Opinião

A comunicação nas organizações – o grande desafio

Inês Santos Silva, Leadership Coach & PNL*

“Sou eu que não sei comunicar?!”, “Recuso-me a falar com aquela pessoa! É impossível!!”, “Vou dizer para quê? Parece que não me entende. Faz como quer. Não adianta!”, “Se eu pensar na conversa, não estou a ser espontâneo, estou a ser falso”, “Sou verdadeiro por isso digo tudo o que penso!”.

Alguma destas questões são familiares? Quando falamos em comunicação nas organizações, parece que estamos a referir-nos a um campo minado, cheio de perguntas e desafios nas interações.

A comunicação organizacional pressupõe o envio e receção de mensagens entre indivíduos com o propósito de cada um alcançar o seu objetivo. A comunicação depende da cultura e do contexto em que ocorre. Cada organização tem os seus valores, normas, adota uma linguagem mais formal ou informal. Consoante a situação e com quem é a interação, assim é a forma de abordagem. Estes fatores influenciam a forma como os colaboradores interagem e se adaptam à cultura e ao contexto onde estão inseridos.

As interações fazem parte do dia a dia profissional, ajudam-nos a criar conexões com os colegas, chefes, diferentes departamentos e contribuem para o bom trabalho em equipa e para o desenvolvimento do negócio. Parafraseando o psicólogo Vaz Serra: «Se existirem boas relações interpessoais dentro de uma empresa, estas determinam uma melhor saúde e bem-estar do indivíduo e aumentam a sua capacidade de envolvimento no trabalho.».

Possivelmente, está a questionar-se: “Eu sei isso, mas como chego a esse paraíso?”

A necessidade fundamental que está subjacente a esta vontade de se relacionar com eficácia é SER OUVIDO. Todos precisamos dessa atenção. Será que a tem? E o seu colega, sente-se ouvido?

Se nos centrarmos na nossa necessidade de sermos ouvidos, o que acontece? Ninguém se ouve!
Como ultrapassar este travão comunicacional da falta de escuta?

A falta de escuta ativa é um dos maiores obstáculos à comunicação eficaz. Para superá-lo, é importante aplicar a técnica de Escuta Ativa, desenvolvida por Thomas Gordon. Apresento abaixo alguns pontos chave:

Para se sentir ouvido pelo seu interlocutor (colega/chefe) é importante que este:

  1. Demonstre interesse;
  2. Não o interrompa;
  3. Esteja presente (não esteja a pensar no que vai dizer ou no que tem de fazer a seguir);
  4. Faça perguntas;
  5. Expresse que o que está a dizer é interessante, mesmo que não concorde, mas aceita a diferença;
  6. Reformule o que disse para confirmar que compreendeu corretamente;
  7. Dê sugestões e não ordens;
  8. Utilize uma linguagem empática (coloque-se no seu lugar e demonstre compreensão, sem julgar)

Vantagens da prática da escuta ativa:
A escuta ativa permite manter um diálogo mais eficiente, através da atenção à linguagem verbal e não verbal e do ajuste ao outro interveniente da conversa. Vai além de simplesmente ouvir, desenvolve a empatia e reduz possíveis conflitos organizacionais.

Se a comunicação seguir estes princípios, sente-se ouvido? E quando interage com um colega, tem o cuidado de praticar esta abordagem?

Imagine uma conversa com seu chefe ou colega em que eles apliquem esta metodologia…

As questões iniciais apresentadas no início deste artigo dissipam-se?
“Sou eu que não sei comunicar?!”
“Recuso-me a falar com aquela pessoa! É impossível!!”
“Vou dizer para quê? Parece que não me entende. Faz como quer. Não adianta!”

Possivelmente sim!

No entanto, poderá estar a criar uma ilusão, não pode controlar o que o outro faz ou diz – só pode controlar a si mesmo. Em vez de esperar que o outro seja flexível, compreensivo e interessado, tente aplicar esta metodologia primeiro e observe como a comunicação melhora.

Ainda assim, porque é que a comunicação é tão difícil?
Cada um de nós tem a sua forma de comunicar, de acordo com a sua educação, experiência de vida, formação específica, as suas características e estado de espírito. O outro participante da conversa também tem  a sua própria história de vida e compreensão do mundo. Infelizmente, essas perceções, interpretações e visões nem sempre são as mesmas e, é aí, que reside a dificuldade. Precisa de preparar a conversa e definir estratégias. Mais à frente neste artigo desenvolvo estes temas.

Mal entendidos
Quando comunicamos uma informação a alguém, é comum acreditar que a mensagem será entendida exatamente como foi transmitida. No entanto, a pessoa que a ouve está a utilizar o seu “mundo interno” para a interpretar. As nossas perceções, valores, convicções são formados de acordo com a “bagagem” de conhecimentos que adquirimos ao longo da vida.

O que pode ser um desafio para uma pessoa, pode ser algo atraente para outra.

A complexidade da comunicação surge quando se assume que o outro pensa como nós. As expetativas sobre a outra pessoa são criadas com base no seu modelo de mundo e na sua visão, sem perceber conscientemente que o que se passa na mente da outra pessoa possa ser diferente da sua interpretação.

Por exemplo:
Se alguém lhe diz: “Faz o trabalho até amanhã, mas se não conseguires, pede ajuda”, pode interpretar erroneamente que o trabalho não é urgente e que pode deixá-lo para depois de amanhã.

Em vez de presumir o que o outro não disse, pode confirmar se a sua interpretação está correta e interagir de maneira mais clara, por exemplo: “Se não conseguir fazer o trabalho hoje com ajuda, posso entregá-lo amanhã?”.

Assim, é importante reconhecer que a comunicação envolve  não apenas a transmissão de informação, mas também a compreensão e a interpretação mútua. Confirmar a sua interpretação e estar aberto a diferentes perspetivas, torna-o mais flexível e pode ajudar a melhorar a comunicação e a evitar mal entendidos.

Mood desalinhado
Quando está zangado, triste, ansioso ou inquieto já reparou como é a sua comunicação com os outros? Arrisco a dizer que às vezes apercebe-se, mas… nem sempre. Tem consciência da influência do seu estado emocional quando interage com os outros?

Uma boa forma de testar se o seu estado de espírito está a influenciar negativamente a comunicação, é estar atento à resposta do outro. Imagine que a outra pessoa vem ter consigo bem disposta e, após alguns minutos de diálogo, começa a ficar inquieta, demasiado negativa ou queixosa. Experimente mudar a sua postura corporal (expressão facial mais aberta, ombros para trás, gestos moderados, etc), utilizar o nome da pessoa, orientar a conversa para encontrar soluções e para um objetivo comum. Experimentou? Conte-me como foi!

Um erro frequente na comunicação é considerar que as nossas palavras são tudo na comunicação. Quantas vezes exclamamos: “Eu já lhe disse mais de uma vez!”. A questão que se coloca é: e como disse?.

Estar tranquilo reflete-se na nossa linguagem não verbal e o outro interlocutor tende a ficar mais calmo. Quantas vezes teve vontade de dizer coisas menos agradáveis a alguém e, quando chega perto da pessoa e esta o recebe com um sorriso e de forma serena, parece que o desarma e acaba por comunicar de forma mais tranquila?

Linguagem verbal VS Linguagem não verbal
Quando os seus gestos, tom de voz, expressão corporal e facial são mais serenos está a prevenir mal entendidos e conflitos. Está a influenciar o outro interveniente na conversa.

A linguagem não verbal acontece paralelamente à linguagem verbal. Quer queira quer não, quando comunica verbalmente, a sua comunicação não verbal, se for coerente com as suas palavras,  efetivamente estará a construir confiança, credibilidade e a fortalecer a relação. A comunicação não verbal reforça a mensagem e motiva o seu interlocutor a manter o interesse na mensagem que está a transmitir.

Para “controla” a sua comunicação não verbal, deve gerir o seu estado emocional. Caso contrário estará a controlar as suas palavras mas a sua comunicação não verbal denuncia-o. Por exemplo, está insatisfeito com o trabalho que lhe atribuíram, mas decide que não vai verbalizar essa insatisfação e em vez disso tenta disfarçar, mostra que está contente com a tarefa. Possivelmente, alguém pergunta-lhe: “Estás bem?” O outro interlocutor pode não perceber exatamente o que se passa consigo, no entanto, consegue perceber que algo não está coerente. Ouvir uma coisa e observar outra suscita dúvida.

O psicólogo Iraniano Albert Mehrabian estudou o efeito da comunicação inconsistente na década de 60 e verificou que no caso do desalinhamento entre o que diz, pensa e sente, o impacto da linguagem não verbal na comunicação é de 93% (linguagem corporal: 55%; qualidades vocais: 38%) e as palavras representam apenas 7%. O que significa que, ao ouvir uma mensagem desalinhada, o seu colega/ chefe presta atenção apenas ao que não se ouve, ou seja, ao que está a expressar com o seu corpo e voz.

Exercício de Reflexão:

  1. Classifique de 0-10 com que frequência ocorrem as afirmações abaixo referidas. Pense no contexto profissional.
    a) Costumo elevar a voz quando comunico sobre algo que me desagrada.
    b) Interrompo o meu interlocutor com frequência.
    c) A minha linguagem constrói pontes e é incentivadora.
    d) Faço com que os outros se sintam ouvidos.
    e) Falo mais do que ouço.
    f) Respeito as opiniões totalmente diferentes da minha.
    g) Quando comunico tenho um propósito pré-definido.
    h) Quando a comunicação não flui tendencialmente culpo o outro interlocutor.
  2. Registe as principais conclusões.
  3. Reflita sobre os aspetos que quer melhorar e as razões para pretender essa mudança.

Aspetos a evitar na comunicação:
A repetição de algumas atitudes como as que apresento abaixo cria, pouco a pouco o afastamento dos outros quase sem se aperceber.

  • Ignorar o que é importante para o outro simplesmente porque não é importante para si;
  • Revirar os olhos ou desviar o olhar quando o outro interveniente está a falar;
  • Desviar a atenção: “Vou só ver aqui uma coisa, mas continua que eu estou a ouvir-te”;
  • Precipitar-se na resposta, estar ansioso que o outro acabe de falar para lhe responder;
  • Fazer pequenas interrupções demonstrando precipitação;
  • Responder para se defender, demonstrando que só está interessado em si.

Quando mostra, em primeiro lugar, genuína compreensão com a visão do outro (esforce-se por ter este olhar!), verá que o outro está mais disponível para o ouvir. Agora sim pode apresentar os seus argumentos.

Alinhamento comunicacional – Estratégias
Para otimizar a comunicação com os seus colegas ou chefias é necessário desenvolver estratégias eficazes para que ambas as partes sintam que o diálogo é construtivo. Identificou quais as maiores dificuldades que sente, agora é necessário preparar-se para a interação.

Poderá pensar: “Mas assim não serei genuíno!». Quando comunica com estratégia seja em que contexto for, está a criar benefícios mútuos. Gostaria que um colega ou chefe viesse ter consigo e lhe dissesse tudo o que lhe vai na alma, sem respeito pelo que pensa ou sente?

E se comunicar com um propósito, com uma intenção positiva?
Pense antes de falar. Prepare-se!
Ficam aqui algumas sugestões:

  1. Identique a intenção positiva – qual o propósito da conversa que vai ter, defina o que pretende para não se perder na conversa, nem dispersar. Por exemplo: quero que o meu chefe aceite a minha proposta de alteração dos procedimentos na execução das tarefas x, y, ou z..
  2. Conheça a pessoa com quem vai interagir – adeque a linguagem ao perfil da pessoa, não adianta desejar que seja o inverso, não será o outro a adaptar-se ao seu estilo. Só vai perder tempo se ficar à espera que isso aconteça. Por exemplo: se a pessoa for muito racional, apresenta a informação sucinta e seja objetivo a mostrar o acréscimo de valor no resultado final com a alteração proposta. Se for mais emocional, a abordagem relacional será mais adequada. O que as pessoas ganham com a mudança? Como se vão sentir?
  3. Seja genuíno – comunique de coração, expresse as suas necessidades. Por exemplo: a minha necessidade (desejo/intenção) é encontrar uma forma simplificada de fazer as tarefas por isso apresento esta proposta para mudar os procedimentos. Há um entendimento mais profundo, uma agenda oculta que se revela.
  4. Apresente as mais valias para o outro – esteja focado em expressar o que o outro ganha com uma mudança, ou com um novo procedimento ou com a reunião.

Quando comunicar, lembre-se ainda de…

  • Dar o benefício da dúvida – por vezes o outro não tem má intenção, só não pensou da mesma forma que nós. Há sempre uma razão por trás da ação, simplesmente não a conhece.
  • Ter curiosidade para perceber o outro – mostre vontade em saber mais, descubra o que levou o outro a pensar daquela forma, saia mais rico dessa comunicação.
  • Aceitar as diferentes opiniões – ao fazê-lo pode não concordar, contudo não julga, aceita a diferença.
  • Parar para não estragar – faça uma pausa proativa sempre que estiver com pouco controlo emocional. Peça para marcar noutra data a reunião ou sugira outro momento para tomar uma decisão, justificando que precisa de tempo para refletir e analisar a questão.
  • Responder em vez de reagir – conte até 10 enquanto respira calmamente, o que ajudará a ter mais clareza de pensamento.
  • Ser honesto consigo mesmo – ter coragem para abordar assuntos difíceis com respeito e sinceridade, fortalece os laços entre as pessoas.
  • Observar as pessoas que comunicam bem e aprender com elas- Há um provérbio chinês que diz: “Para saber o caminho a seguir, pergunte a quem regressa”.
  • Mostrar gratidão – quando reconhece o valor das oportunidades, reuniões, da disponibilidade das pessoas, do interesse, está a aumentar a flexibilidade na sua comunicação.
  • Criar empatia – procure criar ligação com o seu colega ou chefe mesmo que não seja muito natural, identifique o que têm em comum. Se não sabe, descubra!

Saber comunicar é uma necessidade de todos nós, embora possamos ter mais facilidade em alguns contextos do que noutros. O dia a dia profissional com muitas solicitações e exigências de respostas rápidas, torna a comunicação eficaz ainda mais desafiante, contudo extremamente importante. Os mal entendidos recorrentes, as emoções desalinhadas e os conflitos frequentes exigem uma reflexão antes de agir e a interiorização de algumas técnicas. Escolha uma ou duas técnicas que já foram apresentadas e foque-se em aperfeiçoá-las. Quando estiver a funcionar bem, escolha outras. Quanto mais simplificar, mais fácil será aplicá-las!

Já sabe como agir quando a comunicação se torna “impossível”? O segredo é abordá-la de diferentes maneiras até conseguir. Há sempre um novo caminho a percorrer!

*E Executive Consultant & Trainer e professora na Pós-Graduação de Gestão de Recursos Humanos e na Pós- Graduação de Coaching Executivo e Liderança de Alta Performance no ISG – Instituto Superior de Gestão.


Com mais de 25 anos de experiência profissional em contexto organizacional, Inês Santos Silva trabalhou nas áreas de marketing e vendas em multinacionais, idealizou e liderou um projeto no âmbito dos Serviços de Apoio à Família. Desde 2009 tem-se dedicado à area da consultoria, coaching e formação organizacional de líderes e equipas empenhadas na sua transformacão pessoal e de carreira, bem como ao ensino sendo professora convidada no ISG e formadora na ECL.

Licenciada em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão (ISG, 1997), Inês Santos Silva é pós-graduada em Comunicação e Psicologia Positiva, pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (FCH-UCP, 2021); certificada em Facilitating and Designing Workshops com a LEGO® SERIOUS PLAY®  pela Rasmussen Consulting (The Association of Master Trainers, 2020); consultora especialista internacional em DiSC da Wiley pela Hiper-High Performance (H-HP,2017); trainer certificada em Points of You pela Egor em 2016; trainer em Programação Neurolinguística pela Internacional Association for NLP (IA-NLP, 2015); certificada em Coaching pela International Coaching Community (ICC, 2009).

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