Opinião
A comunicação nas organizações – o grande desafio

“Sou eu que não sei comunicar?!”, “Recuso-me a falar com aquela pessoa! É impossível!!”, “Vou dizer para quê? Parece que não me entende. Faz como quer. Não adianta!”, “Se eu pensar na conversa, não estou a ser espontâneo, estou a ser falso”, “Sou verdadeiro por isso digo tudo o que penso!”.
Alguma destas questões são familiares? Quando falamos em comunicação nas organizações, parece que estamos a referir-nos a um campo minado, cheio de perguntas e desafios nas interações.
A comunicação organizacional pressupõe o envio e receção de mensagens entre indivíduos com o propósito de cada um alcançar o seu objetivo. A comunicação depende da cultura e do contexto em que ocorre. Cada organização tem os seus valores, normas, adota uma linguagem mais formal ou informal. Consoante a situação e com quem é a interação, assim é a forma de abordagem. Estes fatores influenciam a forma como os colaboradores interagem e se adaptam à cultura e ao contexto onde estão inseridos.
As interações fazem parte do dia a dia profissional, ajudam-nos a criar conexões com os colegas, chefes, diferentes departamentos e contribuem para o bom trabalho em equipa e para o desenvolvimento do negócio. Parafraseando o psicólogo Vaz Serra: «Se existirem boas relações interpessoais dentro de uma empresa, estas determinam uma melhor saúde e bem-estar do indivíduo e aumentam a sua capacidade de envolvimento no trabalho.».
Possivelmente, está a questionar-se: “Eu sei isso, mas como chego a esse paraíso?”
A necessidade fundamental que está subjacente a esta vontade de se relacionar com eficácia é SER OUVIDO. Todos precisamos dessa atenção. Será que a tem? E o seu colega, sente-se ouvido?
Se nos centrarmos na nossa necessidade de sermos ouvidos, o que acontece? Ninguém se ouve!
Como ultrapassar este travão comunicacional da falta de escuta?
A falta de escuta ativa é um dos maiores obstáculos à comunicação eficaz. Para superá-lo, é importante aplicar a técnica de Escuta Ativa, desenvolvida por Thomas Gordon. Apresento abaixo alguns pontos chave:
Para se sentir ouvido pelo seu interlocutor (colega/chefe) é importante que este:
- Demonstre interesse;
- Não o interrompa;
- Esteja presente (não esteja a pensar no que vai dizer ou no que tem de fazer a seguir);
- Faça perguntas;
- Expresse que o que está a dizer é interessante, mesmo que não concorde, mas aceita a diferença;
- Reformule o que disse para confirmar que compreendeu corretamente;
- Dê sugestões e não ordens;
- Utilize uma linguagem empática (coloque-se no seu lugar e demonstre compreensão, sem julgar)
Vantagens da prática da escuta ativa:
A escuta ativa permite manter um diálogo mais eficiente, através da atenção à linguagem verbal e não verbal e do ajuste ao outro interveniente da conversa. Vai além de simplesmente ouvir, desenvolve a empatia e reduz possíveis conflitos organizacionais.
Se a comunicação seguir estes princípios, sente-se ouvido? E quando interage com um colega, tem o cuidado de praticar esta abordagem?
Imagine uma conversa com seu chefe ou colega em que eles apliquem esta metodologia…
As questões iniciais apresentadas no início deste artigo dissipam-se?
“Sou eu que não sei comunicar?!”
“Recuso-me a falar com aquela pessoa! É impossível!!”
“Vou dizer para quê? Parece que não me entende. Faz como quer. Não adianta!”
Possivelmente sim!
No entanto, poderá estar a criar uma ilusão, não pode controlar o que o outro faz ou diz – só pode controlar a si mesmo. Em vez de esperar que o outro seja flexível, compreensivo e interessado, tente aplicar esta metodologia primeiro e observe como a comunicação melhora.
Ainda assim, porque é que a comunicação é tão difícil?
Cada um de nós tem a sua forma de comunicar, de acordo com a sua educação, experiência de vida, formação específica, as suas características e estado de espírito. O outro participante da conversa também tem a sua própria história de vida e compreensão do mundo. Infelizmente, essas perceções, interpretações e visões nem sempre são as mesmas e, é aí, que reside a dificuldade. Precisa de preparar a conversa e definir estratégias. Mais à frente neste artigo desenvolvo estes temas.
Mal entendidos
Quando comunicamos uma informação a alguém, é comum acreditar que a mensagem será entendida exatamente como foi transmitida. No entanto, a pessoa que a ouve está a utilizar o seu “mundo interno” para a interpretar. As nossas perceções, valores, convicções são formados de acordo com a “bagagem” de conhecimentos que adquirimos ao longo da vida.
O que pode ser um desafio para uma pessoa, pode ser algo atraente para outra.
A complexidade da comunicação surge quando se assume que o outro pensa como nós. As expetativas sobre a outra pessoa são criadas com base no seu modelo de mundo e na sua visão, sem perceber conscientemente que o que se passa na mente da outra pessoa possa ser diferente da sua interpretação.
Por exemplo:
Se alguém lhe diz: “Faz o trabalho até amanhã, mas se não conseguires, pede ajuda”, pode interpretar erroneamente que o trabalho não é urgente e que pode deixá-lo para depois de amanhã.
Em vez de presumir o que o outro não disse, pode confirmar se a sua interpretação está correta e interagir de maneira mais clara, por exemplo: “Se não conseguir fazer o trabalho hoje com ajuda, posso entregá-lo amanhã?”.
Assim, é importante reconhecer que a comunicação envolve não apenas a transmissão de informação, mas também a compreensão e a interpretação mútua. Confirmar a sua interpretação e estar aberto a diferentes perspetivas, torna-o mais flexível e pode ajudar a melhorar a comunicação e a evitar mal entendidos.
Mood desalinhado
Quando está zangado, triste, ansioso ou inquieto já reparou como é a sua comunicação com os outros? Arrisco a dizer que às vezes apercebe-se, mas… nem sempre. Tem consciência da influência do seu estado emocional quando interage com os outros?
Uma boa forma de testar se o seu estado de espírito está a influenciar negativamente a comunicação, é estar atento à resposta do outro. Imagine que a outra pessoa vem ter consigo bem disposta e, após alguns minutos de diálogo, começa a ficar inquieta, demasiado negativa ou queixosa. Experimente mudar a sua postura corporal (expressão facial mais aberta, ombros para trás, gestos moderados, etc), utilizar o nome da pessoa, orientar a conversa para encontrar soluções e para um objetivo comum. Experimentou? Conte-me como foi!
Um erro frequente na comunicação é considerar que as nossas palavras são tudo na comunicação. Quantas vezes exclamamos: “Eu já lhe disse mais de uma vez!”. A questão que se coloca é: e como disse?.
Estar tranquilo reflete-se na nossa linguagem não verbal e o outro interlocutor tende a ficar mais calmo. Quantas vezes teve vontade de dizer coisas menos agradáveis a alguém e, quando chega perto da pessoa e esta o recebe com um sorriso e de forma serena, parece que o desarma e acaba por comunicar de forma mais tranquila?
Linguagem verbal VS Linguagem não verbal
Quando os seus gestos, tom de voz, expressão corporal e facial são mais serenos está a prevenir mal entendidos e conflitos. Está a influenciar o outro interveniente na conversa.
A linguagem não verbal acontece paralelamente à linguagem verbal. Quer queira quer não, quando comunica verbalmente, a sua comunicação não verbal, se for coerente com as suas palavras, efetivamente estará a construir confiança, credibilidade e a fortalecer a relação. A comunicação não verbal reforça a mensagem e motiva o seu interlocutor a manter o interesse na mensagem que está a transmitir.
Para “controla” a sua comunicação não verbal, deve gerir o seu estado emocional. Caso contrário estará a controlar as suas palavras mas a sua comunicação não verbal denuncia-o. Por exemplo, está insatisfeito com o trabalho que lhe atribuíram, mas decide que não vai verbalizar essa insatisfação e em vez disso tenta disfarçar, mostra que está contente com a tarefa. Possivelmente, alguém pergunta-lhe: “Estás bem?” O outro interlocutor pode não perceber exatamente o que se passa consigo, no entanto, consegue perceber que algo não está coerente. Ouvir uma coisa e observar outra suscita dúvida.
O psicólogo Iraniano Albert Mehrabian estudou o efeito da comunicação inconsistente na década de 60 e verificou que no caso do desalinhamento entre o que diz, pensa e sente, o impacto da linguagem não verbal na comunicação é de 93% (linguagem corporal: 55%; qualidades vocais: 38%) e as palavras representam apenas 7%. O que significa que, ao ouvir uma mensagem desalinhada, o seu colega/ chefe presta atenção apenas ao que não se ouve, ou seja, ao que está a expressar com o seu corpo e voz.
Exercício de Reflexão:
- Classifique de 0-10 com que frequência ocorrem as afirmações abaixo referidas. Pense no contexto profissional.
a) Costumo elevar a voz quando comunico sobre algo que me desagrada.
b) Interrompo o meu interlocutor com frequência.
c) A minha linguagem constrói pontes e é incentivadora.
d) Faço com que os outros se sintam ouvidos.
e) Falo mais do que ouço.
f) Respeito as opiniões totalmente diferentes da minha.
g) Quando comunico tenho um propósito pré-definido.
h) Quando a comunicação não flui tendencialmente culpo o outro interlocutor. - Registe as principais conclusões.
- Reflita sobre os aspetos que quer melhorar e as razões para pretender essa mudança.
Aspetos a evitar na comunicação:
A repetição de algumas atitudes como as que apresento abaixo cria, pouco a pouco o afastamento dos outros quase sem se aperceber.
- Ignorar o que é importante para o outro simplesmente porque não é importante para si;
- Revirar os olhos ou desviar o olhar quando o outro interveniente está a falar;
- Desviar a atenção: “Vou só ver aqui uma coisa, mas continua que eu estou a ouvir-te”;
- Precipitar-se na resposta, estar ansioso que o outro acabe de falar para lhe responder;
- Fazer pequenas interrupções demonstrando precipitação;
- Responder para se defender, demonstrando que só está interessado em si.
Quando mostra, em primeiro lugar, genuína compreensão com a visão do outro (esforce-se por ter este olhar!), verá que o outro está mais disponível para o ouvir. Agora sim pode apresentar os seus argumentos.
Alinhamento comunicacional – Estratégias
Para otimizar a comunicação com os seus colegas ou chefias é necessário desenvolver estratégias eficazes para que ambas as partes sintam que o diálogo é construtivo. Identificou quais as maiores dificuldades que sente, agora é necessário preparar-se para a interação.
Poderá pensar: “Mas assim não serei genuíno!». Quando comunica com estratégia seja em que contexto for, está a criar benefícios mútuos. Gostaria que um colega ou chefe viesse ter consigo e lhe dissesse tudo o que lhe vai na alma, sem respeito pelo que pensa ou sente?
E se comunicar com um propósito, com uma intenção positiva?
Pense antes de falar. Prepare-se!
Ficam aqui algumas sugestões:
- Identique a intenção positiva – qual o propósito da conversa que vai ter, defina o que pretende para não se perder na conversa, nem dispersar. Por exemplo: quero que o meu chefe aceite a minha proposta de alteração dos procedimentos na execução das tarefas x, y, ou z..
- Conheça a pessoa com quem vai interagir – adeque a linguagem ao perfil da pessoa, não adianta desejar que seja o inverso, não será o outro a adaptar-se ao seu estilo. Só vai perder tempo se ficar à espera que isso aconteça. Por exemplo: se a pessoa for muito racional, apresenta a informação sucinta e seja objetivo a mostrar o acréscimo de valor no resultado final com a alteração proposta. Se for mais emocional, a abordagem relacional será mais adequada. O que as pessoas ganham com a mudança? Como se vão sentir?
- Seja genuíno – comunique de coração, expresse as suas necessidades. Por exemplo: a minha necessidade (desejo/intenção) é encontrar uma forma simplificada de fazer as tarefas por isso apresento esta proposta para mudar os procedimentos. Há um entendimento mais profundo, uma agenda oculta que se revela.
- Apresente as mais valias para o outro – esteja focado em expressar o que o outro ganha com uma mudança, ou com um novo procedimento ou com a reunião.
Quando comunicar, lembre-se ainda de…
- Dar o benefício da dúvida – por vezes o outro não tem má intenção, só não pensou da mesma forma que nós. Há sempre uma razão por trás da ação, simplesmente não a conhece.
- Ter curiosidade para perceber o outro – mostre vontade em saber mais, descubra o que levou o outro a pensar daquela forma, saia mais rico dessa comunicação.
- Aceitar as diferentes opiniões – ao fazê-lo pode não concordar, contudo não julga, aceita a diferença.
- Parar para não estragar – faça uma pausa proativa sempre que estiver com pouco controlo emocional. Peça para marcar noutra data a reunião ou sugira outro momento para tomar uma decisão, justificando que precisa de tempo para refletir e analisar a questão.
- Responder em vez de reagir – conte até 10 enquanto respira calmamente, o que ajudará a ter mais clareza de pensamento.
- Ser honesto consigo mesmo – ter coragem para abordar assuntos difíceis com respeito e sinceridade, fortalece os laços entre as pessoas.
- Observar as pessoas que comunicam bem e aprender com elas- Há um provérbio chinês que diz: “Para saber o caminho a seguir, pergunte a quem regressa”.
- Mostrar gratidão – quando reconhece o valor das oportunidades, reuniões, da disponibilidade das pessoas, do interesse, está a aumentar a flexibilidade na sua comunicação.
- Criar empatia – procure criar ligação com o seu colega ou chefe mesmo que não seja muito natural, identifique o que têm em comum. Se não sabe, descubra!
Saber comunicar é uma necessidade de todos nós, embora possamos ter mais facilidade em alguns contextos do que noutros. O dia a dia profissional com muitas solicitações e exigências de respostas rápidas, torna a comunicação eficaz ainda mais desafiante, contudo extremamente importante. Os mal entendidos recorrentes, as emoções desalinhadas e os conflitos frequentes exigem uma reflexão antes de agir e a interiorização de algumas técnicas. Escolha uma ou duas técnicas que já foram apresentadas e foque-se em aperfeiçoá-las. Quando estiver a funcionar bem, escolha outras. Quanto mais simplificar, mais fácil será aplicá-las!
Já sabe como agir quando a comunicação se torna “impossível”? O segredo é abordá-la de diferentes maneiras até conseguir. Há sempre um novo caminho a percorrer!
*E Executive Consultant & Trainer e professora na Pós-Graduação de Gestão de Recursos Humanos e na Pós- Graduação de Coaching Executivo e Liderança de Alta Performance no ISG – Instituto Superior de Gestão.
Com mais de 25 anos de experiência profissional em contexto organizacional, Inês Santos Silva trabalhou nas áreas de marketing e vendas em multinacionais, idealizou e liderou um projeto no âmbito dos Serviços de Apoio à Família. Desde 2009 tem-se dedicado à area da consultoria, coaching e formação organizacional de líderes e equipas empenhadas na sua transformacão pessoal e de carreira, bem como ao ensino sendo professora convidada no ISG e formadora na ECL.
Licenciada em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão (ISG, 1997), Inês Santos Silva é pós-graduada em Comunicação e Psicologia Positiva, pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (FCH-UCP, 2021); certificada em Facilitating and Designing Workshops com a LEGO® SERIOUS PLAY® pela Rasmussen Consulting (The Association of Master Trainers, 2020); consultora especialista internacional em DiSC da Wiley pela Hiper-High Performance (H-HP,2017); trainer certificada em Points of You pela Egor em 2016; trainer em Programação Neurolinguística pela Internacional Association for NLP (IA-NLP, 2015); certificada em Coaching pela International Coaching Community (ICC, 2009).