Entrevista/ “O sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo”

João Moreira, CEO da Ábaco Consulting

O CEO da Ábaco acredita que aquilo que faz uma boa liderança “é a forma transparente e verdadeira como comunicamos, em qualquer circunstância”. Mais, o sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo, afirmou João Moreira em entrevista ao Link To Leaders.

Fundada em 2004 e com sede no Porto, a Ábaco Consulting centra o seu negócio em três áreas-chave: implementação e manutenção de sistemas de informação SAP e desenvolvimento de produtos.  Atualmente, já desenvolveu mais de 600 projetos, quer a nível nacional como internacional, sendo que a operação nacional representa cerca de 70% do volume de negócios.

Neste momento, João Moreira, CEO da Ábaco Consulting, reconhece que o futuro é uma grande incógnita e um grande desafio, mas acredita na rápida capacidade de adaptação da sua equipa. O último trimestre do ano já será mais próximo do normal, e perspetivaa reforçar a contratação preparando o ano de 2021.

João Moreira lembra ainda que  o mercado atual é extremamente competitivo, que as organizações mudam a um ritmo alucinante, e que é importante que estas consigam acompanhar as constantes tendências dos mercados e que se adaptem o mais rapidamente possível.

Enquanto especialistas em programas de gestão empresarial, quais os principais desafios que Ábaco enfrentou nos últimos meses, no plano interno e na resposta às “novas” necessidades dos clientes?
Podemos considerar que foram e ainda são alguns os desafios com que nos deparamos. A Ábaco, por inerência dos serviços que presta já tinha, desde sempre, equipas a trabalhar no escritório ligadas remotamente a alguns dos seus clientes, bem como alguns colaboradores já trabalhavam a partir de casa, em atividades de suporte num modelo nearshore. Aplicar esse modelo a toda a organização rapidamente e sem preparação, apesar de estarmos habituados a conviver com processos de mudança, foi necessário para suprir algumas dificuldades criadas por esta situação de emergência. Por exemplo, de forma a apoiar alguns colaboradores que estavam em casa com os filhos a cargo, foi necessário disponibilizar alguns computadores portáteis para as crianças poderem continuar a ter aulas remotamente.

Por outro lado, sentimos também a necessidade de aumentar a comunicação entre as equipas: encontrar metodologias de trabalho que ajudassem na coordenação, visibilidade e apoio no desenvolvimento das tarefas de cada um. Ainda a nível interno, sabendo que esta é uma situação de emergência, procurar a desmaterialização de todos os processos na empresa em que tal seja possível, foi outro desafio que estamos a procurar ultrapassar, mas para o qual a colaboração dos clientes e parceiros é essencial (100 % faturação eletrónica, 100% fluxos financeiros digitais, 100% digitalização de despesas, etc).

Então foram vários os desafios…
Outro desafio foi sermos capazes, no meio da incerteza, de apontar o caminho. De manter a tranquilidade e passar confiança. E ensinar isso. O que sabemos e o que não sabemos? O que podemos ou não podemos controlar? Recolher informação, procurar partilhar com outras pessoas e outros setores, dados, pontos de vista, ideias, ações, e pô-las em prática com as nossas pessoas.

Por outro lado, foi e continua a ser essencial fazer um esforço extra para nos aproximarmos das pessoas. Comunicar bastante mais. Dar e recolher mais contexto sobre cada um. Perceber a situação de cada um e adaptar as ações e comunicação às suas necessidades. Desenvolver mais ações para fomentar o contacto, seja em contexto profissional, seja para convívio.

Relativamente aos clientes, procurámos sempre acompanhar os processos dos nossos clientes, assim como responder às suas necessidades. Existem desafios, claro, antes tínhamos consultores que estavam alocados a clientes e estavam sediados nos escritórios deles e, atualmente, isso representa per si um desafio, porque temos todos os colaboradores a trabalhar remotamente.

“(…) acho que o teletrabalho aumentará consideravelmente e assistiremos a uma diminuição do espaço útil de trabalho nos escritórios”.

Quais os ingredientes para uma boa estratégia de recuperação das organizações/empresas agora que começam a retomar a atividade depois da fase de confinamento e de teletrabalho?
Nada será como antes e penso que as principais mudanças serão no modo como as empresas se irão relacionar. Acho que já conseguimos todos perceber que somos igualmente eficientes em modo remoto. O facto de haver menos deslocações (menos tempo em viagens) vai permitir um aumento de interações diárias e o ritmo com que tomamos (ou recebemos) decisões irá acelerar. Perspetivo alguma pressão na capacidade de entrega e a necessidade de existirem ferramentas que nos permitam acompanhar esse ritmo.

Na mesma linha, acho que o teletrabalho aumentará consideravelmente e assistiremos a uma diminuição do espaço útil de trabalho nos escritórios. A segurança nas redes e nas aplicações passa a ser uma preocupação, assim como a sua capacidade para gerir o tráfego de grandes quantidades de informação. As ferramentas de monitorização e acompanhamento de saúde e segurança no trabalho, vão definitivamente entrar na agenda pois é necessário reagir rápido se acontecer uma situação semelhante.

No entanto, acho que a principal mudança está relacionada com o nosso alcance a nível de mercado. O modelo descentralizado de trabalhar e de negociar vai permitir que o nosso mercado passe efetivamente a ser global, uma vez que iremos fazer negócio de igual modo com um cliente português ou com um cliente em qualquer parte do mundo, uma vez que a transformação digital chegou a todos ao mesmo tempo.

Qual a vossa proposta de valor para as empresas?
A Ábaco Consulting tem um posicionamento diferenciado assente em três vetores: posicionamento vertical de mercado, inovação tecnológica e capital humano. Posicionamento vertical porque a oferta é focada em cinco setores de negócio onde temos conhecimento profundo de processos de negócio, trazendo valor acrescentado em relação a um integrador de software tradicional, focado apenas em tecnologia. No fundo, conseguimos diminuir a distância de conhecimento entre o cliente final e a empresa implementadora, traduzindo-se numa redução de risco, relevante para ambas as partes.

Inovação tecnológica, porque procuramos estar sempre um passo à frente na utilização das ferramentas SAP, como, por exemplo, o novo ERP SAP S/HANA. A Ábaco Portugal foi a primeira empresa a ter clientes em produtivo nesta solução, assim como a Ábaco Brasil foi a primeira a ter uma referência S/4HANA na América Latina.

O capital  humano, sendo o diferenciador mais subjetivo, é igualmente único no sentido em que dificilmente pode ser replicado. A diferenciação reside na cultura da organização, nos seus valores e na forma como interage com os seus clientes, colaboradores e parceiros.

“Acredito que o que faz uma boa liderança é a forma transparente e verdadeira como comunicamos, em qualquer circunstância”.

O que faz uma boa liderança nesta fase?
Acredito que o que faz uma boa liderança é a forma transparente e verdadeira como comunicamos, em qualquer circunstância. Nesta fase em particular é importante manter a calma e confiança no futuro. É igualmente importante apontar um caminho, mobilizar, motivar e materializar em ações cada passo que damos para seguir nesse rumo. Nesta fase, mais do que nos reinventarmos temos de nos redescobrir e encontrar novas formas de criar valor para os clientes, parceiros e colaboradores.

“Neste momento, é importante que se continue a dar primazia à comunicação interna e se passe mensagens que incentivem a tranquilidade e o respeito pelas regras impostas”.

Qual deveria ser o foco do gestor? Os recursos humanos, os clientes…
Ambos. A presença, a comunicação. Considero que o mais importante continua a ser a comunicação com os colaboradores, clientes e parceiros. Neste momento, é importante que se continue a dar primazia à comunicação interna e se passe mensagens que incentivem a tranquilidade e o respeito pelas regras impostas. Agora, mais do que nunca, é importante demonstrarmos aos colaboradores que, para nós, o mais importante são as pessoas e o seu bem-estar. É igualmente importante que entre cliente e fornecedor, parceiro e concorrente se estabeleçam laços de solidariedade ao invés de cada um procurar estratégias de sobrevivência individuais. O sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo.

Estão presentes em vários mercados internacionais, Brasil, Reino Unido, Suíça… como é que Ábaco viveu os últimos dois meses nestes mercados?
Na verdade, as medidas adotadas foram similares, a prioridade foi a mesma, a saúde e bem-estar dos nossos colaboradores. Por isso, nos diferentes países, antes mesmo de ser decretado o confinamento social, já tínhamos todos os consultores a trabalhar em casa. As diferenças estiveram nas medidas adotadas pelos diferentes Governos, quer ao nível sanitário, quer ao nível das medidas de apoio económico às empresas. Em rigor, foram poucos os clientes que interromperam as atividades por completo, a maioria prosseguiu os trabalhos em curso, ainda que em modo remoto, ou reduziu a atividade.

Qual o peso da internacionalização no vosso negócio?
Atualmente, já desenvolvemos mais de 600 projetos, quer a nível nacional como internacional, sendo que os resultados obtidos transmitem o nosso desempenho sólido e consistente, corroborando o sucesso da estratégia de posicionamento na vanguarda tecnológica, de aposta na internacionalização e do reforço da cultura organizacional. A operação a nível nacional representa cerca de 70% do volume de negócios, enquanto que a nível internacional representa mais de 30%.

Que impacto tem a inovação na vossa oferta de serviços/produtos? Onde entra aqui o vosso Innovation Labs ou o Edge Solutions?
Na perspetiva dos serviços, são inovadores na medida em que a profundidade de conhecimento nos setores em que nos especializámos, associado às diferentes experiências que acumulamos, nos permitem criar soluções que combinam o que melhor se faz em cada setor. Ou seja, realizamos “benchmarks” em contínuo.

Na perspetiva dos produtos, continuamos a investir na produtização de serviços tendo por base a experiência dos setores verticais de especialização aliado às inovações tecnológicas que o mercado disponibiliza. Um exemplo disso é o Canary. É inovador na medida em que enquanto sistema de gestão e controlo destinado a ambientes que pela sua natureza apresentem riscos para pessoas e bens, a solução utiliza wearables do mercado de consumo e sensores industriais de forma a criar uma visão holística do que está a acontecer nas empresas, permitindo respostas em tempo real a incidentes.

“(…) hoje que a velocidade de transformação do negócio dos clientes, e do mercado em geral, já não se coaduna com modelos de inovação fechados (…)”

De que forma o espírito empreendedor das start-ups que surgem na vossa área, e os projetos disruptivos que têm surgido, podem ser também uma mais-valia para empresas como a vossa?
Sem dúvida. É importante falar sobre a inovação que regularmente desenvolvemos, mas numa perspetiva interna. O grande desafio passa por criar um ecossistema de inovação envolvendo universidades, start-ups e parceiros tecnológicos. Constatamos hoje que a velocidade de transformação do negócio dos clientes, e do mercado em geral, já não se coaduna com modelos de inovação fechados, exigindo uma abertura disruptiva como forma de acelerar este processo extremamente exigente, e assim continuar a criar valor para os clientes na implementação de projetos inovadores a nível nacional e internacional.

Portugal têm talento tecnológico?
Portugal tem uma das melhores fontes de talento da Europa, somos um povo bastante ativo e que procura encontrar novas soluções tecnológicas e várias são as provas que temos dado. No entanto, não tem sido fácil para a Ábaco reter os melhores talentos no mercado onde estes estão constantemente a ser cobiçados pelas gigantes tecnológicas, e é por essa razão que apostamos na criação de uma cultura muito orientada para as pessoas, promovendo a proximidade e fomentando o conhecimento e o desenvolvimento das suas competências.

“O crescimento exponencial do setor da tecnologia obriga as organizações a superarem-se diariamente, a si próprias e à concorrência, para desenvolver soluções que melhorem o desempenho dos clientes”.

Globalmente, como é que avalia a performance das empresas nacionais ao nível dos programas de gestão que adotam? Estamos a acompanhar o ritmo e tendências mundiais?
Consideramos que é um setor que estava em forte crescimento, até pelo investimento que tem sido feito nesta área. Existem muitas organizações neste setor e cada vez são mais as que se formam. O facto de apresentarem qualidade e rapidez de atuação tem permitido a muitas posicionarem-se além-fronteiras. As organizações portuguesas que atuam na área da tecnologia têm uma reputação crescente no estrangeiro.

O crescimento exponencial do setor da tecnologia obriga as organizações a superarem-se diariamente, a si próprias e à concorrência, para desenvolver soluções que melhorem o desempenho dos clientes. Torna-se imperativo acompanhar e prever as tendências do mercado, numa era em que parar é ser ultrapassado. O mercado atual é extremamente competitivo, as organizações mudam a um ritmo alucinante, e é importante que consigam acompanhar as constantes tendências dos mercados e que se adaptem o mais rapidamente possível.

Como estão os vossos números? Faturação prevista para este ano, número de colaboradores…
Tivemos uma evolução muito positiva na faturação no primeiro trimestre, com um crescimento superior a 19%. Aliado ao aumento do volume de negócios, uma melhoria significativa da eficiência operacional com a margem a situar-se nos dois dígitos.

As perspetivas para este ano estavam boas até ao início deste crise, mas, neste momento, o futuro é uma grande incógnita, um grande desafio. Acreditamos na rápida capacidade de adaptação da nossa equipa e apesar de nas diferentes geografias termos ritmos de retoma diferentes, julgamos que o maior impacto será no terceiro trimestre. O último trimestre já será mais próximo do normal,e perspetivamos reforçar a contratação preparando o ano de 2021. Esperamos ultrapassar os 230 colaboradores.

E a vossa estratégia de expansão, aponta para que mercados?
Neste momento, iremos manter a atuação nos países em que já temos escritórios abertos e respetivo negócio, sendo que a abertura de um novo escritório não é, para já, uma prioridade e resultará sempre de um processo ponderado e da conquista de um novo cliente que justifique este investimento.

A Ábaco Consulting registou em 2016 o melhor ano de sempre no que à abertura de escritórios diz respeito. A par da inauguração em Londres, centro financeiro e empresarial da Europa, anunciámos também a abertura de uma nova estrutura em Genebra, Suíça.

Estes investimentos permitiram-nos também estar mais próximos dos clientes e destes mercados tão importantes. Nos últimos anos, a estratégia esteve centrada em reforçar a nossa presença nestes dois locais, assim como no Brasil onde há uma enorme margem de progressão. Em 2020, projetamos consolidar o crescimento nos mercados internacionais sem, no entanto, deixar de analisar novas oportunidades, mas sempre em mercados cujo estágio de maturidade represente um desafio não apenas no crescimento do volume de negócios, mas essencialmente no grau de exigência de qualidade do nível de serviços que prestamos.

Que tendências perspetiva para o vosso setor de mercado no próximo ano, em termos de novos produtos, serviços, tecnologias…?
O denominado regresso ao novo normal traz novos desafios na medida em que a localização física no nosso setor deixou de ter a preponderância que tinha até hoje, abrindo assim espaço para novas oportunidades de negócio. Hoje, em confinamento, estar a prestar serviço para um cliente em Lisboa ou Porto não é muito diferente de prestar esse mesmo serviço para um cliente em Londres ou Genebra. O investimento será reforçado em áreas como Cloud/SaaS (Software as a Service), Inteligência Artificial (IA) e RPA (Robotic Process Automation), uma vez que estas são áreas fundamentais e que irão certamente desempenhar um papel fundamental para o crescimento de qualquer negócio neste novo contexto.

A automação de processos aliada com a IA assumiram já um papel extremamente crítico, não só na componente empresarial, como também em toda a sociedade, através de um conjunto de processos, no quais os produtos se tornaram inteligentes e conectados. O crescimento do negócio passará por conseguir processar toda a informação que conseguirmos obter (a qual cada vez é maior) e no menor período de tempo ter um resultado que nos permita tomar uma decisão ou executar um processo crítico para o negócio, tudo com menor intervenção humana e, por consequência, numa base 24×7.

Respostas rápidas:
O maior risco: A incapacidade de adaptação a novos modelos de negócio.
O maior erro: O excesso de confiança resultante do êxito.
A maior lição: Só alcançamos grandes êxitos em equipa.
A maior conquista: A internacionalização.

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