Entrevista/ A mudança de hábitos como fator de alavancagem para se tornar um líder mais inspirador

Inês Santos Silva, Leadership Coach & PNL*

Quando pensamos na liderança nas nossas organizações temos pelo menos duas perspetivas: a dos colaboradores e da chefia. Estarão estas visões em sintonia? Com bastante desconfiança poderíamos dizer que sim.

Com maior clarividência podemos afirmar que os colaboradores identificam muitos pontos de melhoria e os líderes, em muitos casos, reconhecem essas limitações, mas têm dificuldade em fazer de outra forma. Seja por falta de conhecimento ou formação específica, por hábito ou por repetirem padrões de comportamento de anteriores chefes, ainda encontramos líderes para quem a mudança se apresenta como um grande desafio a ultrapassar.

O estilo de liderança numa organização é um dos fatores de sucesso para o negócio. Os colaboradores podem ter respeito e obedecer ao seu chefe, o que não garante por si só uma boa liderança. Os melhores líderes conseguem inspirar as suas equipas, motivando-as, desenvolvendo-as pessoal e profissionalmente. São promotores de um ambiente de trabalho com uma cultura motivacional. Os líderes inspiradores colocam a sua paixão e entusiasmo no que fazem e incentivam a equipa a fazer o mesmo. Investem no desenvolvimento das competências dos colaboradores, apostando no crescimento individual e coletivo.

Com os desafios do dia a dia, como ser um líder inspirador?

Para ser um líder inspirador, primeiro é necessário fazer essa escolha consciente. É uma atitude que decide adotar. De seguida traça a estratégia e retifica ao longo do processo. O mais importante é fazer, colocar em prática a visão. Citando o poeta espanhol António Machado, “O caminho faz-se caminhando”. E se errar? Analisa, altera e experimenta novamente. E repete, sucessivamente até criar um novo hábito, uma nova forma de fazer acontecer. O líder deve estar recetivo a receber feedback da equipa, para compreender se as escolhas na atuação estão a corresponder à sua intenção.

Quais os benefícios para as equipas de terem um líder inspirador?
As equipas que têm líderes inspiradores estão mais predispostas a desenvolver três aspetos:

  1. Aumentar o compromisso – os colaboradores identificam-se com os valores do líder e comprometem-se com mais facilidade com objetivos ambiciosos.
  2. Valorização pessoal – o líder inspirador promove um trabalho com significado, com um propósito. Os colaboradores sentem-se valorizados, o seu trabalho é relevante.
  3. Maior conexão – os colaboradores identificam-se com líderes transparentes, que cumprem o que dizem. Esses comportamentos estimulam a equipa a ter atitudes igualmente inspiradoras.

O que colocar em prática para se tornar um líder inspirador?
Alguns líderes têm um talento natural para inspirar as equipas e outros líderes necessitam de traçar um plano para o alcançar. O líder tem de fazer algo diferente se quer ser mais inspirador. Como referiu o físico Albert Einstein “Insanidade é querer resultados diferentes, fazendo tudo igual”.

Há muitas formas de desenvolver as competências de um chefe como analisar os hábitos que tem e decidir alterar os que não se adequam aos objetivos pretendidos; desafiar os colaboradores a refletir; celebrar pequenas conquistas; comunicar claramente e influenciar decisões. Aqui ficam algumas sugestões práticas:

  1. Mudança de Hábitos

O líder precisa de vontade, disciplina e método. Mais do que a mudança, é necessário largar velhos hábitos e adquirir novos. A questão muitas vezes reside aqui! Para alterarmos um velho hábito, segundo Charles Duhigg no seu livro “O Poder do hábito”, devemos identificar o gatilho, a rotina e a recompensa.

a) O gatilho é o estímulo exterior que provoca a reação. Por exemplo, quando o colaborador se recusa a fazer uma determinada tarefa. O gatilho é a recusa. Quem o sente é o chefe.

b) A rotina é a resposta física, emocional ou mental que é dada após o gatilho. Por exemplo, o chefe responde ao colaborador de forma diretiva, dizendo que tem de fazer a tarefa e não há desculpas! A rotina é a forma diretiva como respondeu ao colaborador.

c) A Recompensa é uma resposta positiva que o cérebro interpreta como algo que funciona e por isso deve ser registada. Por exemplo, o colaborador silencia as suas queixas e faz o trabalho. A recompensa entendida pelo chefe é a execução da tarefa sem reclamações.

Neste exemplo, o chefe ao utilizar a forma diretiva, não escutando as questões do colaborador, conseguirá a motivação da equipa? Se atuar de forma diferente, para além da execução da tarefa, obtém maior compromisso da equipa. Será uma mais-valia.

Como alterar os hábitos de forma consistente?
Para alterar os hábitos de forma consistente é necessário compreender como os gatilhos dos hábitos são acionados e como funcionam as recompensas. Esta habilidade precisa de ser desenvolvida para criar novas rotinas.

Esta cadeia gatilho – rotina – recompensa tem de ser modificada para conseguir cultivar novos hábitos.
E como? Precisa de alterar a rotina, estar consciente do gatilho e garantir que a recompensa é igual ou melhor à que tinha anteriormente.
No exemplo anterior, a forma como respondeu ao colaborador será o que pretende alterar porque tem consequências negativas no trabalho de equipa (Rotina).

  1. Aplicação

Pode mudar o hábito no momento em que sente o ímpeto (estímulo). Quando a vontade é de responder como habitualmente, traga a consciência para o momento e pergunte-se: O que estou a sentir? O que realmente pretendo?

Estímulo: queixa do colaborador.
Nova rotina: o líder pergunta ao colaborador qual a melhor solução para o envolver na resolução do problema.
Nova recompensa: o colaborador realiza a tarefa com maior compromisso e o líder sente que está a envolver mais a equipa. Neste caso, o sentimento de recompensa é maior. Não só o colaborador executa a tarefa com maior satisfação como contribui para a solução do problema.

Para além desta fórmula sugerida por Charles Duhigg, a transformação de hábitos precisa de boas razões para ser feita. Para transformar um velho processo automático e enraizado, tem de criar novas redes neuronais, ou seja, tem de dar ao seu cérebro um novo caminho por onde seguir e não ser uma luta entre o que tem de ser e o que não consegue fazer. Isso não é vontade, é resistência. Aquilo que resiste persiste. É necessário construir novos padrões cerebrais. Encontre boas razões para mudar.

Quer ser um líder inspirador?
Vale a pena o esforço?
O que de pior pode acontecer e o que perde?
O que de melhor pode acontecer e o que ganha?
E se não se transformar num líder inspirador?
Ao fazer esta reflexão nos diferentes ângulos encontrará respostas que poderão motivá-lo para a direção que quer seguir.

Que outras ações o líder inspirador pode colocar em prática?

Desafiar
Um líder inspirador não diz aos colaboradores como resolver problemas, desafia-os a refletir fazendo perguntas, deixando que sejam eles a encontrar o caminho para a resolução das situações. Desta forma, promove a autoconfiança e o desenvolvimento da equipa. Possibilita um espaço seguro para os colaboradores expressarem as suas opiniões, experimentarem, corrigirem e concluírem.

Celebrar
O líder inspirador celebra as pequenas conquistas da equipa, elogia com detalhe sobre o desempenho nas reuniões ou individualmente, e compromete-se com regularidade a dar feedback de melhoria, em privado.

Comunicar
Um líder inspirador comunica de forma clara e objetiva as suas ideias e garante que todos o entendem da mesma forma, promovendo uma escuta ativa. Está atento às reações dos intervenientes para confirmar o alinhamento das expetativas. Por vezes, os colaboradores têm a informação fragmentada e explicar o propósito maior, mostrar o big picture, ajuda a trazer sentido às partes.

Influenciar
Um líder inspirador é sensível às necessidades da equipa, gere as situações tendo em conta as características individuais. A sua capacidade de influência será tanto maior, quanto maior for a sua capacidade de conexão com as questões que preocupam a equipa ou o colaborador.

Em suma, a liderança inspiradora coloca no centro as pessoas da sua equipa, cuida delas, fá-las sentirem-se importantes e o seu trabalho apreciado. Ajuda-as a crescer, ouvindo mais do que fala. Faz perguntas pertinentes e dá espaço para os colaboradores experimentarem as suas ideias, para errar e aprender. Fácil? Tudo se torna fácil quando nos disponibilizamos a começar.

Parafraseando Mahatma Gandhi, “A força não provém da capacidade física. Provém de uma vontade indomável”. Essa força interior faz a diferença entre o chefe e o líder inspirador porque a técnica pode aperfeiçoar-se ao longo do tempo.

Autoreflexão
Que líder tem sido com a sua equipa? O que ambiciona ser mais? Se não tem sido fácil a liderança com a sua equipa até agora, acredite que pode transformar esse resultado e fazer a diferença, seja qual for a sua narrativa, os erros e receios, avance.

Comece já!
Escolha uma pequena ação para fazer de forma diferente, por exemplo, questionar e ouvir mais a equipa durante uma semana. Vai ficar surpreendido com os resultados. Quando as equipas se sentem ouvidas, ficam motivadas a participar mais, a apresentar sugestões, são mais flexíveis, tolerantes e compreensivas.

A mudança requer consistência nas ações do líder, a repetição dos novos comportamentos para garantir a confiança das equipas nas suas novas atitudes. Cada passo que dá, está mais próximo do Líder que ambiciona ser. Acredite e continue a avançar.

 

*E Executive Consultant & Trainer e professora na Pós-Graduação de Gestão de Recursos Humanos e na Pós- Graduação de Coaching Executivo e Liderança de Alta Performance no ISG – Instituto Superior de Gestão.


Com mais de 25 anos de experiência profissional em contexto organizacional, Inês Santos Silva trabalhou nas áreas de marketing e vendas em multinacionais, idealizou e liderou um projeto no âmbito dos Serviços de Apoio à Família. Desde 2009 tem-se dedicado à area da consultoria, coaching e formação organizacional de líderes e equipas empenhadas na sua transformacão pessoal e de carreira, bem como ao ensino sendo professora convidada no ISG e formadora na ECL.

Licenciada em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão (ISG, 1997), Inês Santos Silva é pós-graduada em Comunicação e Psicologia Positiva, pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (FCH-UCP, 2021); certificada em Facilitating and Designing Workshops com a LEGO® SERIOUS PLAY®  pela Rasmussen Consulting (The Association of Master Trainers, 2020); consultora especialista internacional em DiSC da Wiley pela Hiper-High Performance (H-HP,2017); trainer certificada em Points of You pela Egor em 2016; trainer em Programação Neurolinguística pela Internacional Association for NLP (IA-NLP, 2015); certificada em Coaching pela International Coaching Community (ICC,2009).

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