Opinião
A nova sala de estar

À primeira vista poderia arrancar dissertando sobre como a sala do futuro pode transformar as nossas vidas e a experiência nas nossas casas. Mas na verdade falo de outra sala. A nova sala de estar. A sala de convívio e entretenimento dos automóveis. Mas repare que evitei a expressão “dos nossos automóveis”. Porque em 10 anos, e para os nossos filhos em menos de 5, a realidade de hoje será dramaticamente (sem juízos de valor de melhor ou pior) diferente.
A começar pela posse, o que já todos sabemos: a necessidade de compra de automóvel próprio, sobretudo nas grandes urbes, deixará de ser uma regra. A começar pela relação entre as fontes de rendimento e custos, jamais na curva ascendente a que nos habituámos há anos, obrigará a que seja procurado um maior equilíbrio nas finanças pessoais a par da aversão ao risco que a posse traz (sobretudo de um automóvel): custos de seguro, manutenção, combustível, parqueamento, etc.
Soluções que hoje são mais habituais, como “Drive Now”, “MyTaxi” ou “UBER, permitirão a que alguns nem sequer ponderem possuir viatura própria. Mas e relativamente aos restantes?
Voltemos um pouco atrás, aos anos da génese da TESLA. O sonho da nova sala de estar explica-se facilmente: automóveis auto-guiados permitirão que possamos desfrutar da viagem sem dedicar a atenção apenas à estrada. O espaço do automóvel será para puro desfrute do entretenimento aí possível. O infotainment interior, portanto, um ecossistema para que as marcas automóveis possam aumentar o ARPU, indo para além do valor do veículo e das reparações.
Que jogos poderemos jogar? Que sistemas de música poderemos alugar? E que filmes e séries? De cada vez que pararmos numa estação de serviço, que sistemas de pagamento integrados? Ao pesquisarmos nos mapas qual o melhor caminho para a vila que vamos descobrir, e porque não a sugestão (paga, pois claro!, por publicidade) dos hotéis e restaurantes perto da localidade? Serão interessantes comissões à marca automóvel para que nos surjam em primeiro, à frente da concorrência, em modelo de fee direto ou por via de partilha estando integrados com a Apple e Google e o fabricante automóvel.
E quando estacionarmos o carro para ir trabalhar? Porque não colocar o automóvel como fonte de rendimento a marcada, esteja de novo no lugar que reservámos para que nos possa levar de novo a casa.
Esta nova realidade permitirá que, por exemplo, empresas de Media no setor da televisão e da rádio tenham de acompanhar de perto os ecossistemas proprietários e possam não perder o contacto direto com o consumo dos seus conteúdos. Até aqui pela box e o televisor. Até aqui pelo auto-rádio. No futuro próximo pelo sistema do automóvel. Os gigantes Netflix, Spotify, Apple, Amazon, Google e Facebook tentarão sempre partir à frente e aí disponibilizar os seus conteúdos primeiro. Por isso, compete aos Media não ficarem com a “velha” tecnologia hertziana apenas e migrarem definitivamente para o digital e a oferta linear e também on-demand.
Para os restantes negócios, o automóvel será como foi na atual década o smartphone. Um ‘device’ a ter em conta e um ecossistema onde a geração de leads para determinados negócios (retalho, restauração, etc.) será fulcral. Para quem está a meio – fabricantes automóveis, rent-a-cars – uma nova e importante fonte de receita para equilibrar um modelo que deixará de ser, apenas, de compra ou aluguer de um veículo. Se antes o telefone serviu para as chamadas e mensagens e hoje é um portal para uma miríade de utilizações de serviços, basta que reflitamos um pouco e nos comecemos a preparar para tirar partido de algo que, enquanto não existir o teletransporte (algo pouco provável nos tempos mais próximos, ao que parece…), nos é incontornável enquanto seres nómadas e desejosos de explorar o mundo que nos rodeia e nos deslocarmos para melhor tirar partido do que à nossa volta se nos oferece.