Opinião
Novos caminhos a construir – Parte 2
Na primeira parte do artigo que pode ser visto aqui, enunciamos o contexto em que deverão surgir situações e medidas para mitigar a atual pandemia, preparar a sociedade para o futuro e mitigar os riscos. Vamos completar a explanação das mudanças que deverão ocorrer nas outras áreas.
b) Económica
A economia foi vítima da crise sanitária e pôs a nu, também, alguma vulnerabilidade que precisa ser corrigida por forma a mitigar os riscos e ganhar resiliência. Todos temos ainda fresco na memória, a procura mundial para certos produtos que se tornaram indispensáveis para fazer face à pandemia. Verificamos também que para mitigar essa escassez, muitas unidades fabris tiveram que fazer a reconversão praticamente de um dia para outro.
De suma importância, é a questão da cadeia de fornecimentos que precisa de ser analisada à luz de uma pandemia como a de Covid-19 e das medidas de distanciamento social: se no antigo normal a cadeia de produção e logística poderia estar dispersa, desde que fosse economicamente viável, baseada no binómio preço/qualidade, no novo normal isso já pode não ser suficiente. No referido contexto, o que mais interessava para a cadeira de produção e fornecimento era um sistema que garantisse o produto ponto (produção) a ponto (distribuição ao consumidor), desde que fosse economicamente viável, mas no novo “normal” deve-se preocupar também com o que se passa entre esses dois pontos (produção e consumo) para poder identificar riscos e criar soluções de resiliência.
Na sequência, provavelmente, teremos de passar de modelos economicamente viáveis baseados no binómio preço/qualidade para modelos economicamente resilientes, baseados em fiabilidade/risco.
Assim, dado que ficou evidente a possibilidade de propagação de crises exógenas ao próprio sistema económico, alguns fenómenos ocorrerão;
- Reforço da base industrial nacional dos países;
- Ligeiro retrocesso no processo de globalização;
- Reconversão de vários modelos de negócios em vários setores sob pena da sua inviabilidade económica num contexto de medidas de distanciamento social;
- Surgimento de novos setores que aproveitarão as novas oportunidades;
- Formalização da economia – particularmente para economias em sociedades altamente informais e que perante o confinamento, ficarem sem uma rede de proteção institucional.
c) Social
A crise económica é também suscetível de ter criado a crise social devido ao aumento do desemprego, e de efeitos negativos na coesão social. Mas a vida social sofreu profundamente, sobretudo durante a implementação das medidas de distanciamento social.
- A questão que se coloca é, além dos efeitos já conhecidos no curto prazo, que outros efeitos produzirá no longo prazo e, principalmente, para as gerações futuras, se a pandemia durar muitos anos;
- Deve emergir a necessidade de reforçar as redes de proteção social, quer público quer mutualistas ou do terceiro setor;
- A mobilidade humana deve sofrer alterações, quer na frequência quer na forma como nos deslocarmos, quer ao nível nacional, quer internacional.
d) Laboral
Já são evidentes algumas transformações no mercado e local de trabalho, sendo de destacar o conceito de teletrabalho devido ao confinamento. Sendo assim, não se descura a possibilidade de estarmos, eventualmente, perante uma situação semelhante à produzida pela revolução industrial em termos de relações laborais. Assim,
- Verifica-se uma reorganização do trabalho, facilitada pela tecnologia e infraestruturas disponíveis: infelizmente poderão ocorrer despedimentos em massa e os futuros postos de trabalho serem preenchidos por robôs e pela inteligência artificial;
- Ao nível profissional, será necessário fazer reconversão profissional de pessoas cujas atividades económicas poderão não resistir ao novo normal;
- Muito provavelmente haverá perda de capital humano na sequência do lay-off seguido de desemprego;
- No âmbito da reorganização laboral, haverá alternância entre trabalho presencial e teletrabalho;
- Eventualmente, em situação de agravamento epidemiológico a semana de trabalho poderá ser reduzida;
- Serão priorizados resultados em vez de atividades, exigindo mudanças nas organizações e nas lideranças;
- Com teletrabalho e ênfase nos resultados, pode dar-se o caso de haver retrocesso na cultura organizacional enquanto agregador de valores, princípios, normas e procedimentos.
e) No modelo de Governação
Geralmente, nos tempos de crise quem está melhor posicionado para geri-las são os Governos. O que a atual crise sanitária mostrou é que praticamente ninguém estava preparado, pelo que tiveram que construir o caminho andando nele. Assim,
- Deverão surgir novas politicas públicas de apoio a trabalhadores e empresas em tempos de pandemia e não só;
- Deverão reforçar as redes de proteção social para os mais atingidos, pois a crise tem efeitos assimétricos, atingindo os mais pobres;
- Criação de espaço orçamental suficiente para tais medidas;
- Possível aumento da tecnocracia.
Conclusão
No meio deste cenário incerto, cabe a cada um fazer o seu melhor, mas para isso será necessário percebermos essa nova realidade e para onde caminha. Julgo que, como sempre, quem perceber melhor, moldará o futuro e sairá vencedor.








