Entrevista/ “A cultura das nossas organizações tem de se transformar e nós gestores também temos de nos adaptar”

Victor Moure, country manager da Schneider Electric Portugal

“Os líderes das empresas têm a obrigação de olhar para o futuro e isso significa que têm de ser ativistas de sustentabilidade”, afirma Victor Moure, country manager da Schneider Electric Portugal.

Com a missão de ser o parceiro digital para a sustentabilidade e eficiência, a Schneider Electric Portugal aponta o seu foco para as pequenas e médias empresas  “fulcrais para a economia portuguesa”, como frisa o country manager da empresa. Em entrevista ao Link to Leaders, Victor Moure afirma que a ” transformação e a transição energéticas em Portugal estão em curso e têm sido registados progressos significativos e, ainda que tenhamos ainda bastantes desafios para superar, creio que podemos dizer que estamos no bom caminho”.

Lembra que é preciso que “esteja claro para todos nós que não haverá progresso sem sustentabilidade”, e alerta para o facto de “apesar de a sustentabilidade estar cada vez mais presente na agenda dos CEO, existe ainda nestes uma falta de sensibilização e, sobretudo, de sentido de urgência em relação a este tema”.Destaca ainda o papel fundamental desempenhado pelas start-ups nestes ecossistemas, “pela diversificação e inovação tecnológica que trazem ao mercado”.

Enquanto especialista global em gestão de energia e automação, com operações em mais de 100 países, qual a marca que a Schneider Electric quer deixar nas PME portuguesas?
As pequenas e médias empresas, absolutamente fulcrais para a economia portuguesa, são extremamente vulneráveis ao cenário atual de maior incerteza e volatilidade – passámos de uma pandemia e da escassez de materiais, a uma guerra na Europa, inflação e crise energética, entre outros. A nossa vocação é, por isso, ajudar as PME. Ajudá-las, em primeiro lugar, a compreender o que está a acontecer, e depois a empreender duas grandes transformações – a digital e a energética – para poderem adaptar-se e crescer, independentemente dos cenários que o futuro reserva. Há ainda uma terceira grande transformação que não podemos ignorar: a cultural. A cultura das nossas organizações tem de se transformar e nós gestores também temos de nos adaptar.

Sendo os temas do ambiente e da sustentabilidade tão impactantes nos dias de hoje, quais as propostas/soluções mais emblemáticas da Schneider Electric para responder às necessidades dos clientes?
A maior parte da tecnologia de que necessitamos para assegurar o crescimento sustentável já existe e está ao nosso alcance, e a Schneider Electric é não apenas um fornecedor de soluções, como um parceiro experiente em consultoria energética. Podemos ajudar as empresas no caminho para a sustentabilidade. A nossa recomendação é que as empresas tenham um roteiro com objetivos ambiciosos e prazos que se comprometam a atingir – e é o CEO quem deve estar na linha da frente para que isto aconteça. A partir daí, é importante que saibam o seu ponto de partida e monitorizem o progresso, e que trabalhem para melhorar a eficiência do seu consumo de energia e operações. Devem substituir as energias intensivas em carbono por energias limpas; compensar as emissões residuais que não podem ser eliminadas através de créditos e outros sistemas de compensação; e, finalmente, envolver toda a sua cadeia de abastecimento para acelerar a transição para uma economia descarbonizada.

Especificamente para as PME, e especialmente num país como o nosso, com condições climáticas privilegiadas, destacamos as microgrids como soluções ideais. Uma microgrid oferece a infraestrutura técnica para integrar e dimensionar o seu próprio fornecimento de energia renovável, em vez de dependerem do mix de energia fornecido pela rede em cada momento. Com software, controladores e o equipamento de interligação corretos, a microgrid utiliza fontes renováveis para cobrir as necessidades de energia e geri-las da melhor forma, podendo até vender energia limpa à rede. Por outro lado, outro dos serviços que oferecemos e que faz todo o sentido para as PME são os modelos “as a service”, como serviço – não se tratam de uma tecnologia propriamente dita, são um modelo que permite a gestão da energia quando e como necessário, escalável para acompanhar as necessidades das empresas a cada momento, e que eliminam a principal barreira que as PME tinham até agora para gerir a sua energia: o investimento inicial.

“(…) creio que estamos sem dúvida no bom caminho, mas ainda há muito a fazer (…)”.

Globalmente, como olha para a transformação/transição energética em Portugal? Estamos no bom caminho?
A transformação e a transição energéticas em Portugal estão em curso e têm sido registados progressos significativos e, ainda que tenhamos ainda bastantes desafios para superar, creio que podemos dizer que estamos no bom caminho. Como exemplos de pontos positivos, podemos destacar:

O aumento da quota de energias renováveis no mix energético. Portugal está numa posição privilegiada em termos de condições climatéricas, e tem sabido aproveitar bem este facto para integrar as renováveis, com destaque para a energia solar e a eólica. De facto, em março deste ano, as fontes renováveis cobriram 91% do consumo de eletricidade do país, um máximo histórico e o valor mais elevado registado desde 1978;

A redução das emissões de gases com efeito de estufa, que tem sido central na política energética europeia e também portuguesa. Entre 1990 e 2022, as emissões de gases com efeito de estufa do setor energético nacional diminuíram 48%.

O reforço da independência energética. A diversificação das fontes de energia e a aposta nas renováveis reduzem a dependência de Portugal dos combustíveis fósseis importados, aumentando a segurança energética do país.

Como desafios, podemos mencionar a integração das renováveis na rede elétrica – que é uma grande oportunidade, sim, mas também comporta os seus problemas, porque a produção crescente de energia intermitente, como a solar e eólica, exige investimentos na modernização e flexibilidade da rede elétrica; a necessidade crescente de soluções de armazenamento de energia, essenciais para garantir a segurança e eficiência do sistema elétrico; e a necessidade de aumentar a eficiência energética, pois é imperativo reduzir o consumo de energia em todos os setores da economia, e ainda há um longo caminho a percorrer nesse sentido.

Em suma, como dizia, creio que estamos sem dúvida no bom caminho, mas ainda há muito a fazer. É necessário um esforço contínuo para superar os desafios existentes e garantir que a transição é justa, sustentável e inclusiva para todos.

“Nenhuma empresa, nenhum parceiro, pode fazer tudo sozinha, necessita sempre de um ecossistema (…)”.

Qual o aporte que as start-ups podem trazer a este setor com as suas soluções tecnológicas?
Nenhuma empresa, nenhum parceiro, pode fazer tudo sozinha, necessita sempre de um ecossistema: uma comunidade diversa com múltiplos players com características diferentes, que trabalham em conjunto seguindo modelos de colaboração e cooperação para criar propostas de valor poderosas. A decisão sobre o tipo de plataforma que vamos utilizar nas nossas empresas é fundamental para podermos tirar o máximo partido dos seus desenvolvimentos atuais ou futuros. Temos de garantir que dispomos de plataformas abertas e federadas, capazes de integrar as melhores tecnologias disponíveis no mercado – independentemente do fabricante. As start-ups desempenham um papel fundamental nestes ecossistemas, pela diversificação e inovação tecnológica que trazem ao mercado.

Portugal tem talento q.b. nestas matérias?
Portugal tem muitíssimo talento, o que se comprova também pela aposta contínua das empresas multinacionais que decidem localizar os seus hubs tecnológicos no nosso país. Contudo, também assistimos, como em muitos outros países, a uma polarização desse talento, que tende a ir para as start-ups – pelo sentimento de pertença – ou para as multinacionais, onde sentem ter mais oportunidades. As decisões entre as empresas onde querem trabalhar são cada vez mais influenciadas pelo propósito e compromisso destas para com a sustentabilidade.

“Apesar de a sustentabilidade estar cada vez mais presente na agenda dos CEO, existe ainda nestes uma falta de sensibilização e, sobretudo, de sentido de urgência em relação a este tema”.

E as lideranças empresariais estão conscientes das mudanças em curso no setor energético?
Apesar de a sustentabilidade estar cada vez mais presente na agenda dos CEO, existe ainda nestes uma falta de sensibilização e, sobretudo, de sentido de urgência em relação a este tema. A verdade é que a sustentabilidade tem impactos menos visíveis, mas muito pesados quando os analisamos em detalhe – como a pressão regulatória, a forma como condiciona o acesso a financiamento, o crescente escrutínio dos stakeholders, dos jovens talentos e da sociedade e, sobretudo, o facto de um número crescente de empresas estar a incluir nos seus planos de sustentabilidade a redução de emissões de Alcance 3, o que obrigará toda a cadeia de valor a descarbonizar-se também.

Por outro lado, não podemos ignorar o facto de que – tal como vimos nos meses mais prementes da crise energética – a dependência e a segurança energética passam necessariamente pela descarbonização da economia. São duas faces da mesma moeda. Por tudo isto, os líderes das empresas têm a obrigação de olhar para o futuro, e isso significa que têm de ser ativistas de sustentabilidade.

Quais são, ainda, as principais vulnerabilidades das PME nacionais no domínio da transformação digital e energética?
Por um lado, a incerteza e o desconhecimento frequente do que está a acontecer ou do que está para vir, que podem levar a uma paralisia na tomada de decisões, ou a decisões que são adiadas até ser demasiado tarde. (Já agora, isto afeta sobretudo as pequenas empresas, mas também as grandes.) Todos estamos a enfrentar um mundo que já não é previsível e os planos já não são, por isso mesmo, lineares.

Noutro ponto, o acesso a financiamento também podia ser uma vulnerabilidade para as PME até agora, mas com os modelos “as a service” ou de subscrição, esta barreira é cada vez menos importante. Num ambiente de digitalização em que a capacidade de adaptação, a agilidade e a flexibilidade se tornam elementos cruciais, é essencial que as empresas sejam capazes de trazer novas propostas de valor para o mercado – e é aqui que ser pequeno é uma grande vantagem. Podem adaptar-se à evolução do mercado com muito mais flexibilidade do que uma empresa grande consegue ter.

O que não pode faltar às empresas neste jogo de equilíbrio entre progresso e sustentabilidade?
Em primeiro lugar, é preciso que esteja claro para todos nós que não haverá progresso sem sustentabilidade. Para além disso, está também estudado e comprovado que as empresas mais sustentáveis têm melhores resultados, apresentam maior capacidade de inovação, acompanham melhor os tempos atuais, etc. Há certas mudanças tecnológicas, sobretudo nas empresas de elevada intensidade energética, que podem implicar custos significativos. É aqui que entram os planos de sustentabilidade. Estes definem que ações têm retorno em períodos de tempo mais curtos, em que aspetos as alterações legislativas vão entrar em vigor mais cedo… tudo isto para permitir dar prioridade a uns investimentos em detrimento de outros, e garantir que parte das poupanças geradas – por exemplo, uma maior eficiência energética – é utilizada para realizar outros investimentos mais dispendiosos.
Em muitos casos, as empresas podem também encontrar um fornecedor externo que, num modelo de subscrição ou similar, pode realizar por elas o investimento inicial – e até mesmo mantendo os ativos no seu balanço, para que não tenham de assumir o custo de propriedade, mas possam usufruir dos benefícios da utilização.

“(…) até à data, são muito poucas as PME em Portugal que sabem qual é a sua pegada de carbono e quanta energia consomem por cada unidade que produzem(…)”.

Que conselhos deixaria às PME portuguesas para conseguirem criar esse equilíbrio de forma saudável?
O primeiro passo é que saibam quantas emissões estão a gerar, e quantas emissões os seus concorrentes estão a gerir. Em seguida, devem definir um objetivo claro e mensurável, e depois disso um calendário para que esteja claro não apenas onde querem chegar, mas em quanto tempo. É também necessário planear o investimento e, finalmente, definir o plano de ação.

A verdade é que, até à data, são muito poucas as PME em Portugal que sabem qual é a sua pegada de carbono e quanta energia consomem por cada unidade que produzem – e provavelmente isso acontece porque não sabem que a eficiência energética está ao alcance de qualquer empresa, independentemente da sua dimensão. É a área onde podemos implementar medidas de forma mais rápida, e que nos dará um retorno também rápido.

Não é certamente a ferramenta mais “sexy”, mas é a mais poderosa que podemos implementar, e podemos fazê-lo já. Contudo, não podemos ser eficientes se não soubermos como consumimos, se os nossos equipamentos não estiverem conectados, se não estivermos a monitorizá-los… o que nos leva, então, à necessidade de seguir o caminho que indicava acima.

Que futuro antevê para o mercado em que se movem?
A eletrificação, a sustentabilidade e a digitalização tornaram-se temas centrais, e vão continuar a sê-lo. Ao longo dos anos, temos feito os investimentos necessários em inovação e em novos softwares para podermos acompanhar os nossos clientes nas transformações que necessariamente vão ter de fazer e, nesse sentido, vemos um mercado cheio de oportunidades e de crescimento. Os Data Centers, um segmento no qual somos uma referência aqui em Portugal, também vão merecer uma atenção especial. Não só a irrupção da IA trouxe um grande crescimento, como é também um dos setores que está já mais consciente da sua necessidade de descarbonização e a tomar medidas nesse sentido, o que é muito importante.

E como está a própria Schneider Electric a preparar-se para o futuro e para os desafios energéticos, ambientais e de sustentabilidade que se adivinham?
Na Schneider Electric gostamos de dar o exemplo. Há 15 anos, quando o mundo empresarial não estava sequer perto de falar de sustentabilidade como agora, lançámos diversos compromissos de sustentabilidade ambiciosos e, desde então, temos continuado a elevar a fasquia, medindo e publicando os nossos resultados trimestralmente no relatório Schneider Sustainaibility Impact.

Lideramos pelo exemplo – definimos objetivos, divulgamo-los, medimo-los e divulgamos também os resultados. Dois dos frutos destes nossos esforços incluem termos ajudado os nossos clientes a poupar mais de 112 milhões de toneladas métricas de emissões de CO2 até 2023, e termos reduzido as emissões de carbono dos nossos 1.000 principais fornecedores em 27%, entre outros feitos. Apenas como exemplos, posso também dizer que até 2030 pretendemos que as nossas operações sejam net-zero (sem compensações de CO2), impulsionando a inovação para reduzir as emissões de CO2 de Alcance 3.
Até 2040, pretendemos ter uma cadeia de valor neutra em carbono de ponta a ponta (produtos neutros em carbono, com compensações de CO2); e até 2050, uma cadeia de abastecimento totalmente neutra em termos de CO2 (sem compensações).

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