Entrevista/ “Sabemos que o futuro será a expansão e a internacionalização”

Filipe Fernandes, cofundador e CEO da Windcredible

“Tudo hoje em dia precisa de energia. Portanto, conseguir levar esta energia onde ela não chega, acho que é o mais gratificante”, explica Filipe Fernandes, cofundador e CEO da Windcredible, start-up portuguesa que criou turbinas eólicas para autoconsumo. Está em fase de testes em Portugal, mas de olhos postos na internacionalização e no potencial do mercado africano.

A equipa fundadora da Windcredible regressou à Web Summit este ano para reforçar as potencialidades das suas turbinas eólicas de pequena dimensão, desenhadas para poderem ser colocadas em diversos locais, inclusive em ambiente urbano, e para tornar a energia acessível a todos.

A start-up que nasceu da iniciativa de Filipe Fernandes e António Santos, e que já arrecadou vários prémios, está na fase de testes e, a curto prazo, próxima de levar um modelo pequeno para o mercado, como adiantou Filipe Santos, também CEO da Windcredible, em entrevista ao Link to Leaders.

“Neste momento, estamos ainda numa fase de captação de um novo investimento e o objetivo é mesmo conseguir financiar a parte da certificação, entrar no mercado, ter a primeira perspetiva de industrialização do produto também”, adiantou Filipe Santos, que não tem dúvida em afirmar que tem um produto “com qualidade, com valor e de que o cliente pode usufruir, trazendo vantagens em termos de poupança e em termos de resiliência”.

Como está a correr a aventura Windcredible?

Este ano tivemos uma série de desafios, tivemos de condicionar o equipamento, fizemos uma nova versão, melhoramentos. Está em operação há pouco menos de um ano, e entretanto, já temos uma segunda instalação deste modelo médio.

Onde é que está a primeira instalação e onde é que está a segunda?

A primeira está na Nestlé, a segunda no Porto de Lisboa. Nós temos dois modelos, estamos a avançar com o desenvolvimento e implementação destes dois modelos, e hoje estamos muito próximos de levar um modelo pequeno para o mercado. Próximo passo, são os testes de desenvolvimento, certificação e pormos o equipamento no mercado, o modelo médio. Ainda precisamos dos resultados destes primeiros testes que estamos a fazer, destes primeiros pilotos, previsivelmente ou no final do próximo ano ou no ano seguinte.
Temos tido muita procura e o desafio ainda está na parte da produção. Ainda estamos a trabalhar numa pequena escala, pequena produção, e temos aqui alguns desafios a ultrapassar.

“Neste momento, estamos ainda numa fase de captação de um novo investimento e o objetivo é mesmo conseguir financiar a parte da certificação (…)”.

Isso tem a ver com a técnica ou com a falta de investimento? O que é que está a dificultar esta fase da produção?

Com mais recursos anda-se mais rápido. Nós tivemos investimento privado, foi isso que nos permitiu fazer as peças, os moldes, estarmos a trabalhar a tempo inteiro. No entanto, não dá para tudo. Há uma série de pequenas orientações ou pequenas direções que nós queríamos seguir no desenvolvimento, mas têm que ficar para trás em virtude da situação que em estamos. Neste momento, estamos ainda numa fase de captação de um novo investimento e o objetivo é mesmo conseguir financiar a parte da certificação, entrar no mercado, ter a primeira perspetiva de industrialização do produto também.

Estamos a falar no mercado português ou internacionalização?

O mercado português é a nossa zona de teste. Portanto, é aqui que estamos a desenvolver o produto, é aqui que temos os produtos, as primeiras turbinas instaladas. Mas sabemos que o futuro será a expansão e a internacionalização.

Portugal é um bom sítio para testes, é uma zona com muito vento, principalmente na zona litoral. Temos clientes interessados, temos potenciais parceiros, tem tudo o que nós precisamos para desenvolvermos, testarmos e validarmos a tecnologia para futuramente entrar no mercado internacional.

E no mercado internacional estão focados em algum em particular, algum que reúna mais condições para este tipo de equipamento?

Estamos divididos. Por um lado, temos acesso a países com poder de compra e que investem em energias renováveis, estamos a falar do sul da Europa, e Espanha é o mais próximo. A Alemanha tem necessidade, o Reino Unido também tem esta aposta. Nos Estados Unidos, inicialmente, também haveria grande associação a esta tecnologia, hoje um bocadinho mais salvaguardado.

E depois temos muitos países, principalmente países em desenvolvimento, onde a eletrificação é difícil e não chega às áreas mais remotas, a energia é cara e a alternativa ainda são os combustíveis fósseis. Além destes mercados, também queremos chegar a mercados nichos, países ilha, o exemplo de Cabo Verde é um deles e há outros.

Já estão a fazer alguma coisa em Cabo Verde?

Cabo Verde será uma zona piloto para o nosso modelo mais pequeno já no próximo ano.

A vossa ligação a Cabo Verde tem a ver com isso?

Vai um bocadinho mais longe. O António Santos (COO) é filho de cabo-verdianos, nasceu na Cova da Moura, mas tem essa ascendência e já estivemos várias vezes em Cabo Verde que, infelizmente, padece destes problemas. A energia é cara, a alternativa são os fósseis, a eletrificação nas ilhas mais remotas e mais pequenas é difícil… portanto, há aqui também uma potencialidade.

A Windcredible é uma boa alternativa para dar resposta a essa necessidade…

Sim, porque está dimensionada à escala do cliente, portanto, se continuarmos a falar de uma casa, uma pequena vila, consegue-se criar um sistema eólico, mas também com recurso solar e armazenamento e implementar um sistema híbrido que é a melhor solução para o cliente.

“Tudo hoje em dia precisa de energia. Portanto, conseguir levar esta energia onde ela não chega, acho que é o mais gratificante”.

Então o continente africano é um continente-alvo para vocês?

Eu ia sentir-me realizado se no futuro fosse instalar turbinas por aí fora. Sem dúvida. África, para além de ter esta necessidade, temos de pensar que a energia é um desbloqueador porque atrás da energia há-de vir comunicação, educação, pagamentos… Tudo hoje em dia precisa de energia. Portanto, conseguir levar esta energia onde ela não chega, acho que é o mais gratificante.

Seria um bom motor económico, é isso?
Sem dúvida. E também faz parte do nosso ADN querer ajudar o próximo. Enquanto na Europa estamos a substituir um eletrão proveniente de combustível fóssil possivelmente por uma renovável, lá não existe nada para substituir. Portanto, era dar esta possibilidade de dar energia onde quer que ela seja necessária.

Quais são os vossos potenciais clientes? Estamos a falar de empresas privadas, de Governos, de entidades públicas.

Neste momento, entidades públicas e empresas. Nesta pesquisa por empresas, os clientes, os pilotos, que já temos mostram um bocadinho aquilo que queremos. Ou seja, nós queremos ser os produtores e desenvolvedores da turbina eólica, do sistema de monitorização e tudo mais, mas a distribuição e a instalação há-de ser feita por terceiros, é como se fosse um painel solar.

E também temos empresas como a EDP, a Galp, em que os clientes pedem-lhes turbinas eólicas. Portanto, eles próprios também têm que encontrar uma solução, porque há demanda. Tem aqui o principal motor.

Para clientes individuais, será numa fase mais posterior, mas à medida que o produto também é desenvolvido, fica mais maduro, o custo também vai reduzindo e conseguimos chegar a um mercado mais abrangente.

Quando acham que isso vai acontecer? Quais são as vossas previsões?

Diria que daqui a cinco anos já é uma timeline otimista, mas exequível. Os problemas que temos são problemas técnicos, existe a solução, nós estamos a desenvolvê-la, procuramos no mercado. Infelizmente perdeu-se muito da tecnologia da micro eólica nos últimos 10 anos face à concorrência do solar, mas nós sentimos esta procura.

O vosso concorrente neste momento é o solar?

Não, porque não é possível concorrer com o solar, em Portugal principalmente. Nos países nórdicos a equação já fica um bocadinho melhor a nosso favor, mas hoje é impossível concorrer com o solar. Não há tecnologia que tenha uma rentabilidade tão grande.

Por isso, o nosso objetivo é implementar o melhor para o cliente, que é o sistema híbrido, que conjuga as vantagens de ambas as tecnologias, mitiga as suas falhas e traz mais sustentabilidade e resiliência ao cliente. Para não acontecer aquilo que aconteceu com muita gente durante o apagão e conseguirem gerar a sua própria energia, consumi-la fora da rede, se necessário, e depois ainda ter uma perspetiva de rentabilidade daquilo que está a produzir.

Vocês já foram “aliciados” por alguma empresa para uma parceria, uma compra… já foram sondados?

Já me perguntaram se eu tinha stock para 18 mil turbinas. Portanto, a necessidade está cá, nós ainda não temos essa capacidade, mas sentimos que há mercado, que há mesmo procura. Felizmente a concorrência ainda não está a satisfazer de todo aquilo que o cliente espera, portanto ainda temos aqui uma janela de oportunidade que devemos aproveitar.

Estes testes pilotos que estão implementados, estão a cumprir as expetativas que tinham delineado? Estão a ir ao encontro daquilo que o cliente quer?

É com a implementação que uma pessoa aprende. Poderemos estar um ano a desenvolver no nosso computador, mas é no momento em que se está no terreno que realmente se põem as coisas à prova. Neste momento, a nossa turbina mais pequena já ultrapassou o limite de produção que estava anunciado, os 100 watts, já ultrapassamos essa produção. O nosso modelo médio está um pouco abaixo das expetativas, estamos a falar de 20%, 30%. Portanto, ainda há melhorias e otimização a fazer.
O que nós temos hoje acredito que é um produto com qualidade, com valor e de que o cliente pode usufruir, trazendo vantagens em termos de poupança e em termos de resiliência.

Os primeiros passos da Windcredible

Ambos militares da GNR, António Santos com o cargo de Cabo de eletrónica da Unidade de Intervenção do Quartel da Pontinha, e Filipe Santos, o seu Capitão, começaram a fazer experiências, a fazer as suas próprias turbinas, revelou António Santos, o COO da Windcredible. “Começamos a fazer o upcycling de motores de trotinete, utilizamos rodas de bicicleta, pedaços de madeira, bocados de plástico para fazer turbinas eólicas e pôr aquilo a rodar”, explica. Mais tarde, refere, “o Marvim ajudou-nos a criar um modelo com melhor aspeto e fomos à final do Climate Launchpad. E vimos que isto era a sério”.

Antonio Santos, cofundador e CTO

Depois de começarem como uma “brincadeira”, o projeto estava a ganhar forma e constataram que precisavam de “alguém que percebesse de aerodinâmica” e foi assim que Nelson Batista (CTO) se juntou ao núcleo fundador.

“Então quando nos juntamos, juntamos a vontade militar de construirmos, de fazer acontecer, o conhecimento do Marvim para materializar a turbina, e a base científica do Nelson, e criamos a Windcredible”, explica António Santos. Depois conseguiram “um investimento muito importante de um business angel em Aveiro, da Techstars Sustainability Paris e da Portugal Ventures. E recentemente conseguimos também o investimento e apoio de uma empresa que trabalha em Viseu, que se chama Enbient, que tem o vertical todo de soluções energéticas para casa, desde hardware a software”. António Santos sublinha ainda que “temos vindo a crescer com a ajuda deles na parte de instalação, que é muito importante, para mais tarde chegarmos à certificação do produto e finalmente conseguirmos chegar ao consumidor final”.

E não deixa de destacar a portugalidade do produto. “As pás são feitas em Vila Franca de Xira, o componente metálico, a estrutura, é feita na Póvoa do Varzim, e o gerador é construído em Portugal por um parceiro. Portanto, temos um produto 100% português”.

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