Opinião
A nova geografia da Inteligência Artificial

No atual momento, existem cerca de 1 milhão de plataformas de inteligência artificial (IA) das mais variadas dimensões e especificidades, sendo que 50% são de origem chinesa. É neste registo que a Europa vem ocupando uma posição secundária, com a presença de apenas 8 empresas nas TOP 50 mundiais, com particular destaque para a Mistral.
Vem isto a propósito da recente notícia de que a DeepSeek, criada em 2023, tomou a dianteira na liderança das pesquisas e downloads a nível mundial, no âmbito das plataformas de IA, incluindo nos EUA.
Muito concentrados na presença mediática e constante das top 5 mundiais do mundo digital, com direito ao protagonismo da tomada de posse do presidente norte-americano, vamos assistimos paralelamente a um caminho silencioso, longe do foco mediático, de empresas e marcas chinesas, que se vão tornando num caso sério de sucesso, com implantação mundial de estratégias assentes na inovação e na valorização da marca.
Enquanto isso, anuncia-se nos EUA a criação do Projeto Stargate, com um investimento de 500 mil milhões de dólares, numa colaboração entre Oracle, SoftBank, OpenAI, MGX, NVidia, ARM e Microsoft.
Mas, voltemos à DeepSeek R1. Este modelo evidenciou ser muito competente e eficaz em áreas complexas como a matemática e a codificação, sobretudo quando comparado com o exemplo bem conhecido do Chat GPT. Aliás, o próprio CEO da Open AI, Sam Altman, referiu-se à DeepSeek como “impressionante”.
E o que mais impressiona é o facto desta solução ser incomparavelmente mais barata de qualquer outra que se lhe assemelhe. Segundo uma fonte da Huawei, enquanto o modelo da OpenAI custa US$15 por entrada, o da DeepSeek não ultrapassa os US$0,55. Por outro lado, ao contrário do Chat GPT, trata-se de uma plataforma de código aberto, o que permite potenciar o modelo, ao mesmo tempo que torna os seus utilizadores mais dependentes deste ecossistema, por força da liberdade de customização.
O impacto da sua penetração no mercado foi tão grande que contribuiu para uma quebra imediata da cotação bolsista de muitas empresas pertencentes ao Nasdaq, com particular para a queda abrupta da NVidia, a marca mais valiosa a nível mundial até à semana passada. A realidade é que perdeu em bolsa, num dia, mais do que o valor do investimento total da Stargate.
A pergunta que se coloca ao mundo ocidental é se temos andado todos distraídos, porque na realidade este não é um caso isolado, nem tão pouco é recente. Do ponto de vista geográfico e cultural, a China fica muito distante e isso pode contribuir para o desconhecimento generalizado. Mas, se estivermos atentos, este é apenas mais um fenómeno que ocorre como parte de uma estratégia, que se iniciou pouco depois do ano 2000, a que chamámos “nova rota da seda” e que terá começado com a Huawei, percebendo que é na marca e não apenas na produção, que se encontra o valor de mercado.
E, com isso, o tema da falta de notoriedade e desconfiança foi desaparecendo dia após dia.
Desde então, temos visto réplicas deste movimento em múltiplos setores de atividade que foram conquistando o ocidente: computadores (Lenovo), telemóveis (Xiaomi), redes sociais (TikTok), e-commerce (Shein), automóvel (BYD), entre tantas outras. E, já agora, é bom não esquecer que os 4 maiores bancos mundiais são chineses.
É, por isso, que iremos assistir em breve, ao protagonismo de alguns dos maiores fabricantes de chips para inteligência artificial (Shanghai Enflame Technology e Shanghai Biren Intelligent Technology), uma vez que a liderança neste mercado, representará a obtenção de vantagens competitivas em muito setores.
Por último, terá sido através da própria tecnologia da NVidia que a DeepSeek otimizou o processo de treino da sua linguagem. É caso para dizer que chegou o momento em que a IA aprende com a IA.