Opinião

A nova geografia da Inteligência Artificial

Pedro Celeste, diretor-geral da PC&A

No atual momento, existem cerca de 1 milhão de plataformas de inteligência artificial (IA) das mais variadas dimensões e especificidades, sendo que 50% são de origem chinesa. É neste registo que a Europa vem ocupando uma posição secundária, com a presença de apenas 8 empresas nas TOP 50 mundiais, com particular destaque para a Mistral.

Vem isto a propósito da recente notícia de que a DeepSeek, criada em 2023, tomou a dianteira na liderança das pesquisas e downloads a nível mundial, no âmbito das plataformas de IA, incluindo nos EUA.

Muito concentrados na presença mediática e constante das top 5 mundiais do mundo digital, com direito ao protagonismo da tomada de posse do presidente norte-americano, vamos assistimos paralelamente a um caminho silencioso, longe do foco mediático, de empresas e marcas chinesas, que se vão tornando num caso sério de sucesso, com implantação mundial de estratégias assentes na inovação e na valorização da marca.

Enquanto isso, anuncia-se nos EUA a criação do Projeto Stargate, com um investimento de 500 mil milhões de dólares, numa colaboração entre Oracle, SoftBank, OpenAI, MGX, NVidia, ARM e Microsoft.

Mas, voltemos à DeepSeek R1. Este modelo evidenciou ser muito competente e eficaz em áreas complexas como a matemática e a codificação, sobretudo quando comparado com o exemplo bem conhecido do Chat GPT. Aliás, o próprio CEO da Open AI, Sam Altman, referiu-se à DeepSeek como “impressionante”.

E o que mais impressiona é o facto desta solução ser incomparavelmente mais barata de qualquer outra que se lhe assemelhe. Segundo uma fonte da Huawei, enquanto o modelo da OpenAI custa US$15 por entrada, o da DeepSeek não ultrapassa os US$0,55.  Por outro lado, ao contrário do Chat GPT, trata-se de uma plataforma de código aberto, o que permite potenciar o modelo, ao mesmo tempo que torna os seus utilizadores mais dependentes deste ecossistema, por força da liberdade de customização.

O impacto da sua penetração no mercado foi tão grande que contribuiu para uma quebra imediata da cotação bolsista de muitas empresas pertencentes ao Nasdaq, com particular para a queda abrupta da NVidia, a marca mais valiosa a nível mundial até à semana passada. A realidade é que perdeu em bolsa, num dia, mais do que o valor do investimento total da Stargate.

A pergunta que se coloca ao mundo ocidental é se temos andado todos distraídos, porque na realidade este não é um caso isolado, nem tão pouco é recente. Do ponto de vista geográfico e cultural, a China fica muito distante e isso pode contribuir para o desconhecimento generalizado. Mas, se estivermos atentos, este é apenas mais um fenómeno que ocorre como parte de uma estratégia, que se iniciou pouco depois do ano 2000, a que chamámos “nova rota da seda” e que terá começado com a Huawei, percebendo que é na marca e não apenas na produção, que se encontra o valor de mercado.

E, com isso, o tema da falta de notoriedade e desconfiança foi desaparecendo dia após dia.

Desde então, temos visto réplicas deste movimento em múltiplos setores de atividade que foram conquistando o ocidente: computadores (Lenovo), telemóveis (Xiaomi), redes sociais (TikTok), e-commerce (Shein), automóvel (BYD), entre tantas outras.  E, já agora, é bom não esquecer que os 4 maiores bancos mundiais são chineses.

É, por isso, que iremos assistir em breve, ao protagonismo de alguns dos maiores fabricantes de chips para inteligência artificial (Shanghai Enflame Technology e Shanghai Biren Intelligent Technology), uma vez que a liderança neste mercado, representará a obtenção de vantagens competitivas em muito setores.

Por último, terá sido através da própria tecnologia da NVidia que a DeepSeek otimizou o processo de treino da sua linguagem. É caso para dizer que chegou o momento em que a IA aprende com a IA.

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Pedro Celeste

Pedro Celeste

Doutorado em Gestão pela Universidade Complutense de Madrid. Diplomado pelo INSEAD, London Business School, Wharton School, University of Virginia, MIT Management Sloan Management School, Harvard Business School, Imperial College of London, Kellogg School of Management de Chicago e IESE Business School. Na Católica Lisbon School of Business & Economics é Diretor Académico dos Executive Master in Management e coordenador do Programa Avançado de Marketing para Executivos, do Programa de Gestão Comercial e Vendas, do Programa de Gestão em Marketing Digital... Ler Mais..

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