Entrevista/ “A pandemia foi um catalisador de verdadeiras transformações digitais para empresas, equipas e pessoas”

Patrícia Santos, manager of the Corporate Offers & Digital Studio na CEGOS*

“As empresas não podem achar que o Digital Learning é uma receita milagrosa para todos os problemas e situações. Há processos de desenvolvimento e mudança que têm de ir muito além da formação”, defende Patrícia Santos, manager of the Corporate Offers & Digital Studio na CEGOS, referindo-se ao investimento que deve ser feito em plataformas e conteúdos, mas também na preparação das equipas para os novos modelos de aprendizagem.

A tecnologia tomou conta da realidade e a Covid-19 acelerou a evolução das ferramentas digitais e a sua presença no dia a dia. A nível profissional, este novo contexto obrigou as empresas e profissionais a estarem preparados para atuar num ambiente instável e imprevisível, e a saberem responder a questões: “Como capacitar as equipas?”; “Como motivá-las?”  e “Como prepará-las para o que ainda está por vir?”.

Neste cenário, as soluções digitais de aprendizagem ganharam uma relevância sem precedentes, sendo cada vez mais a opção considerada no momento de apostar no upskilling e reskilling de indivíduos, equipas e organizações.

Em entrevista ao Link To Leaders, Patrícia Santos, manager of the Corporate Offers & Digital Studio na CEGOS, (grupo internacional do qual faz parte a Cegoc) fala dos benefícios do Digital Learning para as empresas e de como as potencialidades do digital aplicadas à formação são fundamentais para o sucesso de uma estratégia estrutural e integrada ao nível dos Recursos Humanos hoje e no futuro.

Como enquadra a formação neste novo ambiente empresarial decorrente da crise pandémica?
Em contextos de mudança e de incerteza, a formação é muito importante. Haverá acontecimento na história moderna mais impactante na vida das pessoas e das empresas do que esta pandemia? Agora, mais do que nunca, a formação é uma ferramenta fundamental para o upskilling e reskilling das equipas – especialmente a formação assente em modelos digitais e à distância. Muitas equipas viram-se, de um dia para o outro, em teletrabalho, a ter de equilibrar a vida pessoal com a profissional. No grupo CEGOS, a nível internacional, pudemos assistir à procura crescente dos nossos conteúdos relacionados com o trabalho remoto, gestão de equipas a distância, gestão de stress e de um conjunto de programas fundamentais para apoiar empresas, equipas e pessoas na adaptação a este “novo normal”.

As empresas portuguesas estão a saber desenvolver a necessária estratégia de requalificação dos seus recursos face aos desafios atuais?
A formação e requalificação são instrumentos que servem uma estratégia de negócio. Sem uma estratégia de negócio clara não é possível ter sucesso na formação e na requalificação. Há um conjunto de empresas que desde o início compreendeu a necessidade de redefinir estratégias de negócio e com isso reinventou a forma como se entrega valor aos seus clientes.

Para estas empresas, a formação e requalificação foram, e estão a ser, elementos essenciais para fazer a estratégia acontecer, designadamente a capacitação das suas chefias para compreender e liderar processos de mudança e para transmitirem a visão e o propósito às suas equipas. Nestas organizações, a formação é entendida como um instrumento colocado ao serviço da prossecução de uma estratégia e, como tal, é um investimento do qual se exige retorno.

Noutras empresas, o sentido de urgência da mudança não foi imediatamente percebido pelo top management e não houve a vontade e a capacidade de reformular a estratégia e de apontar novos caminhos às suas equipas. Não havendo ideias claras em relação aos caminhos a trilhar, a formação e requalificação deixaram de ser um instrumento ao serviço da estratégia para passarem a ser despesas, pelo que a decisão foi muitas vezes suspender os planos de formação e utilizar a formação como uma forma de manter os colaboradores ocupados. Assim, ao longo de 2020 assistimos a uma infinidade de iniciativas de formação incipientes e desenquadradas de um propósito claro.

Felizmente, a maior parte das empresas já conseguiu sair desta letargia e, à medida que foram encontrando o seu caminho, as estratégias de formação e requalificação ganharam corpo e consistência, e as equipas de RH sentem neste momento a urgência do digital para enfrentar as contingências da atual situação.

“O elearning só é normalmente uma escolha quando as empresas não têm alternativa ou quando a opção presencial é demasiado cara. Mas já dizia Winston Churchill “Never let a good crisis go to waste!”. A pandemia mudou radicalmente este cenário, e foi um catalisador de verdadeiras transformações digitais para empresas, equipas e pessoas!”

Como carateriza a evolução do elearning?
Comecei a trabalhar nesta área há mais de 20 anos e, da minha perspetiva, tem sido bastante lenta. Vê-se uma evolução no sentido da redução da duração dos conteúdos online, na passagem de conteúdos de estilo powerpoint para formatos mais interativos baseados em vídeo… Mas, em geral, tem sempre sido considerado um parente pobre da formação. O elearning só é normalmente uma escolha quando as empresas não têm alternativa ou quando a opção presencial é demasiado cara. Mas já dizia Winston Churchill “Never let a good crisis go to waste!”. A pandemia mudou radicalmente este cenário e foi um catalisador de verdadeiras transformações digitais para empresas, equipas e pessoas!

Os empreendedores portugueses estão a saber enquadrar-se nesta nova realidade? Como acha que estão a responder às necessidades de formação atuais?
Tipicamente, os empreendedores têm um perfil mais inovador e propenso à mudança e conduzem negócios com processos e estruturas mais flexíveis do que as empresas tradicionais com estruturas mais pesadas. Deste modo, é natural que a reação à mudança do contexto, com introdução de fatores de inovação na forma como entregam valor aos públicos a que se dirigem, seja mais rápida. Quando essa mudança e inovação exigem formar e requalificar as equipas, os empreendedores rapidamente encontram soluções que passam muitas vezes pela autoaprendizagem, formação interna, recurso a redes colaborativas ou o recurso a fornecedores especializados.

Os CEO portugueses consideram que os seus investimentos em formação e desenvolvimento têm impacto nos seus negócios? Existe a consciência de que a formação, mais que um custo, é um investimento em Portugal?
De uma forma geral, os CEO gostariam que o retorno dos seus investimentos em formação fosse superior ao que têm conseguido obter. Isto não quer dizer que encarem a formação como um custo. Quer dizer que têm a expetativa de ver uma evolução na forma como as intervenções formativas são estruturadas e operacionalizadas.

A formação tradicional parte da premissa que as pessoas não fazem as coisas porque não sabem como fazê-lo. Por isso, se lhes proporcionarmos a possibilidade de assistir a uma ação de formação em que um formador lhes vem explicar o quê, e como devem agir, a melhoria acontecerá naturalmente. Os CEO já investiram muito neste tipo de formação e já constataram que não é suficiente para gerar resultados de negócio palpáveis. Por isso têm uma expetativa de experimentar novas metodologias, capazes de gerar o comprometimento das suas equipas e que sejam medidas e avaliadas com base em indicadores de aceleração de negócio, não apenas nas folhas de avaliação de satisfação que se preenchem no final das ações de formação.

Assim, a categorização por parte dos CEO do esforço aplicado em formação, como custo ou como investimento, é essencialmente um desafio para os players do setor da formação, porque o top management das empresas está recetivo a novas formas de abordar a melhoria do desempenho dos seus colaboradores.

Neste quadro, 500 euros poderão serão considerados um custo, mas 500 mil euros poderão ser considerados um investimento encarado com entusiasmo por parte do top management, se remunerarem uma intervenção que mobilize a sua organização para a melhoria, que provoque mudança consistente do comportamento dos seus colaboradores, a superação de gaps operacionais estratégicos da organização ou se gerarem um impacto significativo no volume de negócios.

“Não é valorizante assumir que o Digital Learning é feito ao fim de semana ou em pós-laboral, e não reconhecer as competências adquiridas. O apoio dos managers durante todo o processo é fundamental para a motivação e obtenção de resultados”.

Como podem as empresas potenciar o investimento na formação, nomeadamente no Digital Learning?
Valorizando e reconhecendo os programas de Digital Learning. Não é valorizante assumir que o Digital Learning é feito ao fim de semana ou em pós-laboral, e não reconhecer as competências adquiridas. O apoio dos managers durante todo o processo é fundamental para a motivação e obtenção de resultados. Por outro lado, o investimento deve ser feito, não só em plataformas e conteúdos, mas também na preparação das pessoas e equipas para estes novos modelos de aprendizagem.

Quais os benefícios do Digital Learning para as empresas?
São tantos…  É claro que muitas empresas pensam em primeiro lugar na redução de custos, mas existem outros benefícios igualmente importantes, como a rapidez na distribuição, acesso e atualização do conteúdo de formação, um potencial para reduzir fronteiras entre equipas e aumentar a colaboração e o network, a facilidade de acesso e aumento de oportunidades de formação a todas as equipas, a promoção da independência e autonomia das pessoas nos seus processos desenvolvimento, a capacidade de adaptação a várias formas de aprendizagem e ao ritmo de cada um, ou a capacidade de facilitar o acompanhamento e monitorização do progresso de cada um.

Mas, ao mesmo tempo, as empresas não podem achar que o Digital Learning é uma “receita milagrosa” para todos os problemas e situações. Há processos de desenvolvimento e mudança que têm de ir muito além da formação.

O Digital Learning permite complementar a oferta de formação presencial da empresa ou esta última tem os dias contados?
Não é por introduzirmos novas tecnologias que as anteriores desaparecem. A rádio continuou mesmo depois da televisão. A televisão continuou mesmo depois da internet. A formação presencial vai continuar mesmo depois da consolidação do Digital Learning.

Para as empresas que queiram adotar uma plataforma de Digital Learning própria, quais os principais conselhos que deixaria?
Desde logo, testarem antes de comprarem. Há centenas de plataformas no mercado, agrupadas em função do seu foco principal, como plataformas mais tradicionais com um foco na gestão de programas e de utilizadores, ou mais focadas no aspeto colaborativo da aprendizagem, e na “Learner experience”, mas também que funcionam como marketplaces de conteúdo, ou até pensadas para on-the-job training e e-coaching, etc.

Por isso, antes de comprarem, façam uma análise ao ecossistema existente e trabalhem com os vossos fornecedores e parceiros para compreender o que realmente precisam. Muitos fornecedores de formação digital, como a Cegoc, têm plataformas próprias que colocam à disposição das empresas com quem trabalham. Neste momento temos mais de 340 mil formandos na nossa plataforma, de empresas de várias partes do mundo, que escolheram trabalhar connosco por termos uma plataforma premiada que permite uma experiência de aprendizagem que integra momentos síncronos e assíncronos, com monitorização de resultados, sem terem o trabalho e os custos associados a uma plataforma própria.

“Quem há dois anos queria fazer ou dar aulas virtuais tinha poucas opções disponíveis, a maioria bastante cara. Com o impulso da pandemia, não só temos mais ferramentas para realizar VCT (Virtual Classroom Training), como as ferramentas para promover a interação e o trabalho em sub-grupos cresceram imenso”.

Olhando para um ano atrás, quais foram os passos que demos em frente? E para trás na formação digital?
Demos imensos passos em frente, a vários níveis. Em primeiro lugar, a preparação dos formadores. Mais uma vez, com o empurrão da pandemia, mais formadores tiveram a necessidade de desenvolver competências digitais para acompanhar os seus formandos à distância. Também a apropriação e maturidade dos formados. Isto porque a necessidade é a maior motivação para a mudança e para a adaptação.

De referir igualmente os formatos, especialmente ao nível das modalidades síncronas. Para além dos módulos interativos, assistiu-se a um crescimento exponencial (já que tinha começado em 2019) das aulas virtuais. Sem esquecer a própria evolução das ferramentas. Quem há dois anos queria fazer ou dar aulas virtuais tinha poucas opções disponíveis, a maioria bastante cara. Com o impulso da pandemia, não só temos mais ferramentas para realizar VCT (Virtual Classroom Training), como as ferramentas para promover a interação e o trabalho em sub-grupos cresceram imenso.

Quais são as ofertas da Cegoc ao nível do Digital Learning e quais as perspetivas?
Ao nível do Digital Learning, a Cegoc reforçou nos últimos meses a sua oferta através dos percursos de aprendizagem #UP4REAL®, de um conjunto de Virtual Classrooms e do desenvolvimento de vários percursos 100% digitais que conjugam os ativos digitais, com classes virtuais e desafios de aplicação da aprendizagem. Todas estas soluções estão disponíveis em formato INTER Empresas, mas podem também ser entregues no seio de uma única organização, com a necessária customização de acordo com as necessidades específicas das suas equipas. Além disso, temos também uma vasta experiência na co-construção de soluções à medida 100% digitais.

Um caso de sucesso que queira partilhar ao nível do Digital Learning.
Posso mencionar uma empresa da área de retalho de moda com um universo de aproximadamente 2 mil colaboradores em Portugal, alocados a várias lojas de diferentes dimensões. Iniciou connosco, há 2 anos, um projeto de formação destinado a vários níveis e categorias profissionais, em formato totalmente digital e assíncrono. Criámos vários percursos organizados de forma progressiva, em função dos anos que cada colaborador tem de desempenho, numa determinada categoria na organização.

Consideramos um caso bem-sucedido uma vez que começámos com o Learning Bag 1 para os vários tipos de funções que integravam diversos ativos digitais – desde módulos clássicos de elearning, de treino, até aos murais nos quais partilham insights das suas principais aprendizagens. Ainda que totalmente assíncronos, trata-se de percursos acompanhados internamente pela organização, em articulação com a Cegoc, o que tem possibilitado uma boa taxa de conclusão.

Estamos atualmente a desenvolver o Learning Bag 4, agora já com a necessidade de criar percursos com novos tipos de interação digital, e assim a desafiar a nossa capacidade de criatividade e inovação.

Como será a formação no futuro. Quais serão as maiores tendências?
A pandemia apagou as fronteiras e algum conflito que existia entre a formação presencial e online. Os formadores já não olham para o digital como uma ameaça, mas como uma oportunidade para manterem os seus empregos.  A pandemia reforçou as tendências que já estávamos a ver no mercado, desde logo, os modelos híbridos, como o “novo normal”, pelo que a qualidade do blended learning vai aumentar. Também ao nível da formação de formadores, que incluirá competências de “virtual trainer”, e na performance support e microlearning baseado em vídeo – neste caso, por via de uma formação “on-demand” mais fácil de integrar na nossa rotina de trabalho. E, acima de tudo, com o crescimento do “Virtual Training” (VCTs), dado que o teletrabalho não vai terminar com o fim da pandemia e as aulas virtuais e modelos de ecoaching vão aumentar.

*Grupo internacional especializado em Learning & Development representado em Portugal pela Cegoc.

Comentários

Artigos Relacionados

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School
Alexandre Meireles, presidente da ANJE
Luís Madureira, partner da ÜBERBRANDS