente apostamos num determinado mercado e somos resilientes ao ponto de investirmos nesse mercado até percebermos efetivamente que não vai dar resultado ou, então, que encontramos soluções para fazer negócios nesses países. Mas depende muito desta procura e desta resiliência das empresas. Conheço empresas que fazem negócios em países tão remotos como Madagáscar ou como o Cazaquistão, por exemplo.
Há mercados em que temos tido resultados com os nossos associados e clientes. Falo do México, Marrocos, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Cazaquistão, Japão, Senegal, Costa do Marfim, Peru, Coreia do Sul e Polónia que são mercados em que temos vindo a trabalhar há vários anos. São mercados que não diria que são uma aposta segura, mas que têm trazido resultados a algumas empresas, o que não significa que possam trazer para outras.
“Temos ainda uma carência de visão, de investimento, de follow up, de resiliência nas mais diversas estruturas empresariais, sejam elas pequenas, grandes ou médias dimensões e que as impedem de poder ter uma preparação muito grande para abordar determinados mercados”.
As empresas portuguesas estão preparadas para os mercados externos?
Estão mais preparadas do que estavam há 10 ou 15 anos sem dúvida, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Temos ainda uma carência de visão, de investimento, de follow up, de resiliência nas mais diversas estruturas empresariais, sejam elas pequenas, grandes ou médias dimensões, e que as impedem de poder ter uma preparação muito grande para abordar determinados mercados. Assistimos é com muito mais frequência a empresas muito bem preparadas e que conseguem estar taco a taco com qualquer outra empresa de outro país de nível internacional. Isso não tenho dúvidas.
Quais os grandes desafios que as empresas portuguesas enfrentam em termos de exportação?
O caminho das pedras foi percorrido há muitos anos. Felizmente hoje em dia as empresas portuguesas conseguem ter uma série de apoios que lhes permitem mitigar os riscos que lhes estão associados. Mas continuam a existir naturalmente inúmeros desafios de contexto, que variam de mercado para mercado. Por exemplo, aqui ao lado, em Espanha, que é o nosso primeiro mercado de exportação, há inúmeros desafios que as empresas portuguesas têm de enfrentar. Mas acho que passa um pouco pela nossa preparação e planificação que é algo em que nós culturalmente apostamos pouco. Vamos, fazemos, tentamos que aconteça, mas às vezes precisamos de parar para pensar em como o vamos fazer.
Por isso, a formação dos líderes e das equipas ligadas a este setor, e a mentalidade e visão de alguns dos responsáveis por estas empresas em Portugal, aliadas a uma capacidade de investimento capaz, são os principais desafios que as empresas portuguesas enfrentam quando vão competir com outras a nível internacional. Quando queremos exportar para um determinado país vamos estar a competir com a concorrência local, mas também com outras empresas internacionais que lá estão.
E em relação às start-ups, podemos dizer que, ao contrário da grande maioria das PME portuguesas, já nascem com um olhar internacional?
As start-ups não fogem ao que falei anteriormente, mas obviamente numa dimensão completamente diferente. A verdade é que temos assistido a algumas start-ups que efetivamente nascem com essa predisposição internacional, mas depois são pequenas, têm pouca capacidade de investimento, pelo que têm de ir fazendo um caminho a nível nacional para ganharem robustez e só depois irem para o nível internacional. Nas start-ups não se consegue ter a capacidade financeira e de recursos para se abordar os mercados internacionais.
“Seria demasiado diplomático da minha parte referir que sim. Se olharmos para aquilo que os nossos clientes nos comentam e que vamos observando ao longo dos anos diria que o papel do Estado tem sido curto em variadíssimas dimensões”.
O papel do Estado na ajuda à internacionalização das empresas portuguesas tem sido suficiente?
Seria demasiado diplomático da minha parte referir que sim. Se olharmos para aquilo que os nossos clientes nos comentam e que vamos observando ao longo dos anos diria que o papel do Estado tem sido curto em variadíssimas dimensões. Desde o próprio financiamento quando comparamos com países com maior robustez que Portugal e que vemos a capacidade que têm, o que investem, o lobby que fazem, a concertação entre o público e o privado e as associações, as próprias estruturas dos ministérios estrangeiros desses países e as “AICEPs” desses mercados que são muito mais robustas… Enfim, com uma presença muito maior que permite abrir um caminho completamente diferente às empresas portuguesas.
Ajudamos em países em que não existe uma presença portuguesa ou a presença que existe é apenas um recurso que não tem capacidade para fazer muita coisa. Isso limita muito a imagem que uma empresa de um determinado país possa ter. E é legítimo porque se não fazemos essa aposta e se o Estado não reforça equipas, MNE, AICEP, não faz lobbys é complicado. É penoso ver a falta de investimento público neste setor que se diz e que se afirma ser crucial para o PIB do país. Este é também um problema transversal a outros setores, como Saúde, Educação… As empresas também têm a sua responsabilidade, as associações… Somos todos portugueses para o bem e para o mal. Felizmente somos dos países mais avançados do mundo e isso é sempre bom reconhecer. Não devemos só olhar para o lado negativo. É óbvio que vamos perdendo algum terreno face a investidas de outros países como a Grécia, Turquia.
O Web Summit está à porta. Considera que esta cimeira tem contribuído para o reforço da internacionalização das empresas nacionais?
O Web Summit tem colocado Portugal no mapa mundo. Isso é indiscutível. Agora é um evento específico para start-ups e para empresas do meio Web. No que respeita à maior parte do tecido empresarial português exportador, ou que se internacionaliza, não penso que tenha ali um efeito mais positivo ou menos positivo. Não tem um efeito direto, nem sei sequer se tem indireto. A não ser pela imagem que tem para o país. É um evento de extrema importância no setor em que é, mas os setores tradicionais de exportação se calhar olham para o Web Summit e não veem grande entusiasmo com certeza. Mas ainda bem que é feito em Portugal.
Quais têm sido as suas grandes conquistas em mais de dez anos aos comandos da pasta dos negócios internacionais da CCIP?
Assistir aos resultados das empresas que ajudamos a nível internacional. Desde que cheguei à CCIP tentámos inovar acima de tudo e fazer aquilo que pensávamos que não era feito a nível nacional no apoio às empresas. Também vinha de uma empresa que exportava e antes de vir para a CCIP vi que existia aqui uma necessidade de haver um apoio mais customizado. E é isso que tentamos fazer ao invés de fazer eventos que são transversais a todas as empresas e que as levam a um determinado país. O que tentamos fazer é olhar para cada empresa e perceber efetivamente as suas necessidades. Portanto, a necessidade de uma empresa que vende calçado é diferente de uma que mesmo que venda calçado vende um tipo de sapatos diferentes.
Tentamos ir ao encontro daquilo que as empresas precisam e fazer com que estejam frente a frente com importadores, distribuidores, cliente final em mais de 90 países. Construímos uma rede de consultores que trabalham para a CCIP e que conseguem estar nesses países. São especialistas e conseguem abrir as portas às empresas de uma forma fiável, credível e que tem trazido resultados. Esta tem sido uma das principais conquistas!
Para além disso, o meu papel e o da equipa que lidero é ajudar que as empresas façam mais negócios com a complexidade que existe, tentando inovar ano após ano, tentando resolver as barreiras que vão acontecendo nos vários mercados em que operamos, de forma a que o caminho seja mais fácil para os nossos clientes e associados e para que eles possam fazer negócios a nível internacional mais rapidamente.
“Cada player tem feito um caminho individual. Continuamos a duplicar e a triplicar ações e com um mercado tão pequeno como Portugal no que diz respeito a empresas exportadoras não faz sentido nenhum”.
O que ainda gostaria de realizar e não teve oportunidade na CCIP?
Existem imensas ideias que foram postas em cima da mesa. Algumas delas foram avante outras não por diferentes circunstâncias. Lembrei-me agora de duas ideias que há algum tempo tento fazer e que não tem sido possível. Uma delas: gostava de tentar juntar várias associações em Portugal, mesmo que sejam concorrentes, e fazer determinados projetos de apoio internacional a empresas que tenham dimensão internacional. Cada player tem feito um caminho individual. Continuamos a duplicar e a triplicar ações e com um mercado tão pequeno como Portugal, no que diz respeito a empresas exportadoras, não faz sentido nenhum. Gostaria de juntar associações de relevo em Portugal e fazer coisas com dimensão, que nos permitissem ganhar mais imagem a nível internacional, robustez e chegar a um mercado com outra capacidade.
Outra coisa que gostaria de fazer tem a ver com as grandes empresas – pegar nas grandes empresas exportadoras e levá-las num roadshow por países fora do radar para promover o nosso país no foro empresarial, mostrando que o nosso país não é só Turismo nem Cristiano Ronaldo. Como as grandes empresas também têm as suas agendas, juntá-las muitas vezes é difícil.