Opinião
A Grande Reversão, o Rendimento Básico Universal e a Computação Básica Universal

O Rendimento Básico Universal (RBU) é um sistema socioeconómico que visa fornecer aos cidadãos de um país ou região uma quantia regular de dinheiro sem restrições, com o objetivo de garantir um mínimo existencial a todos e de reduzir a pobreza e a desigualdade económica e social.
O debate sobre o RBU não é novo; governos e sociedade civil têm-se preocupado em proporcionar dignidade aos mais necessitados na satisfação das necessidades básicas. O conceito de mínimos de subsistência para a satisfação de tais necessidades básicas não é universal, variando entre continentes e países e dependendo do custo de vida de cada região. O Banco Mundial fornece referências globais para os limites da pobreza:
- Países com pobreza extrema: 1,90 USD por dia
- Países de rendimento médio-baixo: 3,20 USD por dia
- Países de rendimento médio-alto: 5,50 USD por dia
Desses limites, deduz-se que um cidadão de uma região de rendimento médio-alto precisa de quase três vezes mais recursos do que um cidadão de uma região de pobreza extrema. Em outras palavras, um cidadão de uma zona de pobreza extrema tem menos exigências em termos de recursos que o seu contemporâneo numa região de rendimento médio-alto.
Várias experiências piloto têm sido implementadas em países como a Finlândia, Canadá, Estados Unidos (EUA) e em alguns países africanos, como o Quénia e o Gana. Apesar de não ser uma questão nova, o RBU reaparece no contexto atual de mudanças estruturais no mercado de trabalho, impulsionadas pela automação e inteligência artificial, levantando preocupações sobre a segurança do emprego e a necessidade de novas redes de proteção social. Além disso, os efeitos da pandemia, conflitos e inflação levaram, segundo o Banco Mundial, à Grande Reversão que representa a perda dos ganhos obtidos nas metas de desenvolvimento em termos de rendimento e redução das taxas de pobreza extrema. O crescimento nos países mais pobres entre 2020 e 2024 poderá ser considerado o mais fraco desde a década de 1990.
O experimento
A última e talvez maior experiência sobre o RBU veio de um dos fundadores da inteligência artificial, Sam Altman, CEO da OpenAI. Preocupado com os possíveis efeitos da inteligência artificial no mercado laboral, Altman selecionou, em 2019, um grupo de famílias nos EUA (Texas e Illinois) e dividiu-as em dois grupos: um de controle (recebendo 50 USD mensais) e um grupo de estudo, constituído por 1.000 pessoas que durante três anos receberam 1.000 USD mensais, para serem gastos sem restrições.
Curiosamente, esse experimento foi realizado num país de rendimento alto quando comparado com os 75 países mais pobres, elegíveis para subsídios e empréstimos de zero a juros baixos da Associação Internacional de Desenvolvimento do Banco Mundial. Em metade desses países, a diferença de rendimento com as economias mais ricas do mundo está a aumentar pela primeira vez neste século.
Os resultados
Os beneficiários gastaram a maior parte dos recursos em necessidades básicas como habitação, transporte e alimentação. Outro achado do experimento é que os beneficiários, em média, trabalharam menos, embora tenham permanecido engajados no trabalho e sido mais cuidadosos na procura de emprego, comparados com o grupo de controle. Não foi encontrada evidência de que o RBU tenha melhorado significativamente o acesso à assistência médica ou a saúde física e mental, havendo apenas ligeiros aumentos em cuidados odontológicos e gastos em assistência médica. Muitas melhorias desapareceram ao fim de dois anos.
Houve reduções significativas no estresse, saúde mental e insegurança alimentar durante o primeiro ano, mas esses efeitos desapareceram no segundo e terceiro anos do programa. Isso levanta a questão de que “dinheiro sozinho não pode resolver desafios como condições crónicas de saúde, falta de creche ou o alto custo de habitação”. Muitos estudos enfatizam a necessidade dos governos investirem em serviços sociais e infraestrutura habitacional.
Outros resultados interessantes mostram que os beneficiários gastaram 22 USD a mais por mês com outras pessoas (26% a mais do que o grupo de controle) e foram mais propensos a mudar de bairro ou a pagar por outra habitação. No que toca à educação, os beneficiários estiveram dispostos a melhorar o seu nível educacional, mas não houve efeitos significativos no desempenho educacional geral. Os participantes passaram a ser mais seletivos e exigentes na procura de trabalho.
No início do corrente ano, Altman também lançou uma outra iniciativa comparável às tarifas sociais de internet que muitos governos implementaram: a Computação Básica Universal (CBU), que concede às pessoas uma certa quantia em recursos computacionais do grande modelo de linguagem GPT-7, que podem ser usados sem restrições.
Não será surpreendente se, em um futuro próximo, a distribuição de CBU se tornar uma realidade. Quando isso acontecer, espera-se que os megas, tokens ou créditos sejam bem utilizados, assim como os dólares do RBU.
As implicações para as lideranças
A experiência com o RBU traz várias implicações para as lideranças governamentais e organizacionais tais como o investimento em infraestrutura social, a educação e qualificação profissional, o garantir a sustentabilidade dos programas e serem mais proativos. As lideranças devem estar atentas às mudanças tecnológicas e às suas implicações no mercado de trabalho. Políticas proativas são necessárias para mitigar os impactos negativos da automação e da inteligência artificial sobre o emprego.