Opinião

A necessidade da lente de género na ditadura do algoritmo

Teresa Damásio, administradora do Grupo Ensinus

Vivemos num mundo cada vez mais mediatizado, onde consumimos rapidamente vários conteúdos nas mais diversas plataformas e de forma quase instantânea. Esta é a era da informação e da volatilidade. Tudo tem de ser rápido.

Formamos opiniões infundamentadas com base num simples post de instagram. Opiniões, essas, que estamos ávidos de partilhar com a nossa comunidade online. Como tal, queremos fontes que corroborem as nossas crenças e ideologias para que as possamos fundamentar.

No entanto, tal como eu, já se depararam por diversas vezes, quando acedem aos motores de pesquisa, como a Google, e às vossas redes sociais, serem confrontados com conteúdos que têm por base temas que pesquisaram, compras que efetuaram na internet, sugestões de itens que vão ao encontro do perfil dos vossos utilizadores. Tudo está interligado e conectado. Assim, surge o termo “Internet of Things”. Então, leva-nos a questões que devemos impreterivelmente colocar: de que forma a nossa opinião é influenciada pelos meios de comunicação que consultamos? E como pode o algoritmo contribuir para moldar a nossa opinião?

Desde a campanha para as eleições presidenciais norte-americanas de 2016 que os fenómenos “factos alternativos” e as denominadas “fake news” foram alvo de vários debates mundiais face à influência que podem ter na formulação de opiniões e no impacto que causam sobre a visão que os utilizadores têm em determinados temas. Tais opiniões, como nestas eleições, podem traduzir-se à posteriori em ações concretas com impactos para o país.

Segundo o Digital News Report 2023, a grande maioria do público é cético em relação aos algoritmos usados nos seus motores de pesquisa e redes sociais, no entanto o mesmo estudo revela-nos que os utilizadores em média preferem noticias que são selecionadas pelos algoritmos àquelas que são escolhidas pelos jornalistas, principalmente os portugueses mais jovens que tendem a ver de forma mais positiva os sistemas de seleção que têm por base as suas conexões e sugestões dos seus amigos online.

O mesmo estudo evidencia ainda que mais de metade, cerca de 52,1%, dos portugueses recorrem à internet para consultar notícias, sendo ainda a televisão o meio mais usado para aceder à informação (67,6%). As informações noticiosas são acedidas através de diferentes meios de comunicação, mas a internet é o mais usado pela população portuguesa, com 73,6% a fazer uso deste meio de forma totalmente isolada, ou seja, sem complementar com qualquer outro meio de comunicação. As redes sociais são utilizadas como uma das principais fontes de notícias pelos portugueses, cerca de 18,8%.

Se inicialmente, nas primeiras teorias “tecnófilas” considerava-se que o algoritmo tinha um papel fundamental na forma como distribuía a informação, promovendo uma equidade na automação e distribuição das fontes de informação, contrariamente à capacidade que o ser humano teria para o fazer, hoje, já não o vemos da mesma forma.

Os algoritmos são responsáveis por registar a pegada digital dos utilizadores e o big data consegue manipular esta informação com recurso a diferentes fatores que se interligam. Os intermediários da informação como a Google e o Meta são capazes de introduzir recursos que permitem a personalização dos conteúdos com base nas informações que vão recolhendo do utilizador. Assim, surge o que muitos autores denominam de “filter bubbles”. Estas bolhas atiram-nos para uma espécie de “regime monocultural”, em que o utilizador apenas consome conteúdos com base nas interações que desenvolve com os seus meios digitais.

Há um “viés de confirmação”, isto é, a internet e as redes sociais apenas corroboram a opinião que o utilizador já tem, acabando por não mostrar outras realidades, fomentar a opinião critica e a multilateralidade sobre os mais diversos temas. Talvez, um dos maiores problemas seja o facto de o utilizador não se aperceber muitas vezes desta bolha para a qual as redes sociais o atiram, consequentemente, trazendo impactos para a esfera pública. Questiono: Não será que este algoritmo contribui para uma “ideologia da datificação” em que os dados são baseados na pegada digital e o utilizador vive aprisionado na sua própria câmara online? Pode a democratização das sociedades estar a ser posta em causa? A nossa sociedade é cada vez mais digital e informada, ou diria influenciada pelo algoritmo? Mais, o Digital News Report 2023 diz que há menos portugueses preocupados com o impacto negativo que a personalização de notícias promovida pelo algoritmo pode ter na perda da perceção de diferente tipos de opiniões contrárias à sua. Devemos ignorar estes dados?

Hoje, as grandes empresas como a Google e o Facebook são transmissoras de dados e responsáveis por canalizar todas as nossas informações para seu proveito próprio, ou quem sabe, até mesmo alheio. A informação é hoje o dado mais valioso e nós fornecemo-la de forma quase instantânea, sem nos apercebermos daquilo que o futuro nos pode reservar e de como é usada por estas grandes empresas.

As eleições de 2016, o escândalo da Cambridge Analytica, que utilizou milhares de dados dos utilizadores do Facebook para aumentar a notoriedade de Trump e adaptar a informação em função do seu eleitorado, é um claro exemplo de “datificação” e da forma como se criam “fake news” através de social bots [1].

Este é um terreno pantanoso e devemos pensar sobre ele. Levanto assim mais uma questão: Não estaremos nós a viver na ditadura do algoritmo?

[1] Algoritmos automatizados que têm por base a ligação entre diferentes algoritmos de diferentes plataformas sociais que enviam informação junto de utilizadores influentes contribuindo para a disseminação de fake news (Van Dijck, 2014, p. 156).

Referências:
Amaral, I. & Santos, S.J (2020). Algoritmo e redes sociais: a propagação de fake news na era da pós-verdade, 63-85.
Brites, M. J., Amaral, I., & Catarino, F. (2018). A era das “fake news”: o digital storytelling como promotor do pensamento crítico. Journal of Digital Media & Interaction,1(1), 85-98.
Lusa. (2022, 24 de agosto). Mais de 80% dos portugueses lê notícias na internet, mas o número está a descer. Observador. Consultado a 16 de maio, 2024.
Lusa. (2023, 14 de junho). Portugal segue “tendência global”: continua a subir o número de pessoas que evitam saber notícias. Observador. Consultado a 16 de maio, 2024.
OberCom. (2023). Digital News Report. Portugal | 2023. (12.ª ed.). Reuters Institute for the Study of Journalism.
Van Dijck, J. (2013). ‘You have one identity’: Performing the self on Facebook and LinkedIn. Media, Culture and Society, 35(2), 199–215.

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Teresa Damásio

Teresa Damásio

Teresa Damásio é Administradora Delegada do Grupo Ensinus desde julho de 2016, constituído por Instituições de Ensino Superior, o ISG, por Escolas Profissionais, o INETE, A Escola de Comércio de Lisboa e a Escola de Comércio do Porto, a EPET, o INAE, o IEG – em Moçambique, o Real Colégio de Portugal, o Externato Álvares Cabral, o Externato Marquês de Pombal e o Colégio de Alfragide. Este Grupo celebrou em 2017 o seu 50º aniversário e assume-se com um dos... Ler Mais..

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